Ciro Nogueira aceita ida para a Casa Civil e Bolsonaro volta às origens com a velha política
Com minirreforma ministerial, presidente dá mais poder ao Centrão e desaloja militares de postos-chaves do Governo. General Ramos deve passar para a Secretaria-Geral da Presidência e Onyx Lorenzoni seguirá para o Trabalho, pasta que deve ser recriada
O senador Ciro Nogueira (PP-PI) confirmou ter aceitado o convite de Jair Bolsonaro para comandar a Casa Civil. A confirmação de que ele substituirá o general Luiz Eduardo Ramos na pasta foi feita pelo parlamentar em uma rede social na manhã desta terça-feira, após uma reunião com o presidente em Brasília. Nogueira será o terceiro ministro do Centrão sob Bolsonaro ―os outros são os deputados Fábio Faria (PSD-RN), das Comunicações, e Flávia Arruda (PL-DF), da Secretaria de Governo. Já o general Ramos, que chegou a afirmar ter sido “atropelado” pelas mudanças, deve ser realocado para a Secretaria-Geral da Presidência, hoje com Onyx Lorenzoni, que deve assumir o novo ministério do Trabalho. A minirreforma ministerial implica uma perda de espaço dos militares no entorno do presidente, mas está longe de ser uma diminuição do poder da caserna no Governo, que tem oficiais espalhados por mais de 6.000 postos na máquina pública. Trata-se, entretanto, de uma importante sinalização de Bolsonaro para o Legislativo. Expoente do Centrão, o senador terá a missão de moderar o discurso do presidente contra a classe política.
Congressista pelo Piauí, o pepista deve aproximar ainda mais Bolsonaro dos caciques do Legislativo e servir como o articulador da presidência com os demais ministérios. Ele quer evitar que Bolsonaro faça jogos de cena, como o da última semana, quando o presidente sinalizou que vetaria o fundo eleitoral para bancar a campanha de 2022 no valor 5,7 bilhões de reais, enquanto nos bastidores negocia o valor de 4 bilhões de reais, o dobro da eleição de 2020.
Entre suas funções também está a de arrefecer o clima no Senado Federal, onde a CPI da Pandemia tem feito a Gestão Federal sangrar, com a revelação de pedidos de propinas supostamente feitos por militares no Ministério da Saúde no processo de compra de vacinas e a constatação de que o Governo investiu em estratégias ineficazes para enfrentar a covid-19. Nesta segunda, o Brasil ultrapassou a marca de 550.000 mortes em decorrência da doença, enquanto a avaliação da condução do Governo na crise sanitária vai de mal a pior.
Velha política
Com a iminente ida do parlamentar para a Casa Civil, Bolsonaro abandona mais uma promessa de campanha: a de se afastar do que ele mesmo classificava como velha política. Com quase três décadas de trajetória no Congresso Nacional, Ciro Nogueira é presidente do fisiológico Partido Progressista e responde a duas denúncias e a um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele é acusado de receber ilegalmente 7,3 milhões de reais da empreiteira Odebrecht para defender os interesses da empresa e de obstrução da Justiça. Ainda é investigado por receber propinas do grupo J&F em troca do apoio de seu partido à eleição de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) em 2014. Os casos ainda não foram julgados e o parlamentar nega irregularidades.
Quando indagado sobre as denúncias contra seu aliado, Bolsonaro minimizou. Disse que ele próprio é réu no STF e isso não o inviabilizaria no cargo. Durante a semana passada, Bolsonaro afirmou também que ele mesmo surgiu do Centrão e disse que essa era um nome pejorativo do grupo, ao qual prometeu não ceder no passado. “Se eu afastar do meu convívio os parlamentares que são réus ou têm inquérito, eu perco quase metade do Parlamento. Quem colocou o Ciro, eu aqui... Eu sou réu no Supremo Tribunal Federal. Sabia disso? Então, não deveria estar aqui também. Todos nós só somos culpados depois de transitado em julgado”, afirmou em entrevista à rádio Arapuan FM, da Paraíba. O presidente é acusado de apologia ao estupro e injúria no episódio em que, numa discussão com a deputada Maria do Rosário (PT-RS), afirmou que ela não merecia “nem ser estuprada”.
