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O retorno de Hayden Christensen, o ator que sucumbiu à maldição de Darth Vader

O papel de Anakin Skywalker na saga ‘Star Wars’ parecia destinado a torná-lo uma estrela, mas a lenda sombria do personagem o engoliu. Agora, com 40 anos, tentará mais uma vez na série de televisão ‘Ahsoka’

Hayden Christensen aperfeiçoa seu olhar vencedor diante de uma das câmeras que cobriram a festa o MET Gala rea¬¬lizado em Nova York, em 2005, quando sua carreira estava em ascensão.
Hayden Christensen aperfeiçoa seu olhar vencedor diante de uma das câmeras que cobriram a festa o MET Gala rea¬¬lizado em Nova York, em 2005, quando sua carreira estava em ascensão.Peter Kramer (Getty Images)
Eva Güimil

Em 2002, o rosto de Hayden Christensen (Vancouver, 40 anos) se multiplicava em qualquer suporte passível de se tornar merchandising. A estreia naquele ano de Ataque dos clones era o ápice da ascensão de um ator canadense quase desconhecido que havia conseguido o papel mais fascinante da saga galáctica de George Lucas: Anakin Skywalker. Apenas uma década mais tarde, e depois de ter sido mal recebido pela crítica e pelos fãs da franquia, refugiou-se em uma pequena fazenda em seu Canadá natal, alheio ao barulho de Hollywood e às suas superproduções.

Em 2021, os fãs o redimiram e acolheram com regozijo seu retorno à saga ao lado de Ewan McGregor em Obi-Wan Kenobie também, como o The Hollywood Reporter acaba de adiantar, em Ahsoka, a história da padawan tutelada por Anakin Skywalker.

Na primeira vez em que apareceu na tela, Christensen se esquivou de uma raquetada de John McEnroe. Era um pegador de bolas extremamente cuidadoso que durante um torneio de tênis em Toronto entrou na quadra para cumprir seu dever enquanto o tenista sofria um de seus frequentes acessos de fúria. Naquela noite, todos os espectadores que assistiam ao jogo pela televisão canadense viram fugazmente o rosto do futuro Darth Vader.

Tornar-se um tenista profissional era uma de suas aspirações, até que um dia sua irmã mais velha não encontrou uma babá e o levou à gravação do comercial da Pringles que protagonizava. O pequeno Christensen saiu de lá com seu próprio contrato. “A partir desse momento, fiz um ou dois anúncios por ano. Era uma ótima desculpa para tirar um dia de folga da escola. Quando iam ao ar, negava ser eu, porque tinha vergonha. Atuar não era algo que levasse muito a sério”, disse à revista Interview em 2001.

Hayden Christensen com Kevin Kline durante a exibição de ‘Tempo de recomeçar’ no Festival de Cinema de Toronto de 2001.
Hayden Christensen com Kevin Kline durante a exibição de ‘Tempo de recomeçar’ no Festival de Cinema de Toronto de 2001. J. Vespa (WireImage)

Era loiro, esbelto e objetivamente bonito, uma combinação que logo lhe abriu as portas para pequenos papéis. Estreou no cinema em À beira da loucura (1995), de John Carpenter, foi um dos filhos de Mia Farrow e André Previn (Fletcher, para iniciados na novela Allen-Farrow) em um filme biográfico sobre a atriz e um de seus vizinhos cativados pelas irmãs Lisbon em As virgens suicidas (1999). Seu papel mais relevante veio na televisão. Em 2000 interpretou um adolescente na série em Higherground que se refugia nas drogas depois de sofrer abusos sexuais e entra em um centro para jovens problemáticos. Esse foi o personagem que fez Lucas ver nele um lampejo do sombrio Anakin Skywalker e ligar para seu agente.

Ele foi a Los Angeles para fazer um teste e acabou superando mais de 400 atores, entre os quais estavam estrelas como Leonardo DiCaprio, Paul Walker, Heath Ledger, Joshua Jackson e Ryan Phillippe. “Hayden tem essas qualidades especiais que você espera encontrar em um ator. Ele come a câmera”, declarou a diretora de casting Robin Gurland em 2002. “Ele tem as características que eu procurava para o personagem de Anakin: a vulnerabilidade e também o vigor. É raro encontrar um ator que vá tão longe e tão bem.”

