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Ameaças à imprensa no México ampliam pressão sobre o Governo por medidas imediatas

Ataques do Cartel de Jalisco evidenciam a insegurança dos profissionais da informação perante grupos criminosos em meio a denúncias sobre o descaso das autoridades

Fragmento del video en el que el Cartel Jalisco amenaza a la periodista Azucena Uresti
Fragmento do vídeo em que o Cartel de Jalisco ameaça a jornalista Azucena Uresti.
Francesco Manetto
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File - In this June 2, 2020 file photo, journalist Ruhollah Zam speaks during his trial at the Revolutionary Court, in Tehran, Iran. Iran. Tranian state television and the state-run IRNA news agency say Ruhollah Zam was hanged early Saturday, Dec. 11, 2020, just months after he returned to Tehran under mysterious circumstances. (Ali Shirband/Mizan News Agency via AP, File)
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O vídeo contém tudo o que um Estado de direito deve repudiar. O líder de uma organização criminosa que ameaça matar uma jornalista e desafia o livre exercício da informação. Um cenário que é em si mesmo uma exaltação da violência em um dos países mais mortíferos para a imprensa. E uma mensagem inconcebível que evidencia a insegurança que atinge os comunicadores ou qualquer um que se interponha no caminho desta quadrilha de narcotraficantes. O ataque contra o jornalismo cometido nesta segunda-feira pelo Cartel Jalisco Nova Geração (CJNG) representa um degrau a mais nas agressões e ameaças contra a mídia, um ambiente que já se tornou rotineiro. A escalada elevou a pressão de organizações de direitos humanos e da profissão para que o Governo de Andrés Manuel López Obrador se comprometa a proteger os jornalistas.

As amostras de solidariedade com Azucena Uresti, da empresa Grupo Multimedios, abertamente ameaçada por Nemesio Rubén Oseguera Cervantes, conhecido como El Mencho, chefe do cartel, foram unânimes. Mas a preocupação com este episódio diz respeito em primeiro lugar às autoridades, que há anos vêm recebendo críticas por sua inação. O trabalho de Uresti e dos jornalistas que atuam em territórios dominados pelas máfias do narcotráfico, como o Estado de Michoacán, requer um plano de segurança concreto e imediato, que inclua a prevenção e uma visão de longo prazo. É o que, basicamente, propõem vários organismos dedicados à defesa da liberdade de imprensa e o apelo de alguns dos principais meios mexicanos, que através de um comunicado conjunto exigiram “proteção à integridade física de todos os colegas afetados por estas expressões delinquenciais” e cobraram uma condenação incondicional por parte do Governo.

O coordenador de comunicação da presidência mexicana, Jesús Ramírez, prometeu que o Executivo “tomará medidas pertinentes para proteger jornalistas e meios de comunicação ameaçados” e assegurou que “as liberdades democráticas estão garantidas junto com o direito à informação para os cidadãos”. O Governo, entretanto, ainda não detalhou seu plano. Enquanto isso, crescem os apelos para que o Estado aja com celeridade.

A organização Artigo 19 comunicou que está documentando o caso e deixou claro que “rejeita as ameaças atribuídas ao grupo delitivo CJNG”. “Exigimos à Secretaria do Governo e às autoridades de segurança pública que se coordenem para proteger de forma urgente os integrantes dos meios de comunicação, assim como Azucena Uresti e a seus familiares”, diz o texto, que também pede à Procuradoria Geral da República que investigue as ameaças “de forma diligente e com perspectiva de gênero”. No ano passado, o organismo contabilizou 692 agressões contra a imprensa – nos últimos 14 anos, os episódios chegam a quase 5.000.

De forma alguma se trata de um fenômeno novo, mas a tendência é muito preocupante porque está crescendo. O Governo de López Obrador enfrenta uma nova guerra contra o narcotráfico, sobretudo no norte do país, mas o Cartel Jalisco Nova Geração e El Mencho, que também ameaçou a Televisa, o Milenio e El Universal por sua cobertura, representam um dos elos criminais mais perigosos para os informadores e para a sociedade mexicana. “O aumento ano após ano da violência contra a imprensa implica uma reiteração da exigência ao Estado e de um nível de intervenção que exige focar os esforços naqueles casos que revelem a mutação nos padrões de agressão e a identificação das causas que geram este tipo de agressões”, aponta o novo relatório da ONG Artigo 19, que se pergunta: trata-se de ineficiência institucional ou de falta de Estado de direito?

A ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) constata em seu balanço anual que “o México continua sendo, ano após ano, um dos países mais perigosos do mundo para os meios de comunicação”. “Apesar de recentemente terem ocorrido alguns avanços, o país continua afundando na infernal espiral da impunidade. O conluio das autoridades e políticos com o crime organizado ameaça gravemente a segurança dos agentes da informação e perturba o funcionamento da Justiça do país em todos os níveis”, denuncia a organização. Há pouco mais de um mês, no fim de junho, dois jornalistas foram assassinados em menos de 24 horas em Oaxaca e no Estado do México. Um deles, Gustavo Sánchez, tinha sofrido uma agressão há um ano. Foi integrado ao Mecanismo de Proteção de Jornalistas, mas no momento em que foi baleado não contava com esquema de segurança.

Este é apenas um dos casos mais recentes. E a isto se soma um clima de crescente descrédito dos jornalistas, animado também pelas autoridades. O espaço batizado como As mentiras da semana durante as entrevistas coletivas matutinas do presidente, um momento que informadores são negativamente citados com nomes e sobrenomes, fez soar os alarmes de vários organismos internacionais desde sua estreia, em julho. O urgente agora, segundo a RSF, é justamente o contrário. Ou seja, que o Governo se implique na proteção aos profissionais da imprensa. “O presidente López Obrador, no poder desde dezembro de 2018, ainda não realizou as reformas necessárias para frear a espiral de violência contra a imprensa e a impunidade”, recorda o organismo, que adverte ainda que, como ocorre em outros países da América Latina, “os numerosos meios de comunicação comunitários frequentemente carecem de frequências de difusão legais e são perseguidos de maneira regular”. Este é um problema estrutural dos territórios rurais, frequentemente os mais afetados pelas organizações de narcotraficantes. E, coincidem os órgãos profissionais, esta deve ser a prioridade do Governo.

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