Segunda-feira: um morto a cada 16 minutos nos hospitais de Madri
Coronavírus causa 88 falecimentos em um só dia e leva a rede sanitária da região a uma situação-limite
O coronavírus chegou em silêncio e se propagou durante semanas sem dar sinais de vida, mas, uma vez que começou a deixar notar seus efeitos, tem seguido o roteiro previsto: milhares de pneumonias entre idosos, uma avalanche de pacientes nas UTIs e centenas de mortes. Assim é a situação na Comunidade de Madri, a região mais golpeada da Espanha pela epidemia, com 390 falecidos até esta quarta-feira, como mostram os dados detalhados de internados em alas comuns, na UTI e de mortos por cada hospital ao qual o EL PAÍS teve acesso, no cenário da segunda-feira passada.
“Não esperávamos um aumento tão rápido de internações, mas o perfil de paciente é o que tínhamos visto na China: pessoas idosas e com patologias prévias, como doenças pulmonares, diabetes, doenças cardíacas…”, explica um médico do hospital La Paz, em Madri.
Ao todo, 3.006 pacientes estavam internados na segunda-feira em 35 clínicas e hospitais, numa rede composta por centros públicos e privados controlada pelo Ministério da Saúde após a ordem aprovada no domingo pelo Governo.
Em um período de 24 horas, 13% dos internados precisavam de vaga na UTI, e 88 deles morreram, o que oferece um dado que ilustra o brutal golpe do vírus: um morto a cada 16 minutos. Este balanço não inclui outros falecidos em residências para idosos e equipamentos sociossanitários.
Joan Ramón Villalbí, membro e ex-presidente da Sociedade Espanhola de Saúde Pública e Administração Sanitária (Sespas), admite que os dados o impressionaram: “Eles dizem muitas coisas. Uma é o enorme impacto que a epidemia já tem sobre a rede sanitária nesta primeira fase, com a incidência ainda crescendo. Outra que, com 3.000 hospitalizados, a quantidade de infectados na Comunidade de Madri multiplica em várias vezes os dados oficiais”, diz Villalbí.
Segundo a contagem diária do Ministério da Saúde, na segunda-feira havia em Madri 4.871 casos confirmados da Covid-19, com uma taxa de 72,4 infectados por 100.000 habitantes. “Existe uma clamorosa infranotificação de casos”, sustenta Pere Godoy, presidente da Sociedade Espanhola de Epidemiologia (SEE). “Esta é uma das primeiras questões a resolver e o problema não é sozinho de Madri. Precisamos fazer mais exames para administrar melhor a epidemia”, acrescenta Godoy. “Estas cifras nem se aproximam da quantidade real de pessoas infectadas”, acrescenta outro médico de um grande hospital, que viu muitos colegas caírem contagiados “um após o outro” na última semana.
Os especialistas consideram impossível fazer uma estimativa do número de infectados em Madri, que em todo caso seriam contados às dezenas de milhares. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), um em cada cinco infectados acaba precisando ser hospitalizado, por isso um primeiro cálculo indicaria que 3.000 internados equivalem a 15.000 doentes. A esta cifra, apontam os especialistas, é preciso somar as pessoas que ainda estão incubando o vírus (uma média de cinco dias, embora possam ser até 14) e aqueles que estão na fase inicial da doença. Segundo a OMS, um infectado demora sete dias para desenvolver um quadro grave que precisar de hospitalização.
Os dados reúnem os parâmetros da epidemia. Um exemplo é o caso de Valdemoro, a cerca de 30 quilômetros de Madri, cujo centro para idosos foi um dos primeiros focos graves detectado. Ali, o hospital Infanta Elena, com apenas 140 leitos, registrou 11 falecimentos só nesta segunda-feira. Com 26 mortes ao todo, é o terceiro hospital da região mais golpeado pelo vírus. O líder nesse ranking da Comunidade de Madri é o hospital Príncipe de Asturias, em Alcalá de Henares (42 em total), o que mostra o forte impacto do vírus na zona leste da região, com Torrejón de Ardoz como o primeiro lugar onde ficou comprovada a transmissão local do vírus. Não só entre a população, também entre as equipes sanitárias. Uma quarta parte do pessoal de enfermaria do Príncipe de Asturias “caiu”, relata um funcionário.
Isolamento rigoroso
Jordi Colomer, ex-gerente de grandes hospitais catalães como Sant Pau e Vall d’Hebron, destaca que um dos desafios para os hospitais é “manter sistemas muito rigorosos de isolamento e proteção para os trabalhadores, porque o risco é que os hospitais se transformem em focos de infecção”, adverte. No La Paz, na zona norte de Madri, 128 profissionais se submeteram aos exames na terça-feira, e 52% deram positivo. “Você anda pelos corredores temendo que haja pacientes infectados onde não devem… O volume de trabalho não ajuda, o estresse está crescendo”, conta uma trabalhadora. Uma situação que exige medidas de segurança que nem sempre podem ser tomadas, devido ao desabastecimento de material.
Guillén del Barrio, representante do sindicato Mats, explica que os profissionais de saúde seguem protocolos cada vez que entram ou saem de um quarto: “São uma zona suja. De lá não se pode sair nem entrar sem desinfetar os sapatos com virkon, um viricida muito potente”.
Para melhorar a situação, Colomer considera que poderiam ser adotadas medidas já ensaiadas na China, como transformar alguns centros em “hospitais limpos” para atender pacientes livres do vírus. “Isto permite concentrar os casos em outros centros, facilita a gestão e reduz os riscos. A atual dispersão, com infectados em todos os hospitais, alguns com muito pouquíssimos casos, é de muito difícil gestão”, acrescenta. Algo possível “pela grande queda de atividade assistencial de algumas especialidades, por causa do isolamento e da queda de atividade geral”, conclui.
Uma enfermeira do hospital Virgen de la Torre, no bairro de Vallecas (zona sudeste de Madri), com apenas uma centena de leitos e 26 mortos até segunda-feira passada, explica que o hospital tem um andar completo dedicado só à Covid-19. “Nas condições em que trabalhamos, é muito possível que, enquanto os moradores nos aplaudem a cada noite, os profissionais da saúde estejamos distribuindo o vírus por toda parte”, lamenta.
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