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Magnitude da epidemia por coronavírus continua oculta

Os testes para o diagnóstico são caros e complexos. Os especialistas dizem que com mais exames clínicos o número de positivos na Espanha, 374, aumentaria substancialmente. Brasil confirma 14 casos

Uma pessoa caminha de máscara por Madri.
Uma pessoa caminha de máscara por Madri.PIERRE-PHILIPPE MARCOU (AFP)
Pablo Linde

“Encorajamos os países que queiram saber quanta população está doente com Covid-19 a começar a fazer exames em pessoas com sintomas”. Esse chamado da Organização Mundial da Saúde (OMS) foi feito na quinta-feira, o mesmo dia em que na Espanha estavam sendo descobertos dois grandes focos de coronavírus: em uma casa de repouso e em um lar de idosos de Madri, onde havia morrido uma mulher de 99 anos com o vírus que não tinha sido previamente diagnosticada. No Brasil, até o momento há 14 casos da doença confirmados.

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Essa e outras duas autópsias que detectaram o SARS-CoV-2 em pessoas que não se submeteram a testes de proteína C reativa (PCR) deixam claro que o vírus está mais disseminado do que sabemos e que, se os exames fossem substancialmente aumentados, seriam descobertos casos que estão passando despercebidos. Mas até que ponto estão sendo feitos exames suficientes? Por que não são ampliados? É uma questão de recursos. “Se pudéssemos fazê-los em todas as pessoas com sintomas, faríamos e saberíamos exatamente a incidência da doença, mas não temos nem os recursos, nem o pessoal, nem os reagentes suficientes”, diz um responsável pelos testes de PCR que detectam os vírus em um hospital que prefere não ser identificado. Na Espanha, foram feitos 13.000 até agora, segundo o Ministério da Saúde. Deles, 374 deram positivo, de acordo com seu último relatório. Oito pessoas morreram.

“O que está claro é que se fossem feitos mais exames, apareceriam muito mais casos do que os que conhecemos”, afirma Juan Ayllón, virologista e diretor da área de Medicina Preventiva e Saúde Pública da Universidade de Burgos. Como ele explica, os testes para detectar o vírus exigem tempo e pessoal especializado para ser feitos. “Em breve teremos testes rápidos e simples, mais baratos, que poderão ser feitos em muito mais pessoas, e veremos muitos casos surgirem”, acrescenta.

Os critérios oficiais para fazer os exames foram evoluindo ao mesmo tempo que a epidemia. A ampliação inicial dos testes para as pessoas com pneumonias graves de origem desconhecida nos hospitais permitiu a descoberta de novas infecções. A sensibilidade diagnóstica foi ampliada novamente para identificar a origem de qualquer pneumonia. Com os novos critérios, descobriu-se que vários idosos estavam com o vírus sem controle. Isso provocou pelo menos um foco com uma dezena de afetados em um lar de idosos (os mais vulneráveis ao vírus) de Madri e contágios de agentes de saúde que provavelmente seriam evitados se os casos tivessem sido detectados antes.

O protocolo continuará evoluindo. No início, os testes só eram feitos em pessoas com sintomas que tivessem estado em áreas de risco (norte da Itália, Japão, China, Cingapura, Irã e Coreia do Sul) ou que tivessem tido contato direto com alguém que tinha dado positivo. Sem transmissão comunitária descontrolada, na fase de contenção, a ideia era não gastar recursos em milhares de gripes ou resfriados que teriam desviado esforços daquilo que é realmente importante: rastrear cada infecção, encontrar todos os seus contatos e verificar se estes apresentam sintomas para submetê-los a exames e, se necessário, isolá-los. Está descartada a realização de exames em pessoas assintomáticas, mesmo que tenham tido contato muito direto com infectados.

Fernando Simón, diretor do Centro de Coordenação de Alertas e Emergências de Saúde, esclareceu na sexta-feira que isso poderia ser contraproducente: “Coletar amostras de pessoas assintomáticas não faz muito sentido, porque um resultado negativo hoje não significa que amanhã você não possa desenvolver sintomas. As medidas propostas pela Saúde Pública são adequadas. O que não se deve fazer é coletar amostras de todos os contatos, porque isso não fornece informações, e sim uma falsa sensação de segurança: ‘Como meu exame deu negativo, já não preciso me preocupar, posso ir a qualquer lugar, não preciso medir minha temperatura’. Isso não é assim, um contato próximo deve ser monitorado durante os 14 dias seguintes”.

Até agora, também não estavam sendo feitos exames em pessoas com sintomas (tosse, febre e dificuldade de respirar são os principais), nem mesmo nos lugares mais afetados da Espanha (como Madri), se elas não tivessem tido contato com um infectado ou não houvessem retornado recentemente de uma área de risco. Na sexta-feira, um porta-voz da Comunidade de Madri explicou que isso foi flexibilizado e disse que, quando alguém liga para o telefone de emergência comunicando um caso suspeito, um médico avalia se devem ou não ser feitos os testes.

Se com maior sensibilidade diagnóstica aparecessem muito mais infecções, provavelmente os recursos para fazer o acompanhamento de todos os contatos teriam de ser enormes e a fase de contenção seria substituída pela fase de mitigação. Ou seja, os esforços seriam concentrados no tratamento, não tanto em parar o surto. A França, que atualmente está na fase 2 (equivalente à fase de contenção na Espanha), com mais de 600 casos, avaliava na sexta-feira se deve elevar o nível. A Espanha, com 92% dos casos importados ou relacionados a eles, não está atualmente nesse cenário, afirmou Simón.

Essas diretrizes são adotadas sempre em função dos casos conhecidos. Com muitos mais testes, explica Ayllón, seria comprovado que há um grande número de infecções muito leves, pessoas que tiveram a doença praticamente sem manifestar sintomas. Foi o que aconteceu na Coreia: o segundo grande foco mundial depois da China fez mais de 100.000 testes, o que permitiu detectar mais de 6.500 casos, mas também mostrar uma taxa de mortalidade muito mais baixa que no resto do mundo: 0,6%, em comparação com 3% na China.

Na Itália, o país europeu mais afetado (com mais de 4.600 casos), os exames são feitos em todas as pessoas com sintomas que tenham estado nas chamadas áreas vermelhas, as mais críticas dentro das quatro regiões afetadas. Para quem não esteve em uma área vermelha, os médicos fazem uma avaliação caso a caso. Na Alemanha (534 casos), os testes são realizados em pessoas com sintomas e segundo o histórico médico do afetado. O Ministério da Saúde da Alemanha exige, além disso, que os possíveis afetados tenham estado em contato com pessoas procedentes de áreas de risco ou infectadas nos 14 dias anteriores. Ainda assim, a prática varia dependendo dos lugares e dos hospitais, onde uma pessoa pode ser submetida a exames apenas por ter febre. Na França (613 positivos), quem decide quem fará um exame de coronavírus é o médico. O Reino Unido (163 casos) segue o mesmo critério da Espanha.

Com informações de Lorena Pacho, Rafa de Miguel, Ana Carbajosa e Silvia Ayuso.

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