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Boris Johnson põe em dúvida futuro da BBC

Governo revisa o sistema de financiamento da televisão pública do Reino Unido

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, durante um debate televisionado pela BBC realizado em junho.
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, durante um debate televisionado pela BBC realizado em junho.Getty Images
Rafa de Miguel

Na parede do icônico edifício central da BBC em Londres, a Broadcasting House, pode-se ler uma citação de George Orwell: “Se a liberdade tem algum significado, é o do direito de dizer às pessoas o que elas não querem ouvir”. Como grande parte da obra do escritor e jornalista britânico, a frase tem a virtude de fortalecer posições opostas. Os jornalistas da rede pública expuseram livremente nos últimos três anos as contradições e erros dos eurocéticos em sua defesa do Brexit. Em troca, a ala dura dos conservadores está questionando o anacronismo, de acordo com o ponto de vista deles, de uma instituição que impõe seus custos aos contribuintes enquanto perde peso e relevância em um mundo controlado pelas grandes plataformas digitais de conteúdo por assinatura: Netflix, Disney ou Amazon.

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A BBC celebrará seu centenário dentro de dois anos, e os festejos futuros foram ofuscadas por um ataque sem precedentes a seus fundamentos, seu financiamento e sua linha editorial por parte do novo Governo, de Boris Johnson. A ministra da Cultura, Nicky Morgan, contribuiu para o atual estado de nervos da equipe da corporação com seu discurso no início do mês em que usou como comparação a Blockbuster (a rede de aluguel de filmes em VHS e DVD que sucumbiu à era do streaming) para expressar suas dúvidas sobre o futuro da televisão pública. “Simplesmente, o mundo em que a BBC surgiu –e seu financiamento por meio do pagamento individual de uma licença– mudou a tal ponto que não o reconhecemos mais. Precisamos pensar com cuidado no que queremos que seja nos próximos anos", antecipou.

Por ora, Downing Street começou a considerar a possibilidade de eliminar a sanção penal imposta pelo não pagamento da licença. Qualquer residente no Reino Unido que assista à programação da BBC, seja por meio de um receptor tradicional de televisão, por seu computador ou telefone celular, deve pagar uma taxa anual equivalente a 870 reais. Há um controle eficaz de cada casa, com inspeções in loco para verificar o uso de seus serviços. E uma ameaça de multa equivalente a 5.600 reais para os infratores. Os inimigos da BBC defendem a necessidade de “descriminalizar” a inadimplência. Como em toda guerra cultural, palavras são armas. A própria Morgan sugeriu em seu discurso a consequência improvável de acabar na prisão por ver o conteúdo da BBC sem pagar.

Imaginar um Reino Unido sem a BBC seria quase tão complicado como prescindir da casa de Windsor ou do Big Ben. Concentra em sua história tantas características e virtudes, e ao mesmo tempo tantas contradições e defeitos, que nenhum argumento no debate sobre sua existência pode ser definitivo. Seus defensores não conseguem encontrar a viabilidade econômica de um monstro que devora o equivalente a 27,5 bilhões de reais por ano (segundo dados de 2019), dos quais 20,6 bilhões provêm da taxa individual paga pelos cidadãos. E que ainda assim teve em 2019 um déficit de 291 milhões de reais. A série mais vista no Reino Unido em 2018 foi Bodyguard. A BBC precisaria de mais de 30 séries igualmente bem-sucedidas para manter o nível de audiência do ano anterior. Essa é a taxa de descenso. Os detratores tentam conciliar em cada ataque o evidente problema financeiro com a necessidade de preservar uma instituição que globalizou como nenhuma outra a essência da cultura britânica.

O privilégio legal mais relevante [da BBC] é sua capacidade de ter uma fonte de financiamento que não se baseia na decisão do público de usar ou não seu serviço, mas no simples fato de ter um receptor em casa. Isto é algo que distorce a concorrência com qualquer provedor alternativo de conteúdo", escreveu o economista Philip Booth em seu relatório New Vision. Este trabalho é uma proposta encomendada pelo Institute of Economic Affairs (Instituto de Assuntos Econômicos ), entidade de pensamento conservador, para transformar a BBC em uma plataforma financiada por assinaturas de usuários.

Isso significaria, dizem os críticos, uma redução notável na produção de conteúdo. “As críticas daqueles que defendem que a BBC deveria reduzir seu tamanho pretendem sugerir que a televisão pública se dedica a inundar o mercado com conteúdo e reduz as possibilidades de produções de caráter comercial. Se deixar de fazer isso, pensam que vão proliferar essas últimas. Não acredito nisso. Pelo contrário, o que conseguiriam é afundar as produções britânicas”, argumentou Patrick Barwise, especialista em marketing da London School of Economics e um dos mais proeminentes defensores do futuro da corporação pública.

A BBC tem seu futuro garantido até 2027, graças ao Royal Chart que a corporação negociou com o Governo conservador de David Cameron. O tempo corre, e a equipe de Johnson (liderada por seu assessor Dominic Cummings, o gênio por trás do sucesso do Brexit e inimigo irado da corporação) começa a projetar sua vingança contra uma instituição que considera infestada por esquerdistas de viés comprovado. O presidente da BBC, Tony Hall, renunciou no início deste ano. Há uma estratégia clara em sua saída. O Conselho da corporação pode nomear um substituto que faça frente aos próximos anos sem que o Governo possa dizer algo sobre isso. E terá de se inclinar, dizem os especialistas, por uma pessoa mais focada nos desafios do novo ambiente digital do que na notícia que irá abrir o telejornal das 18 horas.

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