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Crítica | Cinema
Crítica
Género de opinião que descreve, elogia ou censura, totalmente ou em parte, uma obra cultural ou de entretenimento. Deve sempre ser escrita por um expert na matéria

‘O preço da verdade’: Só no cinema David vence Golias

Tenho a fatigante sensação de já ter visto este filme outras vezes. Nada tenho contra ele, mas lhe falta força expressiva e pode-se prever tudo o que vai acontecer

O preço da verdade - trailer oficial
Carlos Boyero

Embora o sujeito indescritível e perigosíssimo que governa (ou desgoverna) os Estados Unidos considere com tanta irresponsabilidade como cinismo que as mudanças climáticas são uma farsa inventada por almas ingênuas, progressistas mentirosos e outra gente de má vida, é improvável que possa impedir que a cinematografia de seu país continue praticando um gênero dedicado à barbárie ecológica –com consequências selvagens, cânceres e doenças degenerativas– sobre a população desses territórios onde as impiedosas corporações lançam seu veneno letal depois de fazer negócios grandiosos com ele.

Não sei se esse tipo de cinema serve para conscientizar o público de que o poder dessas empresas é incontrolável, que seu dinheiro e suas influências lhes permitem comprar e fazer com que cale a boca muita gente poderosa e disposta a se vender. Mas, diante de conclusões tão desoladoras, Hollywood, que sabe que é essencial que o espectador saia satisfeito do cinema, convencido de que algumas vezes os mocinhos vencem e os vilões pagam por seus desmandos, tende a edulcorar os desenlaces sobre infâmias permanentes. Escavo a memória sobre este gênero e descubro que sempre houve filmes bem-intencionados sobre tema tão sórdido. Lembro-me de Síndrome da China, Silkwood – O Retrato de Uma Coragem, Erin Brokovich – Uma Mulher de Talento e, agora, O Preço da Verdade. Aprecio suas intenções, quase todas parecem muito corretas, Julia Roberts aparecia esplêndida (em todos os sentidos) em Erin Brokovich, lembro-me de seus semelhantes e tenebrosos argumentos, mas nenhum deles me entusiasma. Retifico. Vi várias vezes o esplêndido Michael Clayton, advogados que não podem conter a irritação ante os sinistros experimentos da multinacional para a qual trabalham, tão bem escrito como dirigido, com George Clooney e Tilda Swinton em estado de graça.

O Preço da Verdade parte de um artigo, aparentemente pavoroso, publicado no The New York Times sobre os derramamentos tóxicos que a empresa DuPont fez sistematicamente no rio Ohio. Primeiro, os animais ficam loucos ou morrem, e depois o predador teflon começa a se nutrir de seres humanos, incluindo o nascimento de bebês com deformidades. O filme narra o épico trabalho de um tenaz advogado na investigação e denúncia dessa barbárie, apresentando ações individuais e coletivas das vítimas contra a aparentemente invencível indústria agroquímica.

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Tenho a fatigante sensação de já ter visto este filme outras vezes. Nada tenho contra ele, mas lhe falta força expressiva e pode-se prever tudo o que vai acontecer. É dirigido por Todd Haynes, senhor que sempre foi um autor com universo próprio. E também não se esforça muito. Cheira a encargo alimentício em defesa de uma boa causa. E não é que o mundo sensível e sofisticado do prestigiado Haynes alguma vez tenha me apaixonado, com exceção de Carol, filme tão elegante quanto bonito, no qual adaptava o primeiro e clandestino romance escrito pela grande Patricia Highsmith. O próprio Haynes contou em algum lugar que aceitou o trabalho para depois poder financiar um documentário (que imagino ser apaixonante) sobre The Velvet Underground, aquele grupo hipnótico que o eternamente lembrado Lou Reed capitaneou.

Um dos pretensos atrativos que O Preço da Verdade teria para mim seria a atuação de Mark Ruffalo, ator camaleônico de que sempre gosto, dessa geração em que reinou o grande Philip Seymour Hoffman. Aqui ele está crível, contido, como sempre. E quase nada mais.

O preço da verdade

Direção: Todd Haynes.

Elenco: Mark Ruffalo, Anne Hathaway, Bill Camp, Tim Robbins, Bill Pullman.

Gênero: drama. Estados Unidos, 2019.

Duração: 126 minutos.

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