Entre os que acompanham o dia a dia da política em Brasília, há a sensação de que o que está em jogo para o presidente é apenas a eleição de 2022, que ocorrerá daqui a 14 meses. Bolsonaro não estaria, neste momento preocupado com um eventual impeachment, já que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já indicou que não deve aceitar nenhum pedido contra ele, ainda que existam dezenas de crimes de responsabilidade. “O que está no radar do presidente é: tenho de salvar o Governo, não adianta continuar com esse discurso radical de sempre e perder a eleição”, disse o analista político e fundador da consultoria Dharma, Creomar de Souza.
Com a popularidade abaixo dos 30% e rejeição superando os 50%, o presidente tenta buscar uma nova solução para a reta final de seu mandato. A sua minirreforma ministerial implica ainda na recriação do Ministério do Trabalho e Previdência Social, para onde seria deslocado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), hoje na Secretaria-Geral da Presidência, que seria sucedido pelo general Ramos. Para o analista político, o presidente tem a avaliação de que o Lorenzoni trouxe resultados positivos na distribuição do auxílio emergencial no ano passado.
Atualmente, as áreas de Trabalho e Previdência são vinculadas ao Ministério da Economia, de Paulo Guedes. O acordo informal com Guedes é que, em 2022, quando Lorenzoni deverá disputar a eleição, essa área volte para a sua alçada. “Agora, ele espera que, no Trabalho, o ministro implemente políticas de emprego e renda que resultem numa melhor avaliação de seu Governo”, disse. E essa eventual melhora na avaliação seria o caminho para colocá-lo em pé de igualdade com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com quem ele deve polarizar a disputa de 2022, conforme a fotografia do momento político.
Dança das cadeiras mexe com cúpula militar
A dança de cadeiras na Esplanada dos Ministérios implica na ida de Ramos para a Secretaria-Geral da Presidência. Apesar de ter sabido da mudança pela imprensa, ele aceitou o rebaixamento de posto e, no mesmo dia em que foi informado sobre a substituição, publicou uma foto ao lado do presidente e disse que era uma honra estar no time dele.
Há pouco mais de um ano, os quatro gabinetes de ministérios no Planalto eram ocupados por militares, além de Ramos, que era da Secretaria de Governo, cercavam o presidente os generais Walter Braga Netto (Casa Civil) e Augusto Heleno (GSI), assim como o capitão da PM Jorge Oliveira (Secretaria-Geral). A redução de espaços no entorno do presidente não significa, contudo, uma perda derrota dos militares, já que há pelo menos 6.157 espalhados pela máquina pública em cargos comissionados. Além disso, os dois principais cargos do Executivo ainda são ocupados por representantes da caserna. “O presidente e o vice, o general Hamilton Mourão, não deixaram de ser militares. Por mais que tenha políticos do Centrão, esse sempre será um Governo militar”, disse o coronel da reserva Marcelo Pimentel, um dos militares que têm feito oposição ao presidente nas redes sociais.
Ainda assim, na avaliação de Pimentel, só o fato de se debater potenciais brigas por de espaços entre políticos profissionais e militares dentro da máquina estatal já demonstra o quão contaminado e equivocado está a discussão pública. “O lugar de militar é no quartel. Quando se discute quem está ganhando ou perdendo, já mostra que essa presença militar foi naturalizada, algo que não acontece em nenhuma outra democracia do Ocidente”, analisa.
Se com os militares é mais fácil identificar seus rastros, já que todos um dia tiveram ou ainda têm alguma patente, o mesmo não pode ser dito dos indicados pelo Centrão. O que se sabe é que, além dos dois ministérios que já gerenciam, há representantes deste grupo em cargos de segundo e terceiro escalões nos ministérios da Educação, da Saúde, da Infraestrutura, da Economia, da Ciência e Tecnologia, da Cidadania e do Desenvolvimento Regional. Assim como conselheiros em diversas agências reguladoras, como a da Saúde, a das Águas (ANA), a dos Transportes Terrestres (ANTT) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
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