Castillo vence apuração no Peru, mas resultado oficial depende de resposta da justiça às alegações de Fujimori

Após quatro dias, apuração foi praticamente concluída, mas adversária pediu a anulação de 800 mesas eleitorais por uma fraude da qual não há provas. Revisão deve atrasar em duas semanas o desfecho

Simpatizantes de Pedro Castillo esperam os resultados eleitorais na noite de quarta-feira, em frente à sede de sua campanha em Lima (Peru).Stringer (EFE)
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Praticamente encerrada a apuração das eleições presidenciais do Peru, o candidato Pedro Castillo parece ser o vencedor. Mas não é simples. O esquerdista ficou na frente com 50,18% contra 49,82% de Keiko Fujimori, faltando menos de 1% das atas a serem contabilizadas e cerca de 60.000 votos de diferença. Em um cenário normal, Castillo apareceria na sacada dentro de alguns dias e agitaria seu chapéu de palha em sinal de vitória diante de seus seguidores, que desde domingo dormem nas ruas de Lima. No entanto, este momento não tem nada de comum. É o momento mais importante da história recente do Peru. Fujimori não aceitou os resultados e pediu a revisão de 800 atas de votação, o que poderia estender o desenlace em mais duas semanas, de acordo com especialistas eleitorais consultados. O que pode acontecer durante esse tempo em um país que experimentou uma grande instabilidade política nos últimos cinco anos é uma verdadeira incógnita.

O Peru tem um dos sistemas eleitorais mais transparentes do mundo. Os resultados das 86.000 mesas distribuídas por todo o seu vasto território sobem no portal do Escritório Nacional de Processos Eleitorais (ONPE, na sigla em espanhol). Estas atas são assinadas pelos delegados de cada partido, por funcionários e supervisores. Se a equipe dos candidatos não aprovar alguma delas, pode solicitar sua revisão ou impugná-la diretamente. A primeira instância do tribunal eleitoral, o Jurado Nacional Eleitoral, avalia a queixa, ato que nestes dias está sendo transmitido ao vivo por streaming, e determina se a ata é válido ou não. Se o candidato continuar insatisfeito, pode levar a reclamação à segunda instância, ao plenário do tribunal, que tem a última palavra. Como se trata de um sistema muito garantista, caminha lentamente.

Durante as primeiras 24 horas, a apuração foi rápida porque as atas vinham das cidades. Na terça-feira, com 95% dos votos apurados, as mesas da selva e das montanhas, assim como os votos do exterior, começaram a ser contabilizados. O ritmo da apuração diminuiu. A autoridade eleitoral, por sua vez, revisava as atas sobre as quais os delegados levantaram dúvidas. Esse processo terminará nos próximos dias e tem como vencedor imediato Castillo, que já foi cumprimentado por outros presidentes da região, como o argentino Alberto Fernández, e por outros ex-dirigentes como Luiz Inácio Lula da Silva.

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Mas Fujimori atrasou esse momento ao menos por 15 dias. A política conservadora, que enfrenta por sua vez o pedido de um promotor para que vá para a prisão pelo caso Odebrecht, assessorada por um exército de advogados dos melhores escritórios de Lima, pediu a anulação de 800 mesas —por enquanto entrou com pedido de 620—, aquelas em que Castillo obteve a maioria dos votos. Isso, em teoria, inverteria o resultado. Fujimori expôs publicamente na segunda-feira, quando vislumbrou sua derrota, notícias falsas e montagens que circulam nas redes sociais para sustentar a fraude. Mais tarde, na quarta-feira, apareceu novamente para falar sobre um plano orquestrado por Castillo com provas muito frágeis, que o sistema eleitoral pode resolver sem maiores problemas. Essa tese sustenta que o partido de Castillo, que tem dificuldade em organizar uma entrevista coletiva, executou com precisão uma conspiração que envolve centenas de pessoas para burlar o sistema.

