Pandemia de coronavírus
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Dança macabra sobre mais de 200.000 corpos brasileiros

As cenas da festa para 300 pessoas promovida nesta semana por Arthur Lira são um insulto às milhares de famílias brasileiras que ainda buscam forças e razão para viver diante da perda de parentes e amigos

Arthur Lira, ao centro, festeja sua eleição para presidente da Câmara com festa numa casa no Lago Sul, área nobre de Brasília, para cerca de 300 pessoas.
Arthur Lira, ao centro, festeja sua eleição para presidente da Câmara com festa numa casa no Lago Sul, área nobre de Brasília, para cerca de 300 pessoas.DIDA SAMPAIO (ESTADÃO CONTEÚDO)
Jamil Chade
Mais informações
Senator Rodrigo Pacheco is hugged by a colleague next to Senator Flavio Bolsonaro after being elected the president of the Brazilian Senate in Brasilia, Brazil, February 1, 2021. REUTERS/Adriano Machado
Arthur Lira e Rodrigo Pacheco darão tom do debate sobre auxílio emergencial e do Orçamento
A demonstrator waves a flag reading "out" during a protest against Brazil's President Jair Bolsonaro and his handling of the coronavirus disease (COVID-19) crisis, in Brasilia, Brazil, January 31, 2021. REUTERS/Ueslei Marcelino
'Quando o rabo abana o cachorro, ou a eterna volta do Centrão que nunca se foi', por Claudio Couto
(FILES) This file photo taken on August 24, 2019 shows an aerial view showing smoke billowing from a patch of forest being cleared with fire in the surroundings of Boca do Acre, a city in Amazonas State, in the Amazon basin in northwestern Brazil. - More than 43 million hectares -- an area bigger than Germany -- of forest have been lost in a little over a decade in just a handful of deforestation hotspots, conservation organisation WWF said on January 13, 2021. Swathes of forest continue to be flattened each year -- mainly due to industrial-scale agriculture -- as biodiversity-rich areas are cleared to create space for livestock and crops. (Photo by LULA SAMPAIO / AFP)
'Arthur Lira poderá fazer área ambiental ter saudades de 2020', por Marcio Astrini

“Zig e zig e zig, morte em cadência...

Golpear uma cova com seu calcanhar,

A morte à meia-noite toca uma melodia para dançar,

Zig e zig e zag, em seu violino”.

Henri Cazalis, em seus versos que inspirariam o poema sinfônico de Camille Saint-Saëns, jamais imaginou que estaria narrando uma cena do século 21, em plena pandemia e num longínquo território do planalto central.

Mas a realidade é que seu poema não passa de uma paródia antecipada da realidade do Brasil atual.

As cenas que o Brasil conheceu, com a festa para 300 pessoas promovida nesta semana por Arthur Lira ao ser eleito presidente da Câmara de Deputados, são um insulto às milhares de famílias brasileiras que ainda buscam forças e razão para viver diante da perda de seus avós, filhos, esposas ou amigos queridos.

Imagens ofensivas, que geram náuseas. Uma comemoração do sepultamento de valores. Uma festa para iniciar uma procissão com o caixão de instituições. Danças para mandar um recado de que, em meio à corrupção de ideais, a democracia pede oxigênio.

São cenas que chocam diante da ousadia em desafiar um vírus, o bom-senso, a ciência e a decência.

Não bastou termos um dos maiores números de casos da covid-19 do planeta. “Zig e zig e zag, a morte continua rasgando incansável seu instrumento”.

Não bastou um Governo que promoveu políticas deliberadas para permitir a circulação do vírus e desmontou estruturas destinadas para lidar com a saúde. “Zig e zig e zig, Que Sarabanda!”.

Tampouco bastou “passar a boiada”, forjar planos de poder, silenciar minorias pelo abandono e asfixiar sonhos. “Zig e zig e zag, vemos na banda o Rei brincar com o vilão!”.

Numa festa que foi um retrato da decadência moral, ecoava pelos salões um dos trechos finais do poema de Cazalis: “Viva a morte”.

Jamil Chade é correspondente na Europa desde 2000, mestre em relações internacionais pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra e autor do romance O Caminho de Abraão (Planeta) e outros cinco livros.

Siga a cobertura em tempo real da crise da covid-19 e acompanhe a evolução da pandemia no Brasil. Assine nossa newsletter diária para receber as últimas notícias e análises no e-mail.

Registre-se grátis para continuar lendo

Obrigado por ler o EL PAÍS
Ou assine para ler de forma ilimitada

_

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS