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“Onda de calor na Europa é uma amostra do que virá”

Robert Stefanski, especialista da Organização Meteorológica Mundial, alerta que os episódios de calor extremo já se tornaram mais intensos e frequentes nos últimos 20 anos no continente

Robert Stefanski, especialista da Organização Meteorológica Mundial.
Robert Stefanski, especialista da Organização Meteorológica Mundial.Giuseppe Carotenuto / FAO
Miguel Ángel Medina

A Espanha está imersa até a próxima segunda-feira numa onda de calor muito intenso, que deve levar os termômetros à casa dos 45 graus e alcançará quase todo o país. As altas temperaturas afetam também outras regiões do Mediterrâneo―a Itália e a Tunísia bateram nos últimos dias recordes que ainda estão por serem validados (48,8o C na Sicília, 50,3o C em Al Qairawan, respectivamente). Robert Stefanski (Chicago, EUA; 58 anos), especialista da Organização Meteorológica Mundial (OMM), considera que fenômenos desse tipo são “uma amostra do que está por vir” com a mudança climática, alertando para a frequência e intensidade desses episódios de calor extremo na Europa nas últimas décadas.

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Onda de calor ‘Lúcifer’ inflama a Itália, com temperatura recorde de 48,8 graus na Sicília

Pergunta. A onda de calor que a Espanha vive atualmente é normal?

Resposta. Ondas de calor em agosto na Espanha não são incomuns, mas esta intensidade é. O recorde de temperaturas espanhol é de 47,3 graus [na localidade de Montoro, na Andaluzia, em 2017], e a temperatura no sul da Espanha poderia se aproximar dessa cifra neste fim de semana, então é muito intensa.

P. É algo que está ocorrendo também em países do entorno?

R. Estamos vendo temperaturas muito elevadas em diversos outros lugares, como a Itália, a Grécia, os Bálcãs e a Turquia. Por exemplo, na Tunísia acabam de alcançar um recorde provisório de temperatura [nesta quarta-feira os termômetros marcaram 50,3 graus em Al Qairawan, no interior do país africano], embora ainda seja necessário que um grupo de climatologistas comprove essa cifra e a valide. Normalmente, as estações de medição estão bem mantidas pelos serviços climatológicos nacionais, mas temos um grupo de especialistas para verificar recordes desse tipo. As estações de medição climatológica estão aí há 100 anos, então são uma magnífica fonte para saber que tipo de temperaturas máximas houve e quando são superadas.

P. A Agência Estatal de Meteorologia (AEMET) diz que as ondas de calor se duplicaram na Espanha em uma década. A que se deve isso?

R. Essa informação é congruente com o recente relatório apresentado pelo IPCC [painel científico da ONU sobre mudança climática], que fala do aumento na frequência e intensidade dos episódios de clima extremamente caloroso na Europa nas décadas recentes. E se prevê que eles continuem aumentando. Há anos dizíamos que a mudança climática poderia aquecer o planeta, mas que se os cidadãos e as nações do mundo reduzíssemos os gases de efeito estufa haveria uma chance de manter este aquecimento em um mínimo. Isto é cada vez mais improvável, como deixa claro o relatório de especialistas da ONU. Prevê-se que estes limites críticos para os humanos e os ecossistemas serão superados.

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P. Que balanço a OMM faz desta situação?

R. No último relatório da OMM, publicado em 2020 e denominado O estado do clima, fala-se que a temperatura média global subiu 1,2 grau Celsius [em relação à época pré-industrial], e já olhamos para uma ascensão de 1,5 ou 2 graus. À medida que o tempo passa, é necessário um esforço cada vez maior para reduzir maciçamente os gases de efeito estufa e ajudar a conter este aquecimento. É algo em que também o recente relatório do IPCC insiste muito.

P. Estas mudanças afetam de maneira diferente a área do Mediterrâneo?

R. No Mediterrâneo estamos vendo uma combinação de aquecimento, temperaturas extremas, aumento das secas… Se o aumento das temperaturas superar os 2 graus, estima-se que estes fenômenos se intensifiquem até 2050. Não podemos dizer ainda que esta onda de calor seja por causa da mudança climática – para isso é preciso que um grupo de cientistas a examinem e digam qual a probabilidade de que efetivamente seja –, mas é uma amostra do que virá. O relatório do IPCC deixa claro que no futuro teremos temperaturas cada vez mais extremas nesta zona. Infelizmente, é isto que estamos dizendo.

P. É provável que a Espanha supere seu recorde de temperaturas em breve?

R. É difícil de dizer exatamente quando esse recorde será superado. Em todo caso, as temperaturas continuarão aumentando enquanto não diminuirmos as emissões de gases do efeito estufa. A cada dia há temperaturas extremas que podem ou não se dever à mudança climática. Mas, em todo caso, nos baseando nas provas e olhando os modelos climáticos, sabemos que vai se tornando cada vez mais provável. Então não podemos dizer que essa temperatura será superada neste fim de semana, mas está claro que a probabilidade de que isso ocorra vai aumentando a cada dia.

P. Mudou muito o tempo na Espanha nos últimos 40 anos?

R. Não conheço em profundidade as especificidades da Espanha, mas está claro que o clima se modificou em todo o sudoeste da Europa. Vimos um aumento das temperaturas. Voltando ao relatório do IPCC, se olharmos os mapas de projeção de temperaturas para 2040 e 2060 vemos que a Espanha aparece em vermelho, e isso se deve a que se prevê um aumento dos dias com máximas superiores a 35 graus durante todo o verão.

P. Também se preveem menos chuvas?

R. É difícil dizer. Podemos afirmar que há um aumento das secas, e períodos com grandes inundações. O que ocorre quando a atmosfera se aquece é que se torna mais úmida. A umidade deixa o solo e se evapora, mas depois essa água tem que cair em algum lugar. Parece contraditório, mas podemos ver um aumento das inundações na Europa central, como já ocorreu.

P. Que outros fenômenos climáticos extremos poderíamos enfrentar?

R. Como já dissemos, temperaturas extremas, aumento das secas e risco elevado de incêndios são os prognósticos para os próximos 20 ou 30 anos.

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