Morte de dois bebês aumenta as críticas aos bloqueios das estradas na Colômbia
Autoridades denunciam ataques a ambulâncias e pessoal médico em meio aos protestos
Uma bebê nasce com prognóstico reservado (baixa probabilidade de sobrevida com dignidade) em Buenaventura, uma cidade onde ocorre 42% do comércio exterior colombiano, mas não existe uma Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais no hospital público. Decidem entubá-la e levá-la urgentemente a Cali, a mais de 100 quilômetros de distância. É meia-noite e uma equipe médica inicia um percurso que em tempos normais demoraria duas horas. Mas a poucos quilômetros do porto, em um local conhecido como La Delfina, encontram um bloqueio, outra das marcas dos protestos na Colômbia. Um dos sete bloqueios que existem nessa via.
O que vem na sequência é o relato da médica, que grava um vídeo para confirmar que a recém-nascida morreu. “Não nos deixaram passar, a bebê começou a ter complicações. Tentamos reanimá-la, mas ela não respondeu. Os senhores do bloqueio nos falaram para mudá-la de transporte, mas não podíamos, porque a bebê estava entubada”, narrou a mulher que estava na ambulância com o motorista, um auxiliar e o pai da bebê. Depois diz que deram a volta e ficaram em meio a gás lacrimogêneo. “Depois chegaram dois senhores de moto, nos dizem que a ambulância pode passar. Enquanto passávamos, começaram a nos jogar coisas explosivas e gás lacrimogêneo. Estamos aqui sem poder devolver a bebê ao hospital e nossas vidas correndo perigo”, afirma a mulher.
A história da recém-nascida causou atrito e polarização entre os que acusam os manifestantes do bloqueio e os que interpretam que a ambulância não pôde avançar pelo gás lacrimogêneo que a polícia costuma usar. Ainda não é claro. A verdade é que a morte da bebê se soma à meia centena de vítimas após quase quatro semanas de manifestações, distúrbios, repressão policial e bloqueios de vias. E não é a única. Durante os primeiros dias de protestos, outra ambulância foi bloqueada e atacada enquanto transportava uma mulher em trabalho de parto prematuro. O bebê faleceu dentro do veículo.
Ataques à infraestrutura médica
Os ataques às infraestruturas médicas elevam a tensão no país e as autoridades exigem que as vias sejam abertas para evitar mais mortes. “Ninguém assume a responsabilidade por essa nova morte em uma nova agressão à infraestrutura médica na Colômbia? Parece que há mortes que não importam”, escreveu o ministro da Saúde, Fernando Ruiz, e marcou a Human Rights Watch, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a Organização Mundial da Saúde e a Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michele Bachelet.
Os chamados de alerta se multiplicam por todo o país. “No Vale do Cauca vimos 163 ataques à infraestrutura médica, 49 casos contra ambulâncias, o que deixou três mortos, esta bebê, uma mulher que se deslocava entre dois municípios e outra pessoa que precisava de diálise”, disse ao EL PAÍS Maria Cristina Lesmes, secretária de Saúde do departamento, a região do Pacífico colombiano onde estão tanto Buenaventura como Cali. Enquanto isso, em Bogotá se viu como alguns manifestantes detêm ambulâncias para verificar o que levam em seu interior e as atacam. De acordo com a Mesa Nacional de Infraestrutura Médica, as agressões incluem lesões pessoais e ameaças contra o pessoal de saúde e contra as ambulâncias, suas tripulações e os pacientes a bordo. Mas não se trata de um assunto exclusivo das manifestações. Em seu balanço anual, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha informou que em 2020 ocorreram 325 ataques contra trabalhadores da saúde. “O número mais alto registrado nos últimos 24 anos”, diz o relatório.
A desinformação em redes sociais — dizem os funcionários — é um fator comum nas agressões sofridas em Bogotá e no Vale do Cauca. “Circulam mensagens falsas que dizem que as ambulâncias transitam com munições e as atacam”, acrescenta Lesmes. Na capital do país o fim de semana teve 16 policiais feridos, um deles queimado. “De maneira irresponsável e falsa foram feitas publicações nas redes sociais dizendo que algumas das ambulâncias carregavam material bélico e que quando uma ambulância pegava um jovem ferido não era entregue aos hospitais e sim à polícia. Isso é uma atividade metódica para atacar a infraestrutura médica”, disse o secretário de saúde de Bogotá, Alejandro Gómez.
Corredores humanitários
Em meio ao pico mais alto da pandemia — com 21.669 casos diários — os bloqueios também afetam o transporte de remédios e alimentos. Em Bogotá o oxigênio domiciliar escasseia e em todo o país são feitos alertas pelos pacientes renais. A principal fábrica de insumos aos doentes que precisam de diálise está no Vale do Cauca, uma das regiões mais afetadas pelos bloqueios de estradas.
Com a ajuda da Igreja foram abertos alguns corredores humanitários para permitir a passagem de medicamentos e alimentos, assim como das ambulâncias. Na estrada rumo a Cali onde a recém-nascida morreu, a Associação de Comunidades Indígenas Vale do Cauca Região Pacífico autorizou o tráfego durante 24 horas. O desbloqueio de vias é uma das linhas vermelhas traçadas pelo Governo de Iván Duque ao comitê de mobilizações, enquanto este exige do presidente que condene abertamente os ataques da força pública contra manifestantes. Ninguém o fez e as conversas estão demoradas. “Sempre que se discutem fatos traumáticos é preciso ser cuidadoso. (...) Mas o repúdio por parte de todos os atores ao que aconteceu entre Buenaventura e Cali deve ser veemente (...) Não será a última ambulância que precisará passar e a resposta não pode se repetir”, diz o editorial do jornal El Espectador, “Um bloqueio desumano”.
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