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Casas de aposta esportiva tomam o Brasil, mas movimentam seus bilhões de reais fora do país

Atividade é legalizada há três anos, mas uma legislação precária faz que empresas operem com sede no exterior. Popularização levanta debate sobre consequências psicológicas como a dependência

São Paulo e Fluminense se enfrentam pelo Brasileirão, ambos os times patrocinados por casas de aposta.
São Paulo e Fluminense se enfrentam pelo Brasileirão, ambos os times patrocinados por casas de aposta.Lucas Merçon / Fluminense FC
Diogo Magri

Se você fosse apostar, diria que atuam no Brasil quantas casas de aposta esportiva? E quanto dinheiro fazem circular? Permitidos há apenas três anos, os cerca de 450 sites ativos no país já movimentam em torno de 12 bilhões de reais anualmente —e patrocinam 19 dos 20 clubes mais importantes do futebol nacional. Os números sintetizam o espantoso crescimento do mercado, que convence fãs de esporte a investirem seu dinheiro com a promessa do lucro sem esforço. Apesar do sucesso, a atividade ainda não tem a devida proteção da legislação brasileira. Por receio, as empresas que operam no Brasil estão sediadas no exterior. Assim, não pagam impostos e podem oferecer também jogos de azar —ilegais no país—, por não responderem à legislação brasileira. Além disso, trazem junto grandes riscos de dependência psicológica.

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Do ponto de vista jurídico, estar legalizado é diferente de estar regulamentado. As apostas esportivas são permitidas no Brasil desde dezembro de 2018, quando se estabeleceu um prazo de até quatro anos para que a atividade fosse regulamentada. Desde então, contudo, a única mudança na legislação, em julho último, foi uma alteração na forma de tributação das empresas que realizam apostas esportivas. O advogado André Feher, associado do escritório CSMV Advogados, explica que falta esclarecer “questões de tributação e limitações da operacionalização das apostas esportivas, entre outros fatores”.

Até que isso seja resolvido, as empresas seguirão fora do país, para não se exporem à Lei de Contravenções Penais, que veda a exploração e estabelecimento de jogos de azar. Esse conceito ainda permeia debates sobre apostas esportivas, apesar da legalização recente, diz Feher. A Sportingbet, uma das casas mais famosas, é sediada em Londres. Outras preferem os populares paraísos fiscais, onde o sistema tributário oferece vantagens. A Betano, por exemplo, se estabeleceu em Malta, enquanto a Dafabet fica nas Filipinas.

Os obstáculos da lei brasileira não impediram o crescimento do mercado. Levantamento da H2 Gambling Capital, consultora de jogos e apostas, indica que a atividade faturou cerca de 12,5 bilhões de reais no Brasil em 2020. Globalmente, o valor chegou a 59,6 bilhões de dólares (mais de 300 bilhões de reais). Essas casas de apostas patrocinam 19 dos 20 clubes brasileiros da primeira divisão do campeonato nacional, por meio de estampas nas camisas e campanhas virtuais.

Grupos como Dafabet, Casa de Apostas, Betano, Betmotion, Betsul, Netbet, Sportsbet.io, Galera.bet, Amuleto Bet e Marsbet preenchem com propagandas as grades televisivas dos principais canais esportivos do país e se escoram em figuras de renome do cenário, como o ex-jogador Denílson, rosto da Sportsbet.io no Brasil, e os lutadores de MMA Wanderley Silva, Fabrício Werdum e Lyoto Machida, que aparecem em todas as publicidades da Sportingbet.

Página inicial do site da Betano, com diversos esportes e possibilidades de apostas.
Página inicial do site da Betano, com diversos esportes e possibilidades de apostas.

“Comecei com 100 reais, hoje ganho até 4.000 por mês”

Rodrigo Barros, de 44 anos, conheceu as apostas virtuais em 2016, e se tornou um apostador diário desde de setembro do ano passado. Ele tinha uma agência de turismo em Orlando, nos Estados Unidos, mas voltou ao Brasil por conta da pandemia. Desde então, complementa a renda com as apostas. “Fui atraído pelos anúncios de ganhar dinheiro com futebol no conforto de sua casa”, conta. “Na primeira vez, coloquei 100 reais e perdi em cinco minutos. Aí coloquei mais 100 reais e fui persistindo. Hoje, começo todo mês com uma banca inicial de 5.000 reais e, ao fim dele, lucro de 3.000 a 4.000 reais”, explica.

