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Crescimento do PIB enfrenta ameaças do atraso da vacinação, terceira onda e crise energética

Avanço de 1,2% na economia do primeiro trimestre deste ano surpreende, por conta da pandemia, mas otimismo é refreado pelos desafios impostos pela má gestão da crise sanitária

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Homem carrega um pacote de alimentos que foi doado por um grupo de pessoas em uma campanha promovida por uma federação de trabalhadores no Rio de Janeiro, que vendeu gás pela metade do preço.Antonio Lacerda (EFE)
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People enjoy socializing without masks in Central Park in the Manhattan borough of New York City, U.S., May 23, 2021. REUTERS/Caitlin Ochs
OCDE melhora de novo sua previsão de crescimento global graças ao forte empurrão dos Estados Unidos

Apesar do Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre divulgado na manhã desta terça-feira ter avançado 1,2% na comparação com os três meses anteriores, o Brasil continua apresentando uma recuperação da economia menor quando comparado às grandes potências e deve navegar nos próximos meses em um mar de incertezas. A economia brasileira desacelerou o ritmo de recuperação, após um crescimento de 3,2% no 4º trimestre de 2020, e enfrenta um cenário de dúvidas na saúde ―com o avanço de uma terceira onda da pandemia―, no mercado de trabalho e nas contas públicas. Além disso, uma possível crise energética também ronda o país.

“No final do ano, a economia estava um pouco mais aquecida, com uma perspectiva de retomada, pessoas voltando ao trabalho presencial e uma expectativa de uma vacinação em massa, um dinamismo que acabou sendo transportado para os primeiros meses do ano”, explica a economista Juliana Inhasz, professora do Insper. Ainda que parte do mercado siga otimista, especialmente após os resultados desta terça-feira, o início do ano, com o começo da vacinação, trouxe mais expectativas de progresso em relação à gestão da pandemia. Não se esperava, segundo a economista, que em tão pouco tempo estaríamos diante da possibilidade de um novo agravamento dos casos em uma terceira onda, precisando adotar medidas mais restritivas, e com uma imunização tão lenta que freassem os ânimos. “Daqui para frente, fica tudo muito mais difícil. Devemos ver uma economia que cresce, mas muito pouco, e não podemos esquecer que a nossa base é terrível, porque 2020 foi um baita de um tropeço. A situação é difícil e dramática.”

Em um relatório publicado nesta segunda-feira, a OCDE afirmou que a propagação do novo coronavírus e as medidas de restrição descoordenadas no nível estadual pioraram a situação sanitária, tornando a “recuperação econômica instável”. O documento aponta que, em março, a atividade econômica já diminuiu na esteira da degradação da situação sanitária e da queda na confiança das empresas. “São fundamentais medidas que controlem a pandemia com rapidez, como uma aceleração da campanha de vacinação e um melhor rastreamento dos contatos”, afirma o relatório. A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico também defende uma reforma fiscal para fortalecer o investimento público.

Emerson Marçal, professor da FVG, concorda que a piora da pandemia, que chegou ao seu maior pico até o momento em abril, colocou areia na engrenagem de uma tímida retomada econômica que começou a se desenhar no fim do ano passado. “Houve uma política fiscal, monetária e de estímulo, como o auxílio emergencial, que ajudou o quarto trimestre de 2020 e transbordou no primeiro trimestre deste ano. O risco de novo é você ter um aumento de casos e colocar novas restrições que seguram a atividade econômica”, diz. O economista ressalta também que o Governo precisa agora enfrentar uma pressão inflacionária. O próprio presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, afirmou nesta segunda-feira que o Brasil está com “uma inflação alta e que vai subir”. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado até abril teve alta de 6,76%. “Para controlar essa situação, o Governo terá que retirar alguns dos estímulos monetários. E para começar, já subiu a taxa básica de juros do país, o que deve inibir a atividade econômica”, explica Maçal.

