Louise Glück conquista o Nobel de Literatura 2020
Academia Sueca reconhece o trabalho da norte-americana, considerada uma das escritoras mais talentosas de sua geração. É a primeira mulher poeta a ganhar o Nobel desde a polonesa Wislawa Szymborska, em 1996
A poeta norte-americana Louise Glück (Nova York, 77 anos) ganhou o prêmio Nobel de Literatura de 2020 por sua “inconfundível voz poética, que, com uma beleza austera, torna universal a existência individual”. Glück é a primeira mulher poeta a receber o Nobel desde a polonesa Wislawa Szymborska, em 1996. “Em seus poemas, o eu ouve o que resta de seus sonhos e ilusões, e ninguém pode ser mais duro do que ela para enfrentar as ilusões do eu”, disse a Academia Sueca sobre Glück. Seus temas são a infância e a vida familiar, através da qual busca o universal. Os mitos e motivos clássicos são duas ferramentas presentes na maioria das suas obras para expressar essas sensações.
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A escritora sucedeu os dois vencedores do ano passado, a polonesa Olga Tokarczuk (Nobel de Literatura 2018, ano em que não foi entregue o prêmio) e o dramaturgo e escritor austríaco Peter Handke (2019). Em 2017, a instituição que concede o prêmio Nobel se viu envolta num escândalo tão grande que a obrigou a suspender a premiação no ano seguinte. Em 2019, a entrega do prêmio a Handke, um autor cujas opiniões causaram repúdio na comunidade literária, envolveram novamente a academia em polêmicas.
Nascida na cidade de Nova York, a nova Nobel de Literatura cresceu em Long Island e se formou em 1961 na escola secundária George W. Hewlett. Posteriormente frequentou a faculdade Sarah Lawrence, em Yonkers (Estado de Nova York) e a Universidade Columbia. Ganhou o Prêmio Pulitzer de poesia em 1993 por sua coletânea The Wild Iris (“a íris selvagem”), e o Prêmio Nacional do Livro em 2014. “Virei uma velha. / Acolhi com gosto a escuridão / que tanto temia”, escreveu em Vita Nova.
A autora —inédita no Brasil— é considerada uma das poetas mais talentosas da sua geração, por sua “excepcional capacidade de fazer que a experiência seja assumida como própria por um leitor surpreso com a intensa percepção de poemas que iluminam acontecimentos absolutamente comuns”, como disse o crítico Andrés Ortega em uma resenha de The seven ages, publicada neste jornal (leia aqui em espanhol). Sua primeira obra, Firstborn (1968), a fez ser aclamada como uma das poetas mais destacadas da literatura contemporânea do seu país. Com livros como The triumph of Achilles (1985) e Ararat (1990) ficou conhecida fora dos Estados Unidos. Averno (2006) é, na opinião da Academia Sueca, “uma coletânea magistral, uma interpretação visionária do mito da descida de Perséfone ao inferno no cativeiro de Hades, o deus da morte”. O júri ressalta também o valor da última coletânea de Louise Glück, Faithful and virtuous night (2014). Mas Glück não escreve só poesia. Segundo o secretário permanente da academia, Ander Olsson, em seus ensaios ela dialoga com outros poetas cruciais da língua inglesa, como T. S. Eliot e John Keats.
Turbulências em Estocolmo
Os dois últimos anos foram turbulentos em Estocolmo. Em 2018, a Academia Sueca —envolvida num escândalo sexual e de vazamento dos nomes dos premiados, que desembocou na demissão de vários de seus membros— optou por não conceder o prêmio e se submeter a um processo de reflexão e mudanças. No ano passado, a concessão do Nobel a Handke, um autor que tinha estado em muitos bolões de aposta, mas que parecia impossível de ser premiado por seu apoio ao líder sérvio Slodoban Milosevic durante a guerra da Iugoslávia, desatou novas tormentas.
Todos esses antecedentes levaram muita gente a crer que em 2020 o prêmio seria dado a uma pessoa de reconhecido prestígio e que não gerasse polêmicas. Nas últimas semanas, não houve a tradicional chance de espalhar rumores e especulações nos corredores da Feira de Frankfurt, cancelada devido à pandemia de coronavírus, mas mesmo assim as apostas, bolões e palpites não desapareceram absolutamente. Na casa de apostas Ladbrokes, a escritora Maryse Condé (Guadalupe, Caribe, 83 anos) encabeçava a lista de favoritos, seguida muito de perto por Liudmila Ulitskaya (Rússia, 77 anos). Mas voltaram a errar.
Prêmios desiguais
Até 2020 foram entregues 113 prêmios Nobel nesta categoria (apenas um deles concedido a um autor de língua portuguesa, José Saramago). Entre mais de uma centena de premiados, apenas 16 eram mulheres. A idade média dos vencedores é de 65 anos, sendo Ruyard Kipling o mais jovem (41 anos) e Doris Lessing a mais idosa (88 anos).
Entre os ganhadores recentes do Nobel de Literatura se encontram, além dos dois do ano passado, Kazuo Ishiguro (2017, Reino Unido), Bob Dylan (2016, Estados Unidos), Svetlana Aleksievich (2015, Belarus), Patrick Modiano (2014, França), Alice Munro (2013, Canadá), Mo Yan (2012, China), Tomas Tranströmer (2011, Suécia) e Mario Vargas Llosa (2010, Peru).
COMO É ESCOLHIDO O NOBEL DE LITERATURA
A Academia Sueca se ocupa da seleção dos candidatos ao Nobel de Literatura e conta com 18 membros. O comitê do Nobel de Literatura, composto por quatro ou cinco membros, é o órgão que avalia as indicações e faz suas recomendações à Academia. Nesse comitê, presidido pelo professor Anders Olsson, estão os escritores Per Wästberg e Jesper Svenbro, e se somaram três especialistas externos: Mikaela Blomqvist, Rebecka Kärde e Henrik Petersen. O prazo para apresentar as indicações, que podem ser feitas por outros premiados, outras academias e professores, começa em setembro e vai até 31 de janeiro. Em abril restam 15 a 20 candidatos, e em maio a lista é reduzida a cinco, selecionados pelo comitê. Junho, julho e agosto são usados na leitura da obra desses finalistas, e em setembro os membros da Academia deliberam e discutem. O prêmio é anunciado em outubro e entregue em dezembro.