Para se cadastrar numa casa de apostas, basta ter mais de 18 anos, fornecer um email, criar um usuário e senha. A partir daí, as transações são feitas por cartão de crédito, pix ou boleto. E as apostas vão muito além de quem vai ganhar ou perder o jogo. As combinações possíveis são infinitas, como tentar adivinhar quantos gols uma equipe fará, quantos cartões amarelos terão no jogo ou até quantos escanteios acontecerão até o fim do primeiro tempo. Casar diferentes apostas, juntando mais de um jogo ou mais de uma estatística, costuma dar um retorno ainda maior. E as apostas não se limitam ao campeonato brasileiro, e muito menos ao futebol, contemplando inclusive os e-sports.

“Não é só dar dois cliques e apostar, exige um estudo e um conhecimento geral de todos os times. Quem quer levar como um investimento precisa fazê-lo de forma séria”, argumenta Barros. As especificidades fizeram surgir até comunidades de especialistas que dão dicas e acumulam milhares de seguidores em canais do YouTube e grupos no Telegram, chamados de traders esportivos.

Risco de dependência

O próprio apostador, que visita os sites todos os dias, confessa que os jogos oferecem um grande risco dependência, entre outros problemas psicológicos. “Conheço pessoas que perderam muito dinheiro.” Barros diz que, para evitar que o mesmo aconteça, adotou um stop loss —um valor que, se perdido em um dia, o obriga a pausar. Além disso, diz que a melhor forma de prevenir é não se desesperar pelo que perde e nem se empolgar com o que ganha.

Hermano Tavares, psiquiatra e especialista em dependências e transtornos do jogo, diz que “apostar ativa a mesma região cerebral despertada pela sensação de comer, fazer sexo ou usar drogas de abuso”. “Não quer dizer que necessariamente causa dependência, mas tem um risco muito grande”, esclarece. Tavares considera “absurdo” não conseguir ver um jogo de futebol na TV sem ser bombardeado por publicidade de casas de aposta. Segundo ele, “quanto mais longe ficam dos jogos ou apostas, melhor estão” seus pacientes.

O debate deve ser amplificado com a regulamentação da atividade, prevista para sair até 2022. A última mudança na lei, em julho, favoreceu os empresários ao mudar o sistema de tributação da atividade, o que “sem dúvidas é uma tentativa do Governo de facilitar a entrada dessas empresas”, segundo André Feher —e o consequente recolhimento de impostos. De acordo com o levantamento da Money Times, o mercado tem o potencial de arrecadar 74 bilhões de reais brutos em caso de regulamentação no país, o que geraria até 22,2 bilhões em receitas tributárias.

“A regulamentação é o desejo da grande maioria dos stakeholders da indústria de gambling e a SECAP [Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria do Ministério da Economia] está trabalhando arduamente para isso”, diz Udo Seckelmann, advogado especialista na indústria de apostas. “Não acho que existirá um afrouxamento das regras federais em prol da arrecadação tributária, mas uma tentativa de adoção das melhores práticas internacionais —as quais buscam um mercado seguro e lucrativo, mas não muito burocrático e custoso para operadores.”

Essa “adoção de práticas internacionais” pode significar também a liberação de outros jogos de azar. A maioria das empresas do ramo que operam no Brasil não oferece somente as legalizadas apostas esportivas, mas jogos de cassino, ilegais no país, e tiram deles grande parte da arrecadação. “Não existe justificativa plausível para que um seja legal, e o outro não. Caso os operadores obtenham uma licença para operar no Brasil, eles serão obrigados a limitar o leque de produtos que ofereceriam aos brasileiros”, pontua Seckelmann. “Isso pode afastar muitas empresas de se regularizarem no Brasil, então esperamos que os demais jogos de azar sejam legalizados em breve. Entendo que hoje vivemos uma tempestade perfeita para a indústria de gambling no Brasil”, admite.

Novamente, a regulamentação e popularização da atividade levanta questões de ordem sanitária. O psiquiatra Hermano Tavares classifica a “tempestade perfeita” como “revoltante” e diz que o assunto não é discutido seriamente pela indústria e pelas autoridades brasileiras. “Se fala em legalizar, mas não em medidas de prevenção e controle social.” Para ele, grande parte dos impostos arrecadados deveria ser destinado à saúde pública, para campanhas de prevenção e sistemas de fiscalização de sonegação. “É um mercado pode gerar muitos problemas, como dívidas, desemprego e depressão, e isso não é considerado do jeito que deveria”, finaliza.

A reportagem tentou contato com as casas de aposta Sportsbet.io, Sportingbet, Betfair, Betano e Dafabet. A Dafabet respondeu que não poderia atender aos questionamentos por “política interna da empresa”. O restante não retornou os pedidos até o fechamento da edição.

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