Orbán reforça domínio da ultradireita na Hungria com reforma que inclui gestão das universidades
Primeiro-ministro húngaro, admirado pelo bolsonarismo, quer deixar a administração dos centros de ensino superior, hospitais, parques e outras instituições públicas nas mãos de organizações privadas que compartilham suas ideias
O Parlamento da Hungria aprovou nesta terça-feira um projeto de lei que, na opinião dos especialistas, reforçará o domínio da ultradireita em diferentes áreas, como as universidades. Pela nova regra, os centros de educação superior ―que são estatais, embora gozem de grande autonomia― passarão a ser administradas por fundações privadas ligadas ao primeiro-ministro Viktor Orbán. Outras instituições públicas, como conservatórios de música, parques, teatros e hospitais, também serão geridas por cerca de 30 fundações criadas para essa finalidade antes das eleições do próximo ano.
O projeto de lei, redigido pelo vice-primeiro-ministro Sándor Pintér, diz que as universidades devem adotar esse modelo porque as condições modernas exigem uma “reconsideração do papel do Estado”, acrescentando que as fundações administrarão “com mais eficiência” as instituições. O Governo de Orbán, do partido ultraconservador Fidesz e admirado pelo bolsonarismo, nomeará conselhos de administração para as fundações, que controlarão ativos imobiliários públicos e se beneficiarão de bilhões de euros dos fundos da União Europeia, ao mesmo tempo em que terão uma influência considerável na vida cotidiana das universidades. Com a mudança de modelo, 11 das 16 universidades públicas do país passarão a ser dirigidas por uma dessas fundações e outra, pela Igreja católica.
O Executivo justifica essa reforma pela necessidade de que a gestão dessas instituições seja independente e não se veja afetada por mudanças de Governo. Mas analistas avisam que por trás dessa aparente boa intenção existe uma armadilha, porque os diretores das fundações, cuja nomeação é por tempo indeterminado, serão escolhidos pelo Governo atual. “Este é mais um passo para controlar toda a sociedade e para garantir que mesmo que o Fidesz seja expulso do Governo, esse partido continuará mantendo o poder”, explica ao EL PAÍS Zsolt Enyedi, professor da Universidade Central Europeia (CEU).
Um aspecto-chave é quem estará por trás dos conselhos de administração das fundações. “Eles serão supervisionados por figuras leais ao Fidesz, como a ministra da Família e vice-presidenta do partido de Orbán, Katalin Novák, o ex-ministro de Justiça Tibor Navracsics e o empresário Gergely Böszörmlnyi-Nagy”, aponta Tamás Ziegler, professor de Direito da Faculdade de Ciências Sociais da universidade Eötvös Lorand, em Budapeste. “Acredito que este seja o próximo passo nas políticas governamentais para assumir o controle das universidades”, enfatiza Ziegler, que pesquisou as restrições ao sistema acadêmico sob o Governo do Fidesz.
O novo formato de administração já foi posto em prática em setembro na Universidade de Artes Teatrais e Cinematográficas (SZFE), onde foi criada uma fundação gestora que retirava da diretoria da instituição a responsabilidade sobre o orçamento, as normas de funcionamento e a nomeação do reitor e dos professores. Ziegler lembra que a diretoria e vários docentes renunciaram e os universitários organizaram protestos, mas lamenta que essas ações não tenham surtido efeito. Antecipando-se à votação desta terça-feira, várias organizações de estudantes convocaram um protesto online e declararam um dia de luto pela autonomia das universidades.
O ensino superior já havia estado na mira do Governo húngaro. Orbán tentou levar adiante em 2017 uma lei para fechar a universidade do filantropo americano de origem húngara George Soros, um prestigioso centro acadêmico, progressista e liberal com sede em Budapeste e financiado em grande parte pelo magnata. Finalmente, a Justiça europeia declarou ilegal aquela lei por considerar que violava as normas comunitárias sobre liberdade de criação de instituições de ensino.
Identidade nacional
O projeto de lei estipula que “a expectativa fundamental é que as fundações defendam ativamente a sobrevivência e o bem-estar da nação e os interesses de enriquecer seus tesouros intelectuais”. As fundações que dirigem algumas das instituições culturais terão tarefas patrióticas, como a de “fortalecer a identidade nacional”.
Os críticos dizem que a nova legislação é um mais um passo do Executivo ultraconservador para ampliar seu poder e sua influência ideológica. “Isso é parte da guerra ideológica que Orbán declarou há dois anos”, lembrou Attila Chikan, que participou do primeiro Governo de Orbán em 1998 e agora é professor da Universidade de Economia Corvinus, em Budapeste. “Querem assumir o poder intelectual depois do poder político e econômico”, acrescentou.
“Um futuro novo Estado perderia todos os poderes [sobre essas instituições] mesmo no caso de uma mudança de Governo”, denunciou Erszébet Schmuck, do partido ambientalista LMP. A deputada do partido esquerdista Párbeszéd (Diálogo), Tímea Szabó, denunciou “a transferência dos bens públicos para os amigos” do Governo. Gergely Arato, deputado do partido oposicionista Coalizão Democrática, afirmou que o projeto retiraria “a propriedade, as tradições, a comunidade, o conhecimento” do povo húngaro e os entregaria aos aliados do Governo.
Orbán, que chegou ao poder em 2010, vem reforçando seu controle sobre grande parte da vida pública húngara, como a mídia, a educação e a pesquisa científica, enquanto procura remodelar a cultura nacional. O primeiro-ministro expôs as mudanças em um discurso em 2018, quando imaginou uma nova “era cultural”. Seu Governo, que promove o que chama de valores cristãos e conservadores e é fortemente contrário à imigração, restringiu a adoção por homossexuais e o reconhecimento legal das pessoas transgênero.
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