Estava em ótima fase. Conseguira o papel mais cobiçado no filme mais esperado da década, enquanto sua primeira experiência em Hollywood, Tempo de recomeçar (2001), na qual interpretou o filho problemático de Kevin Kline, lhe rendeu uma indicação ao Globo de Ouro de melhor ator coadjuvante. Mas foi o próprio filme destinado a torná-lo uma estrela que foi o primeiro obstáculo em seu caminho: nem os fãs nem a crítica receberam com muito entusiasmo Ataque dos clones e tampouco sua interpretação. O que veio depois da indicação ao Globo de Ouro foi o muito menos desejável prêmio Razzie. E outro, em 2005, para o filme seguinte da saga, A vingança dos Sith. As críticas foram distribuídas por igual entre o desempenho de Christensen e o roteiro de Lucas. “Cada linha de diálogo do filme cai morta e nenhum dos atores pode fazer nada para evitá-lo”, escreveu Stanley Kauffmann no The New Republic.

Hayden Christensen, com 22 anos, posando para a câmera no hotel Bryant Park, em Nova York.
Hayden Christensen, com 22 anos, posando para a câmera no hotel Bryant Park, em Nova York. New York Daily News Archive (NY Daily News via Getty Images)

Frases como “Sou prisioneiro do beijo que você nunca deveria ter me dado”, mais próprias de uma canção ligeira de sucesso do que de um roteirista vindo da turma de Coppola e Scorsese, incitavam ao riso. Lucas não aceitou bem as críticas e defendeu seus personagens no livro The Star Wars Archives 1999-2005: “Apresentam-se de forma muito honesta, não são irônicos e interpretam no limite, mas são coerentes”. E concluiu: “A maioria das pessoas não entende o estilo de Star Wars”. Aqueles que em 2007 escolheram a rainha Padme Amidala e Anakin Skywalker como o casal com menos química na história do cinema não pensavam assim.

Um papel maldito

Christensen estava começando a entender o que significava se colocar na pele de um personagem maldito. O primeiro Darth Vader, David Prowse, um fisiculturista britânico contratado porque tinha mais de dois metros e 120 kg, descobriu no dia da estreia que sua voz havia sido dublada pelo ator James Earl Jones. Não foi seu maior desgosto. Depois das suspeitas de Lucas de que Prowse havia vazado à imprensa o clímax da trilogia – o lendário “Eu sou teu pai” –, foi submetido a uma rigorosa vigilância durante as filmagens. E, como vingança, relegado da cena em que vemos pela primeira vez o rosto de Darth Vader, que foi interpretada pelo ator teatral Sebastian Shaw. Em toda a trilogia o rosto de Prowse nunca foi visto nem sua voz foi ouvida. O homem que tinha recusado o papel de Chewbacca porque acreditava que Darth Vader lhe daria mais visibilidade não fez nada mais do que usar a roupa do personagem. Prowse acabou vetado em todas as convenções e eventos oficiais de Star Wars e se tornou a figura mais trágica da trilogia. Em 2016, sua atuação foi resgatada pelos espanhóis Marcos Cabotá e Tony Bestard no documentário Yo soy tu padre.

Pior sorte teve o pequeno Jake Lloyd, que teve o complicado papel de interpretar Anakin quando criança em A ameaça fantasma. Lloyd se aposentou apenas dois anos depois. Em 2012 explicou os motivos: tinha sofrido assédio por parte dos colegas de classe e a isso se somava o estresse causado pela enorme quantidade de eventos associados à promoção do filme aos quais devia comparecer. Destruiu todas as suas lembranças da saga e se recusou a ver os filmes por causa das “lembranças assustadoras” que lhe provocavam. Em 2015 foi preso por dirigir de maneira imprudente e resistência à autoridade. Sua mãe, a quem tinha agredido no dia anterior, revelou então que Lloyd sofria de esquizofrenia e havia parado de tomar seus remédios. Depois de passar alguns meses na prisão, foi internado em um hospital psiquiátrico. Em 2020 a família divulgou um comunicado afirmando que Lloyd sofre de esquizofrenia paranoide à qual se junta uma anosognosia que o impede de tomar consciência de seu transtorno e vive recluso em uma instituição perto da casa da família.

