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Olga Tokarczuk e Peter Handke ganham o Nobel de Literatura de 2018 e 2019

Depois dos escândalos de abusos sexuais e vazamentos de 2017, a Academia Sueca concedeu no mesmo dia os prêmios de dois anos consecutivos. Escolha de europeus contraria apostas

Olga Tokarczuk e Peter Handke.
Olga Tokarczuk e Peter Handke.Niklas Elmehed

A polonesa Olga Tokarczuk e o austríaco Peter Handke ganharam o Nobel de Literatura de 2018 e 2019, respectivamente, anunciou a Academia Sueca nesta quinta-feira. A instituição volta a apostar em dois autores europeus, contrariando as especulações que indicavam o favoritismo de literaturas pouco representadas na história do organismo. Pela primeira vez, a instituição concedeu no mesmo dia os prêmios de dois anos consecutivos, depois dos escândalos de abusos sexuais e vazamentos de 2017

Em 2017, a instituição que concede o prêmio Nobel se viu envolta num escândalo tão grande que a obrigou a suspender a premiação de 2018. Aquela interrupção transformou a jornada desta quinta-feira em uma sessão excepcional, rodeada de grande expectativa. O número de escritores que aguardavam o telefonema provavelmente era o mesmo, mas as chances de recebê-lo eram dobradas. Talvez por isso o desconcerto nas bolsas de aposta parecia multiplicado também.

Há poucos dias, o acadêmico sueco Anders Olsson havia declarado que a diversidade era uma das prioridades adotadas pelo comitê atualmente. “Precisamos ampliar nossa perspectiva”, afirmou ele à imprensa. “Tínhamos uma visão eurocêntrica da literatura, e agora estamos olhando para o mundo todo. Anteriormente, estávamos mais enfocados nos homens. Hoje há muitas mulheres que são realmente excelentes.”

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Só 14 autoras (12,3% dos 114 premiados) receberam o Nobel de Literatura até hoje. Além disso, os números revelam também os desequilíbrios geopolíticos do reconhecimento: 83 premiados (quase 73%) procediam da Europa, com a França como o país com mais escritores contemplados, 14. A América do Norte ocupa o segundo lugar, com 12 premiados (10,5%): 10 dos Estados Unidos e 2 do Canadá. Sete prêmios Nobel de literatura foram para a Ásia, seis para a América Latina, quatro para a África e só um para a Oceania, com o australiano Patrick White. Há ainda o caso do caribenho Derek Walcott, cuja obra foi escrita em inglês, idioma oficial do país, a ilha de Santa Lucia.

A língua portuguesa foi premiada apenas uma vez, com José Saramago, em 1998. Da América Latina, já foram reconhecidos dois chilenos (Gabriela Mistral e Pablo Neruda), um colombiano (Gabriel García Márquez), um mexicano (Octavio Paz), um guatemalteco (Miguel Ángel Asturias) e um peruano (Mario Vargas Llosa, o mais recente, em 2010). Quase tão lembradas quanto eles, porém, são as polêmicas ausências de escritores da região nessa lista, como a do argentino Jorge Luis Borges. Para efeito de comparação, a Suécia conta com sete autores premiados, e a área escandinava como um todo, somando também Noruega, Finlândia, Dinamarca e Islândia, reúne 15 prêmios Nobel de Literatura.

Olga Tokarczuk, no festival internacional do livro de Edimburgo, em agosto de 2017.
Olga Tokarczuk, no festival internacional do livro de Edimburgo, em agosto de 2017.Roberto Ricciuti/Getty Images

A entrega do prêmio correspondente a dois anos, inédita na história do Nobel, que é concedido desde 1901, deve-se ao escândalo sexual e de supostos vazamentos que sacudiram a instituição em novembro de 2017. O Dagens Nyheter, principal jornal sueco, publicou na ocasião uma reportagem em que 18 mulheres acusavam Jean-Claude Arnault, marido da acadêmica Katarina Frostenson, e ele próprio muito próximo da instituição, de ter cometido abusos e assédio sexual. Contra Arnault, cidadão francês de 72 anos, uma celebridade nos ambientes culturais de Estocolmo e possuidor de uma das mais altas distinções suecas, já haviam sido formuladas algumas denúncias anônimas uma década antes, em outro jornal sueco, sem que a Academia se visse questionada por isso. Mas no final de 2017 o número denunciantes tinham subido para 18, e o movimento #MeToo tinha chegado para mudar tudo.

Uma investigação interna concluiu que Frostenson tinha incorrido em conflito de interesses ao ser coproprietária com seu marido do Fórum, uma espécie de clube cultural influente em Estocolmo, generosamente financiado pela instituição que concede o prêmio Nobel de Literatura. E teve que abandonar seu posto na Academia perante as acusações de ter vazado informação sigilosa sobre os Prêmios Nobel ao seu cônjuge. Arnault, enquanto isso, cumpre uma pena de dois anos e meio de prisão por dois crimes de estupro (na maioria dos casos, os fatos denunciados já estavam prescritos ou não puderam ser comprovados) em uma penitenciária destinada a sentenciados por delitos sexuais.

Peter Handke, em Madri, em 2017.
Peter Handke, em Madri, em 2017.BERNARDO PÉREZ

O escândalo forçou a Academia a um período de reflexão e a uma mudança profunda. Precipitaram-se demissões em uma instituição cujos cargos eram vitalícios. Vários jornais informaram também que Arnault tinha divulgado antecipadamente o nome dos ganhadores em diversas ocasiões. Mas aquela cobiçada informação deve ter se mantido em um círculo muito fechado, porque para a grande maioria a notícia do Nobel sempre cai como uma surpresa. “Não se pode ter nada previsto, porque são sempre muitos os que podem ganhar, e muitos que seriam certeza, como Amos Oz e Philip Roth, nunca o receberam”, diz por telefone Verónica García, da distribuidora de livros espanhola Machado. “Assim que recebemos a notícia entramos em contato com o editor para que mande todos os livros que puder do ganhador e começamos a receber pedidos. É raro que haja mais de 5.000 exemplares disponíveis.”

Hoje, muitos irão às livrarias procurando obras dos ganhadores Tokarczuk e Handke, mas pode ser, como ocorreu com Svetlana Alexievich e seu livro sobre Chernobil, que seja necessária uma série de televisão para decolarem como fenômeno editorial.

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