Com dois anos e meio de atraso, Brasil começa a leiloar tecnologia 5G
Total de lance mínimo será em torno de 50 bilhões de reais entre arrecadação para o Governo e investimentos. Entrave com a chinesa Huawei foi parcialmente superado
Dois anos e meio após o planejado, o Ministério das Comunicações e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) iniciam nesta quinta-feira o maior leilão de tecnologia do Brasil, o que autorizará a exploração da frequência da internet 5G. A expectativa é que sejam arrecadados e investidos ao menos 50 bilhões de reais pelas empresas de telecomunicações que vencerem as concorrências. O leilão abrange 180 lotes divididos em quatro faixas de frequências que devem chegar ao país inteiro até 2028. Ao todo, 15 empresas se credenciaram para o certame, sendo que cinco delas já atuam nas áreas de telefonia e internet nacionalmente. São elas: Vivo, Claro, Tim, Algar e Sercomtel.
Mais do que uma disputa tecnológica, a concorrência tornou-se uma briga geopolítica incentivada pelos Estados Unidos. Houve por parte do Governo Jair Bolsonaro uma tentativa inicial de se impedir que a chinesa Huawei fosse uma das fornecedoras de equipamentos para as telefônicas. Após várias negociações, esse veto acabou não se concretizando em sua totalidade. Na prática, a companhia chinesa só não poderá atuar nas redes internas do Governo por não ter capital aberto e acionistas no Brasil, segundo as regras do leilão.
A tecnologia 5G será responsável por acelerar a velocidade da conexão e por incentivar o uso da internet das coisas (IOT, na sigla em inglês). Por meio dela será possível viabilizar, por exemplo, o uso de carros autônomos, amplificar as cirurgias feitas à distância, controlar tráfego em rodovias ou melhorar entregas por meio de drones.
A pandemia de covid-19, que postergou processos, e a demora em se definir as regras da disputa e um entrave com a frequência em que as antenas parabólicas atuam foram algumas das razões que resultaram no atraso da concorrência, segundo especialistas ouvidos pelo EL PAÍS. “Se as regras estivessem preparadas há mais tempo já poderíamos estar colhendo frutos que outros países estão. Isso interfere diretamente nos nossos investimentos e na expansão de novos negócios”, diz o engenheiro Fábio de Miranda, professor do Insper. Já a advogada Cristiane Sanches, especialista em Direito Digital e membro do Conselho Consultivo da Anatel, diz que o prazo é razoável. “O timing brasileiro está correto, somente atrás do Chile. A maturidade de outros países será utilizada a favor das operadoras brasileiras e a indústria estará mais bem preparada para a entrada em operação no Brasil”, ponderou ela, que atua no escritório Maneira Advogados.
Inicialmente previa-se uma arrecadação quase quatro vezes maior do que os 50 bilhões previstos pela Anatel, de cerca de 180 bilhões de reais. Mas, com o passar do tempo, a estimativa foi reduzindo. Quando as regras do leilão foram analisadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), entre setembro e outubro, o ministro Aroldo Cedraz levantou a hipótese de que o ideal era que o preço mínimo fosse de 101 bilhões de reais, mas ele foi voto vencido. Os outros oito ministros da corte concordaram com as regras da Anatel.
“A forma como o Governo tem sido conduzido resulta em impacto nos investimentos. Falta segurança jurídica. O Brasil tornou-se um local de grande risco, estamos nas vésperas de um ano eleitoral e, para não afastar investimentos ou empresas de fora, a expectativa de arrecadação diminuiu”, disse a advogada Andrea Costa, especialista em direito digital que atua na LCS Consultoria e Advocacia.
Oficialmente, a Anatel alega que o que está em jogo não é o dinheiro, mas “sanar as deficiências de infraestrutura de telecomunicações do país”. Vai na mesma linha do que pondera a advogada Cristiane Sanches. “Imagine uma torre não prevista em compromisso de investimento, mas necessária pra entrada em operação do 5G no município do interior. Essa torre acabará entrando nessa expectativa maior de investimento total, mas ela não faz parte de objeto previsto licitado”, ponderou.
De todo o valor do leilão, cerca de 10,6 bilhões entrarão nos cofres do Governo. O restante será dividido na implantação da internet rápida em escolas públicas (7 bilhões de reais), na construção de uma rede privada de comunicação da Gestão Federal e na expansão da rede por todos os municípios brasileiros, incluindo áreas rurais e rodovias federais.
Das quatro faixas leiloadas há uma que é considerada o filé mignon, a de 3,5 GHz, que é onde o lucro deve ocorrer a curto prazo. Sua função será totalmente voltada ao consumidor, principalmente de telefonia celular, e seu efeito imediato será o de acelerar a velocidade da internet de quem já é usuário e diminuir o tempo de latência (resposta) de alguns aplicativos, como os de streaming. A faixa de 26 GHz é a segunda mais cobiçada, será o 5G para banda largas fixas. As faixas de 700 MHz e de 2,3GHz têm como objetivo melhorar a cobertura 4G e, no futuro, distribuir o 5G. As faixas de frequência são uma espécie de avenidas por onde trafegarão os dados.
Pelo cronograma da Anatel e do Governo, a expectativa é que as 27 capitais brasileiras recebam o 5G até julho de 2022. O prazo é considerado apertado por quem acompanha o setor. A Conexis Brasil Digital, sindicato que reúne as maiores operadoras do Brasil, calcula que no cenário atual apenas sete dessas capitais estão preparadas para iniciar a instalação da nova tecnologia. A razão são as leis que as cidades têm para facilitar a instalação de antenas. Conforme a entidade, as capitais com maior acessibilidade nesse sentido são Boa Vista, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Palmas, Porto Alegre e Porto Velho.
Nas demais cidades o cronograma é o seguinte: as que têm mais de 500.000 moradores devem receber o serviço até 31 de julho de 2025; as com mais de 200.000 habitantes, até 31 de julho de 2026; as com mais de 100.000, até 31 de julho de 2027; e, onde há mais de 30.000, até 31 de julho de 2028.
O leilão está previsto para começar às 10h desta quinta-feira e terá transmissão ao vivo no perfil da Anatel no YouTube. O presidente Bolsonaro confirmou presença na abertura dos lances. A expectativa é que o certame dure até dois dias, já que serão abertos todos os envelopes com os lances dados pelas 15 empresas. Como em um leilão, quem quiser aumentar o lance por determinado lote, poderá fazê-lo ao longo do dia.
Inscreva-se aqui para receber a newsletter diária do EL PAÍS Brasil: reportagens, análises, entrevistas exclusivas e as principais informações do dia no seu e-mail, de segunda a sexta. Inscreva-se também para receber nossa newsletter semanal aos sábados, com os destaques da cobertura na semana.