Hayden Christensen durante uma entrevista no programa noturno de Jay Leno, uma parada habitual no caminho para o topo, em 2005.
Hayden Christensen durante uma entrevista no programa noturno de Jay Leno, uma parada habitual no caminho para o topo, em 2005. NBC (NBCU Photo Bank/NBCUniversal via)

Para provar que era algo mais do que aquele personagem enrijecido com trança de padawan, perseguiu os direitos de O preço de uma verdade, adaptação de um artigo da Vanity Fair sobre Stephen Glass, um repórter da New Republic que baseou sua meteórica carreira em reportagens inventadas. Finalmente foi Tom Cruise quem assumiu a produção, mas ele recebeu as melhores críticas de sua carreira interpretando Glass. Parecia que, ao contrário do que tinha acontecido com outras estrelas galácticas como Mark Hamill, Christensen não seria devorado por seu personagem. “Tampouco estou preocupado com isso, embora talvez devesse estar, dado o número de vezes que me perguntam sobre o assunto”, explicou.

Em 2008 comprou um terreno perto de Toronto. “Pretendo começar a construir em breve. Estou morrendo de vontade de sujar as mãos. Agora ali se planta feno, mas quero encher o estábulo de gado: primeiro porcos, depois vacas e cavalos”, declarou. Buscava um refúgio para sua vida com a atriz Rachel Bilson, com quem teve um filho em 2014, e o queria longe de Hollywood. “Eu levo tudo com cautela. Não quero que seja parte do meu trabalho falar sobre quem estou saindo e o que estou fazendo fora da minha vida profissional”.

Se ele queria ficar fora do radar da indústria, conseguiu. O resto de seus filmes transformou as críticas recebidas por seu trabalho em Star Wars em lisonjeiras. “A estrela mais insípida de sua geração” disse Ken Hanke em sua crítica de Awake – A vida por um fio (2007). “Como diabos Hayden Christensen acabou neste filme?”, escreveu Richard Propes sobre sua participação em Jumper (2008). E acrescentou: “O pior casting possível é lançar o menino de pedra Christensen em um papel que requer personalidade, ação, eletricidade e emoção”.

Hayden Christensen posa em uma reprodução do Falcão Milenar na Disneylândia, em Anaheim, Califórnia, em 2019.
Hayden Christensen posa em uma reprodução do Falcão Milenar na Disneylândia, em Anaheim, Califórnia, em 2019. Handout (Getty Images)

Depois da estreia de 90 minutos no paraíso (2015), filme pertencente ao subgênero do drama cristão (aquele cemitério de estrelas decadentes), o crítico Matt Fagerholm não teve palavras mais agradáveis: “Um título melhor teria sido 121 minutos no purgatório. Christensen é uma presença irritante desde a primeira sequência”.

Desde então as coisas não correram melhor para ele. Os filmes em que se envolveu tiveram cada vez menos repercussão. Talvez seja essa falta de exposição midiática o que fez com que os fãs galácticos tenham recebido com alvoroço seu retorno à saga. Ou que para os fãs que agora estão no comando sua lembrança esteja envernizada de nostalgia, esse filtro que tudo embeleza. Aqueles que se apaixonaram pelo primeiro Darth Vader, um monolito de mais de dois metros de voz metalizada, odiaram aquele rapaz magrelo que viam como um impostor, mas aqueles que olharam para trás para entender a última trilogia se sentem representados por ele. Talvez ajude o fato de estarmos falando de um homem branco de beleza dentro das normas e incontestável, principalmente se considerarmos que as maiores controvérsias entre os seguidores da saga estiveram relacionadas com personagens femininos ou não brancos, como a atriz de origem asiática Kelly Marie Tran ou a protagonista da mais recente trilogia, Daisy Ridley. Ambas foram obrigadas a sair das redes sociais devido ao assédio que sofreram. Visto dessa perspectiva, a indiferença poderia não ser o pior dos finais.

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