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O Brasil é, em 2021, o dono do futebol da América do Sul

A final da Libertadores neste sábado, entre Flamengo e Palmeiras, reflete a hegemonia brasileira no continente, que vai também do futebol feminino aos torneios de seleções

Gabigol, do Flamengo e Dudu, do Palmeiras. Protagonistas brasileiros da final na Libertadores.
Gabigol, do Flamengo e Dudu, do Palmeiras. Protagonistas brasileiros da final na Libertadores.Conmebol

O futebol brasileiro domina este ano o continente sul-americano. Um domínio representado por Flamengo e Palmeiras, que se enfrentam neste sábado, às 17h (horário de Brasília), em Montevidéo, pela final da Copa Libertadores 2021. É a segunda final brasileira seguida na maior competição entre clubes no continente, que teve o mesmo Palmeiras campeão sobre o Santos em 2020. Como o Flamengo levou o título em 2019, será também o terceiro troféu seguido da Libertadores que vem para o Brasil. A hegemonia trouxe outra final verde e amarela na Copa Sul-Americana, vencida pelo Athletico Paranaense, mas não fica presa ao futebol de clubes masculino: ela vai do futebol feminino aos torneios entre seleções.

Apenas duas competições sul-americanas terminaram sem um brasileiro erguendo o troféu em 2021: a Copa América e a Recopa. No torneio entre seleções disputado no Brasil, o time de Tite e Neymar chegou à final com uma campanha invicta, mas acabou derrotada pela Argentina de Messi e Di María na decisão, no Maracanã. Já na Recopa, um torneio secundário disputado pelo campeão da Libertadores contra o campeão da Sul-Americana da temporada anterior, o Palmeiras foi superado nos pênaltis também por uma equipe argentina, o Defensa y Justicia.

Mas a final da Copa América diz pouco quando colocada frente ao retrospecto recente. Os últimos anos mostram que, na América do Sul, o Brasil também é hegemônico frente a outras seleções. O atual treinador da seleção, Tite, nunca perdeu um jogo pelas eliminatórias sul-americanas: 21 vitórias em 25 partidas disputadas. Não à toa, a equipe garantiu sua vaga para a Copa do Mundo 2022 em tempo recorde, sobrando como líder do campeonato classificatório. A derrota para a Argentina, na última final do Maracanã, foi a única vez em que Tite perdeu para uma seleção das Américas num jogo oficial em cinco anos de trabalho. A exceção que confirma a regra.

Há várias explicações para o protagonismo, uma delas é financeira. Um levantamento feito pela Pluri Consultoria em 2019 mostrou que, entre as 10 maiores receitas do futebol sul-americano, sete eram de brasileiros. Outra lista de clubes mais valiosos do continente, esta elencada pela revista norte-americana Forbes em 2021, manteve o mesmo número de sete brasileiros entre os 10 sul-americanos mais ricos, com uma metodologia que avaliou valor do estádio próprio, da marca e preço atual do elenco. Em ambas foram repetidos Flamengo, Palmeiras, Corinthians, São Paulo e Grêmio — além dos intrusos argentinos Boca Juniors e River Plate —os únicos do continente que figurariam entre os times mais ricos do Brasil neste período.

“Essa é a fotografia de momento, que aponta a maior capacidade que os clubes brasileiros têm de investir em comparação com os rivais de outros países. É claro que o domínio no continente tem como maior motivo o dinheiro”, comenta Fernando Ferreira, especialista em gestão esportiva e fundador da Pluri.

Além disso, o consultor ressalta que a pandemia de covid-19 acentuou a diferença entre brasileiros e outros sul-americanos. “A receita vinda do torcedor é proporcionalmente menos importante para os clubes brasileiros do que para outros do continente. E ela foi a mais atingida com a pandemia”, explica Ferreira. “No Brasil, mais da metade da receita é composta por direitos de transmissão de TV e venda de jogadores. Também houve impacto, mas menor que em outros países. Lá fora houve um prejuízo maior com os estádios vazios, enquanto aqui os clubes puderam manter uma parte considerável de suas receitas intacta”, acrescenta.