“Nunca tinha visto uma acusação assim”, diz Fernando Tuesta, ex-chefe do Escritório Nacional de Processos Eleitorais, órgão responsável pela organização das eleições. Ele se encarregou de levar a cabo as eleições do ano 2000, depois de Alberto Fujimori, o autocrata pai de Keiko, ter fraudado as anteriores. “Temos pela frente duas semanas de terror. Vai haver uma campanha contra os organismos oficiais, vão querer falar ao ouvido das Forças Armadas. Milhões de pessoas acreditarão na fraude”.

O cientista político e diretor do portal noticiasser.pe, Javier Torres, acrescenta que essa forma de agir é típica do fujimorismo. “O de agora é um processo para demonstrar duas coisas. A primeira, anular o processo gerando uma situação de incerteza e chamando à mobilização. A segunda, deixar plantada a dúvida de que Castillo ganhou com fraude”.

Observadores internacionais parabenizaram o Peru pela organização da jornada eleitoral. Em nenhum de seus informes se fala de irregularidades. Fujimori, no entanto, encorajou seus seguidores a continuar nas ruas. Essa estratégia, semelhante à de Donald Trump nos Estados Unidos, terminou com o ataque ao Capitólio em Washington, onde morreram cinco pessoas. As consequências no Peru, depois de uma campanha muito tensa que dividiu famílias e amigos, ainda estão por ver.

Dois polos

Fujimori conta com o apoio dos escritórios de advocacia de maior prestígio em Lima, onde a candidata conservadora recebeu apoio esmagador das elites. As provas da alegada fraude não correspondem, de momento, a essa reputação. Ela apresentou casos de vícios de menor gravidade, como a assinatura de um chefe de mesa não ser idêntica à do seu documento de identidade. Vídeos e fotos falsos que circulam online também foram apresentados como evidência de uma conspiração arquitetada pelo partido de Castillo ―uma formação regional caótica e improvisada cuja hierarquia não é clara. Peritos eleitorais ouvidos por este jornal, como Fernando Tuesta, ex-chefe do Escritório Nacional de Processos Eleitorais, consideram que não há indícios de fraude.

A anulação dos votos que Fujimori exige invalidaria a vontade de áreas inteiras, as mais pobres e remotas de Lima, que apoiaram Castillo. A candidata conservadora apela como prova de que em alguns desses lugares obteve zero votos. Foi onde Castillo, que fez campanha com um discurso contra as elites, arrasou. Em algumas regiões, atingiu 90%. Ficou claro que o fujimorismo tem muito pouco impacto no sul do país. O Júri Eleitoral Nacional, último órgão de um sistema de garantia muito, que atrasa a contagem, terá a última palavra sobre um processo que já começou e que, segundo especialistas, pode demorar duas semanas.

Castillo, por sua vez, conta com o conselho de dois prestigiosos ex-advogados, Julio Arbizu e Ronald Gamarra. No passado, perseguiram Fujimori pai e seu principal conselheiro, Vladimiro Montesinos. Ambos estão na prisão hoje. Castillo foi parabenizado por seu triunfo pelo presidente argentino Alberto Fernández e outros ex-líderes de esquerda da América Latina, como Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. “Gostaria de saudar os dirigentes políticos que vieram me dizer ‘como é bom que o povo tenha acordado’. Esta é a cidade que tornou isso realidade nas urnas do dia 6 de junho”, discursou Castillo da varanda da sede de seu partido em Lima, onde aparece uma vez por dia para cumprimentar seus seguidores, pessoas que vêm de todas as partes do Peru.

Outros líderes não compartilharam sua vitória com tanto entusiasmo. Dezessete ex-presidentes ibero-americanos solicitaram por meio de um comunicado que nenhum candidato seja declarado vencedor até que as impugnações sejam resolvidas. Entre os signatários estão José María Aznar, Álvaro Uribe e Felipe Calderón, entre outros. Eles pedem aos candidatos que ajudem a manter a paz. Esse é o medo diante dessas duas semanas de incertezas, com os seguidores de ambos na rua e com a tensão crescendo.

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