Mais de 110 mortos nos protestos de Mianmar depois que militares ameaçaram atirar na cabeça
Manifestantes desafiam a junta golpista na celebração do Dia das Forças Armadas. Foto de bebê de apenas um ano atingido por uma bala de borracha quando estava em sua casa causa indignação
As forças de segurança de Mianmar cumpriram sua ameaça de atirar “pelas costas e na cabeça” dos manifestantes se continuassem desafiando sua autoridade nos protestos que crescem desde o golpe de Estado de 1º de fevereiro. A advertência, feita na sexta-feira, concretizou-se neste sábado em um dos mais ferozes dias de repressão contra os participantes dos atos convocados em pelo menos 40 cidades do país, com um saldo de mais de 110 mortos —entre eles, uma criança de cinco anos— pelos ataques da polícia e dos militares, segundo a agência de notícias independente Mianmar Now. Ao mesmo tempo, a junta militar celebrava o Dia das Forças Armadas com um desfile na capital, Naypayidaw, ignorado amplamente pela comunidade internacional, exceto por países como a Rússia.
As Forças Armadas chegaram neste sábado a um ponto de delírio. Enquanto seu comandante em chefe, Min Aung Hlaing, líder do golpe, prometia em um discurso de 30 minutos feito por ocasião da efeméride militar —o 76º aniversário da revolta contra a ocupação japonesa em 1945— que o Exército “protegeria o povo de Mianmar e defenderia a democracia”, viviam-se cenas similares às de uma guerra por todo o país. Cumprindo a advertência feita na sexta-feira pelos militares, soldados e policiais atiraram para matar contra os manifestantes em dezenas de cidades, entre elas as principais, Rangum e Mandalay, mas também em localidades remotas, como mostraram imagens divulgadas pela mídia local e por cidadãos nas redes sociais.
Um vídeo dilacerante mostra um pai gritando desconsolado que mataram seu filho, enquanto o carrega nos braços dentro de um carro; a fotografia de um bebê de apenas um ano com um olho ensanguentado após ser atingido por uma bala de borracha quando estava em sua casa em Rangum também causou indignação. Uma criança de cinco anos está entre os 29 mortos, pelo menos, deste sábado em Mandalay, a segunda maior cidade do país. Mais 24 pessoas morreram na capital comercial, Rangum, além de dezenas em várias outras cidades de todo o país, segundo veículos de comunicação locais, como Mianmar Now.
As equipes de emergência e resgate preveem que o número de mortos aumente nas próximas horas, depois de um dia em que dezenas de milhares de pessoas voltaram a sair às ruas para protestar contra os golpistas, apesar das ameaças da junta militar transmitidas na véspera pela rede estatal MRTV.
Com as últimas vítimas, o número de civis mortos desde o golpe de fevereiro passa de 440, segundo a Associação de Assistência aos Presos Políticos de Mianmar. Um manifestante, Thu Ya Zaw, denunciou na cidade central de Myingyan: “Estão nos matando como frangos, até mesmo dentro de nossas próprias casas”, informou a Reuters. “Vamos continuar protestando, apesar de tudo. Lutaremos até que a junta militar caia”, acrescentou.
Os ataques das forças de segurança ocorreram simultaneamente à comemoração do Dia das Forças Armadas, que vem sendo comemorado em Naypyidó com um desfile militar presidido por Min Aung Hlaing, 64 anos. “Atos violentos que afetam a segurança e a estabilidade são inadequados”, disse o novo homem forte birmanês em um discurso na televisão, enquanto as forças de segurança mergulhavam o país em uma espiral de violência.
Em um discurso televisionado, o general Min Aung Hlaing afirmou que as autoridades buscam restaurar a paz no país, perdida desde o golpe. “O Exército quer estender a mão a toda a população e proteger a democracia”, garantiu o general, acrescentando que as autoridades procuram restabelecer a paz no país (53 milhões de habitantes), perdido desde o golpe de fevereiro. Um golpe que pôs fim a 10 anos de transição democrática e impediu a inauguração do novo Parlamento, liderado pela Liga Nacional para a Democracia (NLD) de Aung San Suu Kyi, vencedora das eleições de novembro passado, rotulada de fraudulenta por os militares, seu pretexto para realizar o golpe. Suu Kyi está detida desde então e é acusada de vários crimes, incluindo a aceitação de subornos no valor de 500.000 euros, acusações que o seu ambiente considera de motivação política.
“Hoje é o dia da vergonha para as Forças Armadas”, denunciou por sua vez Dr Sasa, porta-voz do Comitê para a Representação da União Parlamentar (CRPH, na sigla em inglês), o autoproclamado Governo civil mianmarense. Formado por deputados da NLD ainda em liberdade, o comitê tenta ser reconhecido como representante legítimo de Mianmar pela comunidade internacional. O Movimento de Desobediência Civil, outro grupo de oposição ao golpe, recebeu um apoio simbólico na sexta-feira, ao ser indicado por um comitê de acadêmicos noruegueses para o Nobel da Paz, que já foi concedido a Suu Kyi em 1991.
Embora a maioria dos países não tenha enviado ninguém para o desfile militar, segundo o Asia Nikkei, Rússia, China, Índia, Paquistão, Bangladesh, Vietnã, Laos e Tailândia mandaram representantes. “A Rússia é um amigo de verdade”, elogiou neste sábado Min Aung Hlaing. Moscou enviou seu vice-ministro da Defesa, Alexander Fomin, para o desfile. A maioria das guerrilhas étnicas também rejeitou o convite para participar do evento. Um desses grupos, a União Nacional Karen, que combate o Tatmadaw —como é conhecido o Exército de Mianmar— há décadas, anunciou ter atacado um posto militar do país perto da fronteira com a Tailândia, matando 10 membros do Exército.
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