A lógica é vista nas transferências, onde os brasileiros acumulam poder suficiente para contratar destaques do continente mesmo durante as temporadas pandêmicas. Não à toa o Flamengo possui em seu elenco Mauricio Isla, titular da seleção chilena, e Giorgian de Arrascaeta, camisa 10 do Uruguai. O Palmeiras tem como trunfo de sua zaga o paraguaio Gustavo Gómez, capitão de sua seleção. O Atlético-MG, que ruma a passos largos para ser campeão brasileiro, conseguiu trazer os argentinos Nacho Fernandéz, destaque do River Plate, e Matías Zaracho, revelação do Racing, além de Eduardo Vargas, que é artilheiro do Chile. Um dos principais destaques no título do Paranaense na Sul-Americana foi o meia uruguaio David Terans, ex-Peñarol. Não há concorrência para o dinheiro brasileiro no continente quando se trata de comprar os melhores jogadores.

Mas a situação tampouco é tão recente. Relatórios da FIFA apontam o Brasil como o país que mais gasta dinheiro com contratações na América do Sul (800 milhões de dólares) e o que mais ganha com vendas (2,8 bilhões de dólares) nos últimos 10 anos. Neste período, o faturamento dos clubes brasileiros subiu 152%, segundo dados da consultoria financeira Ernst & Young.

O marco temporal é importante porque foi há 10 anos que os novos contratos de televisão deixaram os clubes mais ricos no Brasil. Em 2011, as transmissoras passaram a negociar os direitos de TV individualmente, o que aumentou o valor pago aos clubes. A receita com os direitos já era fundamental, mas tornou-se muito maior. “Essa mudança foi absolutamente decisiva para chegarmos à situação de hoje. Quando se tem mais dinheiro, o jogo fica mais sério”, comenta Ferreira.

Se em outros setores o país perde brilho, no futebol ele mantém a altivez pelo seu porte. “O Brasil é a maior economia da América do Sul, com um campeonato competitivo e com clubes que se reestruturaram nos últimos anos [incentivados por esse aumento de verba]”, afirmou Pedro Menezes, consultor da Ernst & Young, em entrevista dada ao blog da casa de apostas Betway. “Possuímos mais de 200 milhões de consumidores, enquanto Uruguai e Argentina têm 3,5 milhões e 45 milhões, respectivamente. Além disso, não observamos correlação direta entre o crescimento econômico do país com o aumento das receitas dos clubes, isso em âmbito global. O futebol é líder em audiência, move a paixão dos torcedores, o que torna um produto atrativo para o investimento de grandes empresas em patrocínios, tanto para os grupos de mídia quanto para os próprios clubes [independente do momento econômico atual]”, completou.

Acrescenta-se a isso o fato de que, desde 2017, o Brasil envia pelo menos oito times à Libertadores, sendo o país com mais representantes no torneio continental. Oito times correspondem a 40% do campeonato brasileiro. Quanto mais opções, mais chances do país ficar com o título.

Athletico Paranaense venceu a Copa Sul-Americana em 2021.
Athletico Paranaense venceu a Copa Sul-Americana em 2021.MARIANA GREIF (Reuters)

Assim, as probabilidades se multiplicam no campo. Em 2021, a começar pela Copa Sul-Americana, que pela primeira vez teve dois brasileiros disputando a final. O Athletico venceu o Red Bull Bragantino por 1 a 0, em 20 de novembro, e se sagrou campeão. No dia seguinte, o Corinthians estendeu o predomínio do país ao futebol feminino ao vencer o Independiente Santa Fé, da Colômbia, e se tornar tri da Libertadores feminina.

A tabela da Libertadores masculina de 2021 escancara ainda mais a hegemonia. Dos oito brasileiros que se classificaram à competição, cinco chegaram às quartas de final. Três ficaram entre os quatro semifinalistas —o equatoriano Barcelona de Guayaquil era o único intruso que impediu o torneio sul-americano de se tornar uma Copa do Brasil. Acabou eliminado pelo Flamengo, que passou à final. Do outro lado, o Palmeiras se garantiu na decisão de Montevidéo ao passar pelo compatriota Atlético-MG.

“Nesse contexto, Flamengo e Palmeiras são os dois times que desde 2017 revezam como os maiores faturamentos da América do Sul. É uma final previsível, que até demorou para acontecer”, afirma Fernando Ferreira. No entanto, isso não significa que o domínio brasileiro se manterá nos próximos anos. “O futebol é cíclico. Em 2018, por exemplo, tivemos uma final argentina na Libertadores [Boca Juniors x River Plate]. Talvez não tenhamos mais grandes surpresas entre os campeões, mas o futebol é influenciado por uma complexidade grande de fatores que nem sempre responde à lógica financeira”, conclui.

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