Alimentados pelo calor extremo, incêndios devoram o leste do Mediterrâneo

Temperaturas excepcionais, com registros de até 47,1 graus no norte da Grécia, multiplicam os focos nos países da região. “É uma nova normalidade que veremos com a mudança climática”, alerta um especialista

Um helicóptero joga água sobre o incêndio na região de Varimpompi, ao norte de Atenas.GIORGOS MOUTAFIS (Reuters)

Não é a primeira vez, longe disso, que a Acrópoles de Atenas é coberta pela fumaça dos incêndios que espreitam a capital grega. Mas o que parece realmente incomum é a onda de calor que assola o leste do Mediterrâneo nos últimos dias, com temperaturas extremas que alimentam o avanço do fogo por toda parte. Nesta quarta-feira, o Serviço de Gestão de Emergências Copernicus mostrava através da observação de satélites a existência de numerosos focos de incêndio ativos na Grécia, Turquia, Itália, Albânia, Macedônia do Norte e os países do norte da África.

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Segundo o diretor do Observatório Nacional de Atenas, Kostas Lagouvardos, na terça-feira foi registrada uma máxima de 47,1 graus Celsius em Lagadas, no norte da Grécia, enquanto em Plakias, no sul de Creta, os termômetros marcaram uma mínima de 36º C. “A média de temperatura do ano passado durante esta época era entre 10 e 12 graus mais baixa”, salienta o meteorologista, acrescentando que esta é “a pior onda de calor do país em tempos modernos”.

Sem um estudo de atribuição, não é possível relacionar de forma categórica os incêndios com a mudança climática. Mas estes registros excepcionais de temperaturas fazem os cientistas recordarem novamente que isto é justamente o que se espera quando se fala em crise climática. “Somente na última década, tivemos cinco grandes ondas de calor. A deste ano, além disso, foi a mais duradoura. Isto, por si só, já é um indicador de mudança climática”, observa Lagouvardos.

Os cidadãos de Atenas sabem muito bem que ano após ano, cedo ou tarde por estes meses, os bombeiros florestais e os hidroaviões terão de ser acionados. Por enquanto, segundo as autoridades gregas, a pior parte está sobrando para Varimpompi, Adames e Thrakomakedones, ao norte da cidade e a somente 20 quilômetros do centro, onde o fogo, apesar dos quase 500 bombeiros trabalhando na zona, obrigava os moradores a largar tudo para trás, fugindo do desastre que consumia suas casas. Mas este é apenas um dos 81 focos que em 24 horas ocorreram no país. Segundo as autoridades, nas áreas de Mani e Vasilitsa, na região sul do Peloponeso, e nas ilhas de Evia e Kos também houve desalojamento de cidadãos por causa dos incêndios. Na tarde de quarta-feira, cerca de 40 focos continuavam ativos em todo o país. No entanto, as chamas na capital estão mais controladas graças ao aumento da umidade e desaceleração das rajadas de vento, segundo o chefe da Defesa Civil grega, Nikos Hardalias.

Incêndios nesta época do ano no Mediterrâneo não são nada surpreendentes. Do mesmo modo, o Serviço de Gestão de Emergências Copernicus não pode afirmar de um ponto de vista científico que haja agora mais incêndios por causa do aquecimento terrestre. Entretanto, os dados colhidos pelos satélites já constatam o aumento do risco de incêndios em vários pontos da Europa. Isto corresponde também com as previsões do Centro Conjunto de Pesquisas da Comissão Europeia, em seu relatório sobre os impactos econômicos da mudança climática PESETA IV, que advertia que a elevação da temperatura média acarretará um aumento no número de dias com um risco extremo de incêndios. Espera-se que isto ocorra em todo o continente europeu, embora haja duas zonas do mapa que se tornam especialmente vermelhas nas projeções: uma delas é a parte do Mediterrâneo que está ardendo atualmente, a outra é a Península Ibérica.

Para demonstrar de forma científica a relação do aquecimento climático com algum evento meteorológico extremo, conforme explica Juan Jesús González, pesquisador especialista em mudança climática da Universidade Complutense de Madri, é preciso realizar um estudo de atribuição, como se fez com a onda de calor do passado mês de julho no Canadá, sobre a qual um estudo da organização World Weather Attribution (WWA) concluiu que ela teria sido “quase impossível” se o planeta não estivesse se aquecendo como hoje em dia. Entretanto, estes trabalhos são caros e nada comuns.

Contudo, como insiste este meteorologista, o aquecimento global obriga a humanidade a se preparar a ondas de calor cada vez mais frequentes. “A mudança climática não é causa de um evento extremo, o que faz é aumentar suas características associadas, como a frequência, a duração ou a intensidade; tudo isto entra no contexto esperável”, diz González. “O caso da Grécia e Turquia é uma nova normalidade que veremos com a mudança climática.”

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Casas arrasadas na Turquia

Os incêndios também devastam fortemente a Turquia, onde os moradores do sudoeste do país vêm há uma semana observando como o fogo consome hectares de forma descontrolada. As zonas mais afetadas se encontram entre os complexos turísticos de Bodrum e Antalya, onde milhares de pessoas tiveram que ser desalojadas de suas casas pela proximidade das chamas. De fato, muitos lares ficaram destruídos nos pequenos povoados dos arredores de Milas, onde o fogo ameaça a central termoelétrica de Kemerkoy.

Segundo Ismail Bekar, cientista situado na Turquia da Escola Politécnica Federal de Zurique, “não há uma prova empírica para afirmar que os incêndios são provocados pela mudança climática, mas nos últimos cinco anos foram crescendo, e este ano foi o pior na história da Turquia”. Este especialista considera que o que está acontecendo neste país está relacionado com a própria onda de calor que asfixia a Grécia e outros países mediterrâneos, e mostra sua surpresa pelas altas temperaturas que também foram vividas nos últimos dias nas costas turcas do Egeu: “Agora estamos com máximas de 46 graus nas regiões afetadas, é uma temperatura assombrosa”.

Os números na Turquia assustam: o Serviço Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais aponta que mais de 136.000 hectares queimaram na Turquia durante este ano, aproximadamente o triplo da média normal. Uma fatalidade à qual nos últimos dias se somaram oito mortes e 16.603 pessoas desabrigadas em 28 municípios. O Serviço de Vigilância Atmosférica Copernicus (CAMS) informava na quarta-feira que os dados do ar na Turquia e sul da Itália “mostram que as emissões e a intensidade dos incêndios florestais estão aumentando com celeridade, enquanto países como Marrocos, Albânia, Grécia, Macedônia do Norte e Líbano também estão sendo afetados”.

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