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Oposição da Venezuela aprova prorrogação do mandato de Guaidó à frente do Parlamento

Oposição venezuelana tenta estender o período do Parlamento que domina diante da iminente posse do novo, formado por maioria chavista nas polêmicas eleições deste mês

O líder oposicionista, Juan Guaidó, participa de uma sessão da Assembleia Nacional em Caracas, em 15 de dezembro.
O líder oposicionista, Juan Guaidó, participa de uma sessão da Assembleia Nacional em Caracas, em 15 de dezembro.MANAURE QUINTERO (Reuters)
Florantonia Singer

Uma nova etapa do choque constitucional começará na Venezuela em 5 de janeiro de 2021. Nesse dia tomarão posse os 277 deputados ― quase em sua totalidade membros do Partido Socialista Unido da Venezuela, a situação ― eleitos em 6 de dezembro em eleições com muitas irregularidades, com abstenção de 70% e rejeitadas pela maior parte da oposição venezuelana e da comunidade internacional. Também começará um tempo de acréscimo para o líder oposicionista Juan Guaidó, que esteve por dois anos no comando da luta para forçar a saída do regime de Nicolás Maduro e que agora busca jogar a carta da continuidade de seu mandato e do Parlamento que preside para continuar tentando uma transição política na Venezuela.

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Nesse sábado, em uma sessão virtual, o Parlamento aprovou a modificação da Lei do Estatuto da Transição Democrática, que estenderá por mais um ano o funcionamento da atual Assembleia Nacional, que a oposição a Maduro ganhou em 2015 e cuja maioria permitiu a Guaidó se autoproclamar como presidente interino em 23 de janeiro de 2019. O objetivo da oposição é manter o Parlamento sob seu controle até que sejam realizadas “eleições parlamentares e presidenciais livres, justas e verificáveis”.

O passo dado pela oposição turva as águas de uma institucionalidade em que se sobrepõem poderes ― agora todos com algum grau de defeito de origem ― em meio à deriva autoritária e a profunda crise humanitária que vive o país. Até este ano, a Assembleia Nacional controlada pela oposição era o único poder público reconhecido internacionalmente e eleito em eleições razoavelmente competitivas. A legitimidade do interinato de Guaidó tem duas bases: esse Parlamento, que chegaria ao seu fim em duas semanas como diz a Constituição, e a reeleição de Maduro por mais seis anos nas eleições de maio de 2018, que foram vistas como fraudulentas e rejeitadas pela comunidade internacional.

Em 2017, Maduro criou um Parlamento paralelo, a chamada Assembleia Nacional Constituinte, para boicotar a câmara que lhe era contrária. Dominada pelo chavismo, a Assembleia Nacional Constituinte se propôs, sem conseguir, substituir o Parlamento eleito em 2015 para dar aval, por exemplo, a contratos com parceiros internacionais em um momento de asfixia econômica. O Supremo, a Promotoria e o órgão eleitoral são controlados pelo chavismo há mais de uma década.

Agora, após as eleições do começo deste mês, Maduro vira a página desses cinco anos de disputa e toma o controle de todas as intuições, ainda com o repúdio internacional que nubla o processo e as acusações de crimes de lesa humanidade feitos pelas Nações Unidas e a Promotoria da Corte Penal Internacional. Enquanto isso, Guaidó ensaia um acréscimo com esta reforma.

No interior da oposição também há contrariedade sobre o caminho tomado por Guaidó, que avança sem um consenso unânime. Na sessão de sábado, o partido Ação Democrática manteve seu voto na discussão, ainda que tenha reiterado seu apoio ao chefe da Assembleia e ao Governo interino. O deputado Piero Maroun falou por seu partido e disse que, diante do repúdio generalizado sobre as eleições de 6 de dezembro, a continuidade administrativa do Parlamento é tácita. “Não ocorreram eleições parlamentares, portanto a lei de transição e este Parlamento têm plena vigência”, disse Maroun.

As reformas promovidas por Guaidó estabelecem que nesse período extraordinário as funções estarão sob responsabilidade da Comissão Delegada, uma versão reduzida do Parlamento, integrada pela junta diretora e os presidentes das comissões permanentes que, segundo a Constituição, são os encarregados de manter o funcionamento da instituição durante os recessos anuais. Este é o ponto de objeção feito pelo Ação Democrática, que considera que todo o corpo legislativo deveria participar da sessão e não só essa comissão. O líder oposicionista Henrique Capriles Radonski também fez sérias críticas a essa proposição. Em agosto tentou, sem sucesso, negociar com o Governo de Maduro por melhores condições para participar das eleições legislativas.

Esse tempo extra significa um revés ao caminho proposto por Guaidó há dois anos. O do fim da usurpação, o Governo de transição e as eleições livres, postulados que repetiu como um mantra, se limitaram depois de seu fracasso em tentar mover as Forças Armadas para provocar a derrubada de Maduro. O caminho começa agora pelo final do regime excepcional que propôs à continuidade administrativa de seu mandato.

A reforma da lei também estabelece uma reorganização da presidência interina. Uma das mudanças fundamentais será a revogação do Centro de Governo, comandado pelo oposicionista e ex-preso político Leopoldo López desde agosto de 2019, após conseguir fugir da prisão domiciliar durante a fracassada sublevação militar de 30 de abril e se refugiar na casa do embaixador da Espanha, onde esteve até fugir ao exílio semanas atrás. Um Conselho Político assumirá essas tarefas de coordenação, mas sua estrutura e normas serão ordenadas após 5 de janeiro de 2021.

Guaidó coloca em jogo o respaldo da comunidade internacional sobre a frágil base legal da ampliação do mandato do Parlamento e, por extensão, de seu Governo interino. Do reconhecimento dado a essa nova figura dependerá também o manejo de fundos e recursos do Estado venezuelano no estrangeiro, que o Parlamento conseguiu controlar. O tabuleiro internacional de Guaidó ― que até agora conseguiu manter o apoio de 60 democracias ― pode mudar com o revés de Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos, que chegou a figurar como o principal aliado da oposição venezuelana. O país sul-americano espera a postura do presidente eleito, Joe Biden, que tomará posse em 20 de janeiro. Bruxelas, por sua vez, reservou dezembro para procurar consensos entre os membros da União Europeia diante do novo panorama venezuelano e fará um pronunciamento em 5 de janeiro.

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