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Estupro de uma menina indígena abala a agenda da Colômbia e reaviva as críticas ao Exército

Crime perpetrado por um grupo de militares alimenta o debate jurídico sobre a prisão perpétua, recém-aprovada pelo Congresso, mas que ainda não pode ser aplicada

Indígenas embera protestam diante de instalações do Exército em Cali pelo estupro de uma menina por um grupo de militares.
Indígenas embera protestam diante de instalações do Exército em Cali pelo estupro de uma menina por um grupo de militares.Pablo Rodríguez (EFE)
Francesco Manetto

Quase todos os debates na Colômbia, como em grande parte da América Latina, giram em torno ao avanço do coronavírus e as fórmulas para conter a pandemia. Mas na quarta-feira, quando foi revelado o estupro de uma menor indígena realizado por um grupo de militares, tudo se congelou. O crime, pelo qual sete militares foram presos, reanimou uma discussão jurídica sobre a prisão perpétua e voltou a colocar o Exército no olho do furacão. O Governo de Iván Duque, começando pelo presidente, condenou sem rodeios os soldados, que admitiram sua culpa. Mas o promotor geral, Francisco Barbosa, recebeu críticas pelo tipo penal utilizado na acusação, o de “acesso carnal abusivo”. No sábado, indígenas do povo embera katio condenaram a violência dos militares com uma manifestação convocada na cidade de Cali.

O estupro veio a público graças a uma denúncia da Organização Nacional Indígena da Colômbia (ONIC), que relatou o ocorrido na comunidade de Santa Cecilia, no pequeno departamento de Risaralda (centro-ocidente do país). Na segunda-feira uma garota de 13 anos “foi sequestrada e abusada sexualmente por um grupo indeterminado de soldados do Exército Nacional da Colômbia, pertencentes ao Batalhão San Mateo, que aproveitando o isolamento e a situação causada pela pandemia cometeram o fato”. O caso detonou uma reação imediata das autoridades. O mandatário apelou à recém-aprovada pelo Congresso prisão perpétua aos assassinos e estupradores de menores. “Se nos cabe inaugurar a prisão perpétua com eles, o faremos com eles”, afirmou Duque em referência aos soldados, “mas vamos inaugurá-la para que sejam punidos esses bandidos, esses canalhas que acham que podem passar por cima da dignidade de nossas crianças”.

Essas palavras geraram um intenso debate jurídico, porque essa lei ainda não pode ser aplicada, como afirmou nas redes sociais, por exemplo, Rodrigo Uprimny, do Centro de Estudos de Direito, Justiça e Sociedade. Ainda falta o desenvolvimento da reforma constitucional que autorizou a lei e, quando estiver pronta, não poderá ser utilizada retroativamente. Por enquanto, os sete militares envolvidos foram, informou a Promotoria, “acusados pelo crime de acesso carnal abusivo com menor de 14 anos agravado, seis deles na qualidade de autores e um como cúmplice”. “As acusações foram aceitas pelos processados”, acrescentou o ente acusador, que afirmou que um juiz “recebeu a petição e impôs medida de segurança privativa da liberdade na prisão aos processados, que deverá ser cumprida em uma guarnição militar que tenha as condições necessárias”.

Protesto da comunidade embera contra o Exército, na sexta-feira em Bogotá.
Protesto da comunidade embera contra o Exército, na sexta-feira em Bogotá. RAUL ARBOLEDA (AFP)

O tratamento recebido pelos militares gerou críticas em alguns setores da oposição, já que esse caso se soma a uma longa cadeia de escândalos que afetaram o Exército, uma instituição vital em um país que acaba de deixar para trás um conflito armado com as FARC. O ministro da Defesa condenou o estupro, ordenou à cúpula do Exército a colaborar com a Justiça e manifestou que “os responsáveis merecem uma punição severa”. Mas também houve mal-estar, até mesmo nas fileiras do Governo, pela figura utilizada pela Promotoria no começo do procedimento judicial: “Acesso carnal abusivo”, que remete ao crime de abuso, em vez, por exemplo, de “acesso carnal violento”.

A própria vice-presidenta, Marta Lucía Ramírez, quis deixar claro. “Eu, obviamente, sempre sou muito respeitosa com a autonomia de todas as entidades, mas preciso dizer que nesse caso em particular estou totalmente em desacordo. Aqui há um estupro, aqui não se trata de um abuso e um assédio, é violento. Isso é um estupro. E se não chamamos as coisas por seu nome então depois vamos ao juiz de garantias tendo um tratamento benigno que não pode existir nesse caso. Qualquer ato sexual com menor realmente sempre se entende como estupro”, lamentou durante uma entrevista coletiva.

O promotor Barbosa repudia os questionamentos e mantém que os responsáveis podem ser condenados a até 30 anos de prisão. “Esse país é o país em que não importa o que você faça, é criticado”, disse em uma entrevista. “E esse é um país em que as críticas ficam mais fortes diante das ações, diante das reações institucionais e as críticas ficam mais fortes quando não há ações institucionais”. “Em 72 horas”, continuou ao defender seu trabalho, “conseguimos identificar os responsáveis, foram acusados pelo crime, impusemos a eles uma medida de segurança, as acusações foram aceitas e pediremos uma pena máxima de 30 anos de prisão”. “É um sucesso do ponto de vista investigativo”, enfatizou. Enquanto isso, em um país em que os militares tradicionalmente gozaram de privilégios nas investigações judiciais, as comunidades indígenas, justamente as mais desprotegidas em meio à emergência sanitária da covid-19, alertaram que não baixarão a guarda. Seu único pedido: que se faça justiça.

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