Ruy Ohtake, o modernista mais ousado da arquitetura brasileira
Autor de marcos urbanos da capital paulista, o arquiteto morreu neste sábado, aos 83 anos, em decorrência de um câncer de medula
No triunvirato de modernistas que mudaram e definiram a identidade da arquitetura brasileira, Ruy Ohtake, com seu porte baixinho e sorriso gentil, certamente apareceria ao lado dos nomes de Oscar Niemeyer e Lina Bo Bardi. O paulistano, filho da artista Tomie Ohtake, quiçá tenha sido o mais ousado ao desafiar os dogmas dessa linguagem, desmanchando a rigidez do modernismo nacional e mesclando um certo brutalismo com as linhas orgânicas —e quase sensuais— tão comuns nas obras de seus contemporâneos. Ao longo da sua carreira de quase cinco décadas, ele soube unir os preceitos da escola carioca de arquitetura, cujo expoente é Niemeyer, e a escola paulista, consagrada com o estilo de Vilanova Artigas. Neste sábado, o país perdeu o gênio e o talento de Ohtake. O arquiteto faleceu, aos 83 anos, em São Paulo, em decorrência de um câncer de medula.
Formado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Ohtake iniciou a carreira nos anos sessenta, primeiramente com obras de pequeno porte, para depois desenvolver projetos complexos, alguns deles atualmente considerados marcos urbanos da capital paulista —como o Instituto Tomie Ohtake e os hotéis Unique e Renaissance, exemplos de seu apreço pelas linhas linhas onduladas. O arquiteto também realizou diversas obras de infraestrutura e construção de equipamentos públicos e privados não apenas em sua cidade (o Parque Ecológico do Tietê, o Expresso Tiradentes e o Conjunto Residencial e Polo Educacional de Heliópolis são alguns exemplos), mas em outas regiões do país: Ohtake assina o Aquário do Pantanal, em Campo Grande (MS), o Brasília Shopping e o Estádio Walmir Campelo Bezerra, no Distrito Federal.
Em 1991, com a construção da Embaixada Brasileira em Tóquio, deixou evidente seu compromisso com o uso das cores em suas obras, que passaram a ser sinônimo de uma “folia cromática”, como caracterizaram colegas e críticos especializados. “O Brasil sempre foi um país de um colorido muito forte, em cidades como Paraty, Ouro Preto e Olinda. Achei que nós devíamos ter cor na cidade e comecei a colocar muitas cores”, disse em entrevista ao Estadão em 2019. Foi precisamente a partir dos anos noventa que seu trabalho passou a ser reconhecido com inúmeros prêmios, como o Colar de Ouro do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) em 2007.
Um dos traços mais importantes em sua carreira foi a defesa —e a prática— do que ele chamava de arquitetura real, sua cruzada pessoal contra a “desagradabilíssima” desigualdade social, em suas próprias palavras em entrevista para a publicação especializada HAUS em 2016. Após dizer, em 2003, que o que achava mais feio em São Paulo era a diferença “entre o bairro do Morumbi e Heliópolis, a maior favela”, recebeu uma ligação do líder comunitário João Miranda, que pediu sua ajuda para deixar o local mais bonito. Assim nasceram os edifícios cilíndricos —os “redondinhos”, como são popularmente conhecidos— de Heliópolis.
O compromisso de Ohtake com uma arquitetura posta a serviço do povo, como ferramenta de integração estética e social, pautou sua vida até o fim, como mostrou naquela entrevista ao Estadão, há apenas dois anos: “Temos que olhar o futuro. Não só da arquitetura, mas também das cidades, do desenvolvimento da população. Ou seja, temos que diminuir essa desagradabilíssima diferença social no país. Porque a arquitetura não é algo isolado, faz parte do conjunto”.
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