Clima eleitoral condiciona o fim da crise na Colômbia
Enquanto o presidente Iván Duque tenta retomar a iniciativa, eleições de 2022 determinam as posturas dos agentes políticos
As eleições do próximo ano ―para o Parlamento, em março, e a presidência, em maio― permeiam há bastante tempo qualquer discussão na Colômbia. E isso se aplica também à resposta à crise política desatada pelos protestos contra o Governo de Iván Duque e pela repressão policial aos manifestantes. Encurralado pela mobilização nas ruas, o presidente tenta retomar a iniciativa com o diálogo que lançou com diversos setores, mas a tensão se mantém elevada, com 26 mortos na última semana. As eleições de 2022 amplificam as controvérsias e determinam as posturas de todos os agentes políticos.
Ao final da segunda sessão do processo de diálogo, desta vez com juízes dos altos tribunais, Iván Duque declarou nesta quinta-feira, sem entrar em detalhes, que “existe um desejo de contribuir para um amplo processo em busca de soluções que permitam continuar transitando em um ambiente difícil”. Muitos setores criticaram que as primeiras jornadas do diálogo tenham consistido em reuniões com representantes das instituições e que o presidente tenha deixado para a semana que vem o encontro com o Comitê da Paralisação Nacional, que reúne às organizações sindicais e estudantis que convocam as manifestações.
Por enquanto, as mobilizações e distúrbios agitam todas as agendas políticas, e o mandatário inclusive suspendeu nesta semana o seu polêmico programa diário de TV, chamado Prevención y Acción, exibido sem interrupções durante mais de um ano. O presidente, que atravessa uma prolongada crise de popularidade, arriscou seu desgastado capital político com uma reforma tributária que abriu a caixa dos trovões. Embora recomendada pelos especialistas econômicos, foi evidentemente inoportuna. Em uma recente pesquisa, 82% dos entrevistados disseram que não votariam em candidatos que apoiassem a elevação de impostos.
Muito enfraquecido, Duque cedeu aos protestos. Retirou a proposta de reforma fiscal, aceitou a renúncia de seu ministro da Fazenda e se propôs a buscar uma reforma consensual com todos os setores políticos. Basicamente, apresenta uma solução que já fracassou antes. O diálogo que o Governo propõe é muito parecido com a “conversa nacional” com a qual ele dilatou a resposta à onda de protestos que já o cercara no final de 2019. Aquele pavio nunca se apagou totalmente, apesar de a irrupção da pandemia ter desativado em grande medida as manifestações, que nos últimos dias retornaram com uma força inusitada.
O uribismo, a tendência política criada em torno do ex-presidente conservador Álvaro Uribe, o mentor político de Duque, teme que a impopularidade do mandatário se transforme em um lastro eleitoral e procurara conservar sua bandeira de pulso firme. O próprio Uribe defendeu no começo da crise que os policiais e militares têm o direito de usar armas de fogo nos protestos, o que crispou ainda mais os ânimos. Congressistas do Centro Democrático, o partido do Governo, pediram a Duque que declare estado de comoção interna, anteriormente chamado de estado de sítio. É uma figura que, em caso de graves perturbações da ordem pública, confere poderes extraordinários ao presidente. Por enquanto, o Executivo descartou essa medida e qualificou de “notícias falsas” os rumores de que a estaria preparando.
Nas fileiras da oposição, a prefeita de Bogotá, Claudia López, que manteve uma disputa de liderança com Duque ao longo da pandemia, teve que fazer malabarismos para enfrentar os distúrbios na capital. “É preciso reconhecer que houve abusos de ambos os lados. Se só se rechaçar o vandalismo, mas não se reconhecer o abuso da força, não há maneira de começar um diálogo”, declarou ela nesta quarta-feira sobre o difícil processo de conversações que Duque lançou depois que confrontos em sucessivas noites da semana passada deixaram quase uma centena de feridos, incluindo 19 policiais. Num dos incidentes mais dramáticos, uma multidão tentou incendiar uma delegacia de polícia com policiais dentro, mas eles conseguiram escapar.
López disse que é preciso dialogar “com quem está nas ruas, que são os jovens, que na sua maioria não estudam nem trabalham. Jovens que sentem com dor que não têm futuro e que não estão sendo ouvidos”. Esse diagnóstico era um dardo dirigido não só à estratégia de Duque, mas também à do esquerdista Gustavo Petro, a quem a prefeita critica por se atribuir a liderança das mobilizações sem ter posto um pé na rua. A prefeita é a líder mais visível do partido progressista Aliança Verde, que optou por fechar uma frente única para 2022 com outras forças do centro do espectro político, na chamada Coalizão da Esperança, em contraste com o Pacto Histórico, mais escorado à esquerda, que promove Petro, ex-prefeito de Bogotá.
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Clique aquiNo confuso e incipiente panorama pré-eleitoral, a única certeza é que Petro, também ex-guerrilheiro do M19, é o rival a bater. Em meio à sua guinada para o pragmatismo, apostou em projetar uma imagem presidencial na crise, com dois “pronunciamentos” sobre a situação nacional transmitidos em suas redes sociais. Embora em alguns momentos tenha pedido moderação, também manteve ácidos atritos públicos com o ministro da Defesa, Diego Molano, e é tachado de incendiário pelo uribismo. “E se fizermos em Bogotá uma marcha de um milhão de pessoas, imaginam? Em completa paz, com todos e todas as artistas, com toda a arte e a cultura com alegria, sem violência de nenhum tipo, com uma só voz que peça a Duque: Democracia e Paz. Vocês me acompanhariam?”, escreveu ele num de seus mais recentes pronunciamentos, com o tom caudilhista que tanto irrita os seus rivais.
Os apelos contra a violência se transformaram em um clamor. Cerca de 20 organizações de direitos humanos solicitaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que faça uma visita ao país para documentar as denúncias. Assim também se posicionou o ex-ministro da Saúde Alejandro Gaviria, que por enquanto descartou uma candidatura presidencial. “É preciso conter a violência. Esta loucura de destruição e morte não faz sentido. Temos que ser capazes como sociedade de dizer basta à violência, venha de onde vier. Rumamos para a autodestruição”, advertiu o atual reitor da Universidade de Los Andes.
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