Na avaliação do economista, apenas a vacinação em massa pode resgatar o capital social que está ocioso. “O setor de serviço está bem parado por conta do medo das pessoas, do distanciamento, o que acarreta um custo grande para a atividade econômica. Caso o PIB chegue a 3% no fim do ano, vamos ficar mais ou menos no zero a zero, após o tombo de mais de 4% do ano passado. Mas obviamente a perda é bem maior que os 4% porque, no ano passado, sem a crise sanitária, cresceríamos cerca de 2%”, diz.

As turbulências devem seguir também em 2022, já que será um ano de eleições presidenciais. O país sairá da incerteza da pandemia para o processo eleitoral. “O que pode atrapalhar outra vez a economia. Os candidatos que se apresentarem precisam de uma plataforma econômica consistente e avançar nas reformas importantes que estão sendo há anos postergadas”, diz. Investidores estrangeiros e os próprios nacionais vão esperar o que vai acontecer para aumentar o investimento. “E o que se pode fazer de política monetária e fiscal é limitado”, conclui.

Crise energética a caminho

Soma-se ao cenário incerto mais um ingrediente. O Brasil ainda está em contagem regressiva para um apagão, segundo alerta Adílson de Oliveira, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Com os reservatórios de água do país com volume bem abaixo do desejado após o período de chuvas, que terminou em abril, o engenheiro químico acredita que a crise será inevitável até outubro, se não forem tomadas medidas eficazes agora. Na última quinta-feira (27), o Governo de Jair Bolsonaro decretou emergência hídrica em cinco Estados (São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás) e passou a estudar a restrição da navegação por hidrovias e o uso de água para irrigação, numa tentativa de preservar os reservatórios. “Daqui a cinco ou seis meses, não teremos capacidade para abastecer o mercado. Só não estamos em racionamento agora por causa da pandemia, que deu uma estagnada na economia”, avalia.

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Fila de desemprego recorde

Por outro lado, apesar de a economia brasileira ensaiar uma recuperação, a fila do desemprego cresce e atingiu a taxa recorde de 14,7% no 1º trimestre de 2021, chegando a 14,8 milhões de pessoas desempregadas, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad).

Um estudo recente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) fortalece a hipótese de que a relutância do Brasil em assumir restrições mais rígidas de distanciamento social desde 2020 não apenas resultou em um dos mais altos índices de mortalidade por covid-19 como não colaborou para conter a deterioração do mercado de trabalho, tornando a retomada ainda mais desafiadora. A nota técnica aponta que, entre 64 países analisados, o Brasil saiu de ter o 25º pior nível de ocupação em 2019 para a 16ª pior taxa. “Os países que mais perderam vida, também foram os que mais perderam empregos. Não houve aquele suposto dilema de ‘se eu deixar morrer um pouco mais eu consigo segurar mais os empregos’. Na verdade onde houve menos restrições e mais mortes também houve mais desemprego. Embora o estudo não mostre causalidade entre essas coisas, mostra que há uma associação”, explica o autor da pesquisa, Marcos Hecksher.

O pesquisador do Ipea explica que não realiza projeções sobre o futuro do mercado de trabalho, mas afirma que não há melhor política econômica do que acelerar a vacinação. “O que prejudica a economia não é o lockdown, é o medo de morrer. E o medo faz as pessoas investirem menos, empregarem menos, tentarem trabalhar menos e consumir menos.Tudo que move a economia. A expectativa quanto a saúde está determinando a evolução econômica nos países. De acordo com o autor do estudo, estamos vivendo hoje uma “dominância sanitária” na economia. “Os países que irão de fato ver a decolar a economia, são os que já não têm medo do vírus e ele só irá embora de fato quando as mortes despencarem”, diz Hecksher.

A mediana das projeções do mercado financeiro para o crescimento do PIB de 2021 subiu pela sexta semana seguida, segundo o Boletim Focus, do Banco Central (BC): de 3,52% para 3,96%. Já para o próximo ano, a média das expectativas para a expansão da economia brasileira foi reduzida de 2,30% para 2,25%.

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