Constituinte do chavismo encerrará suas funções em dezembro

Nicolás Maduro faz acordo com setores minoritários da oposição e centra sua aposta no desenrolar harmônico de eleições legislativas organizadas sob os seus termos

O presidente Nicolás Maduro durante um discurso na Assembleia Constituinte, em janeiro de 2020.FEDERICO PARRA (AFP)
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O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciou que a Assembleia Nacional Constituinte, um fórum convocado de forma unilateral e imposto à força pelo chavismo na crise política de 2017, encerrará suas funções em dezembro deste ano. A medida foi discutida e aprovada dentro do próprio órgão, a partir de uma proposta feita pelo legislador Pedro Carreño. Diosdado Cabello, líder do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e presidente do órgão legislativo chavista, manifestou que a Assembleia “continuará exercendo suas funções até 31 de dezembro de 2020”.

Maduro, por sua vez, comentou que o organismo será encarregado de emitir “um conjunto de decretos” antes das eleições parlamentares marcadas pelo regime para dezembro deste ano. O mandatário fez a declaração em rede nacional, durante uma reunião por teleconferência do PSUV, que marcou a volta de Diosdado Cabello à cena pública, recuperando-se em casa da covid-19.

O anúncio de Maduro foi interpretado como uma fuga para frente: embora ainda não haja nada firme, a oposição acredita que pode ser uma tentativa do chavismo de preparar um referendo para aprovar uma nova Constituição resultante dos debates constituintes —ou modificar a atual para fortalecer seus interesses hegemônicos—, enquanto organiza, nos seus próprios termos, as novas eleições parlamentares com setores minoritários e moderados da oposição dispostos a participar. Uma jogada para estabilizar o país, aliviar a pressão internacional e recuperar credibilidade interna e externa.

Há poucos dias, 21 organizações opositoras vinculadas à presidência interina de Juan Guaidó anunciaram sua decisão de não participar de uma consulta eleitoral que consideram fraudulenta, interessada e assimétrica, semelhante, segundo alegam, à que possibilitou a reeleição presidencial de Maduro, em 30 de maio de 2018. Aquela votação foi considerada ilegítima por Estados Unidos, Europa e boa parte das nações latino-americanas, além da própria oposição, já que muitos partidos foram impedidos de participar.

O chavismo pactuou com a chamada Mesa de Diálogo Nacional a formação dos novos integrantes do Conselho Nacional Eleitoral, cedendo a esses pequenos partidos alguns espaços em seu interior. Nesse contexto, a renúncia de um deles, Rafael Simón Jiménez, abriu lugar à imediata designação de Leonardo Morales. Este acordo excluiu a Assembleia Nacional (Parlamento), a única instância com faculdades constitucionais para antecipar esse processo, dominada atualmente pela oposição leal a Juan Guaidó, o presidente do organismo opositor.

Com esse acordo “ganha-ganha” com Maduro —que não foi anunciado formalmente—, os pequenos partidos da Mesa de Diálogo poderiam avultar suas diminutas dimensões atuais e inclusive tentar algumas modificações “por dentro” na gestão chavista, como muitos deles costumam afirmar. Em um cenário de alta abstenção, o chavismo poderia reter o controle do novo Parlamento, afincado em seu poderoso aparelho organizativo político-militar. Seria então a hora de colocar o chapéu de democrata, argumentando ter celebrado uma consulta plural.

Em sua declaração televisiva, Nicolás Maduro se dedicou a destacar “o que muita gente desconhece” sobre a realidade venezuelana. “Mais de 100 organizações de todo o espectro ideológico” participarão desta consulta parlamentar, disse. Além disso, argumentou que historicamente o chavismo “organizou 21 consultas eleitorais, das quais saiu ganhador em 19, conquistando também limpamente a presidência da República e a maioria dos Governos estaduais e prefeituras deste país”.

A Assembleia Nacional Constituinte de 2017 foi convocada unilateralmente pelo chavismo em meio à grave crise de ordem pública daquele ano, quando durante quatro meses houve enormes protestos contra Maduro em todas as ruas do país, com um saldo de 117 mortos e milhares de feridos. A eclosão ocorreu logo depois que o Tribunal Supremo de Justiça, dominado pelo chavismo, em 30 de março de 2017, assumiu funções legislativas e anulou todas as atribuições da Assembleia Nacional, de maioria opositora.

Para a Constituinte, convocada por Maduro em maio, o Governo redigiu suas próprias bases eleitorais, inaceitáveis para a óptica opositora. Convocou eleições sem organizar um referendo consultivo para isso, como obrigava a Constituição de 1999 e como fez em seu momento o próprio Hugo Chávez. No dia da consulta, houve 19 mortos em protestos.

Um poder paralelo

Assumida como “plenipotenciária e supraconstitucional” pela militância do PSUV e pela cúpula militar, a Constituinte se tornou uma espécie de Poder Legislativo paralelo, tutelando o marco regulador do país e emitindo algumas “leis constitucionais”, como a famosa Lei contra o Ódio, que criminaliza a dissidência ao estabelecer penas severas, de 10 a 20 anos da prisão, contra tudo o que for considerado uma incitação ao ódio.

Os conteúdos e debates do hipotético novo projeto constitucional chavista tiveram pouquíssimo destaque, e a própria Assembleia Constituinte reduziu notoriamente sua incumbência pública neste tempo. O constituinte chavista Hermann Escarra chegou a afirmar há alguns meses que o novo texto constitucional do chavismo já está preparado e só espera a oportunidade de ser aprovado.

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