Compra da vacina Covaxin deve render ‘jogo de empurra’ no Ministério da Saúde

Procuradora diz em despacho que risco assumido pela pasta ao comprar imunizante indiano não se justifica, “a não ser para atender a interesses divorciados do interesse público”. Servidor da pasta que depôs ao MPF fala nesta sexta à CPI

O atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e ao fundo, o ex-titular da pasta Eduardo Pazuello.UESLEI MARCELINO (Reuters)
São Paulo -

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O cerco que o Ministério Público Federal apertou em torno do Governo Bolsonaro ao investigar supostas irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin se elevou a outro patamar com a CPI da Pandemia direcionando toda sua artilharia para o caso nesta sexta-feira. As suspeitas caem no colo do Ministério da Saúde. O preço de cada dose de vacina, 15 dólares, é o maior que a pasta já pagou até agora e corresponde ao valor cobrado pelo laboratório responsável, Bharat Biotech, a hospitais privados na Índia. Além disso, o MPF chama atenção para a rapidez com que foi firmado o contrato com a Precisa Medicamentos, empresa brasileira que representa o laboratório indiano no país.

“A omissão de atitudes corretivas da execução do contrato, somada ao histórico de irregularidades que pesa sobre os sócios da empresa Precisa e ao preço elevado pago pelas doses contratadas, em comparação com as demais, torna a situação carecedora de apuração aprofundada, sob duplo aspecto, cível e criminal, uma vez que, a princípio, não se justifica a temeridade do risco assumido pelo Ministério da Saúde com essa contratação, a não ser para atender a interesses divorciados do interesse público”, diz despacho da procuradora Luciana Loureiro sobre o caso da Covaxin. Até o momento, o país ainda não recebeu nenhuma porção das 20 milhões doses contratadas. A dúvida agora é quem vai responder pela gestão da compra: Eduardo Pazuello, Marcelo Queiroga ou ambos?

O acordo para importar a Covaxin foi anunciado em 25 de fevereiro, no site do Ministério da Saúde, ainda sob a gestão de Pazuello. No texto, a pasta informava que “na semana passada, para agilizar o processo de compra de novas doses de vacinas, o Ministério da Saúde publicou portarias dispensando uso de licitação para a compra dos imunizantes”. Pazuello deixou a pasta em 15 de março.

Reportagem publicada pelo jornal Valor Econômico afirma que os senadores da CPI da Pandemia têm em mãos documentos que podem relacionar a demissão de Pazuello diretamente às tratativas da pasta para a compra da Covaxin, incluindo recibos com informações diferentes das previstas no contrato com a Precisa Medicamentos. Uma semana depois da saída de Pazuello, entrou em seu lugar o cardiologista Marcelo Queiroga, que assumiu a pasta enquanto estavam em curso todas as etapas das negociações com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a aprovação do uso da vacina indiana.

Em 31 de março, a Anvisa postergou a aprovação, por exemplo, por falta de um relatório técnico de avaliação da vacina por uma autoridade sanitária indiana. Houve ainda visitas de técnicos da agência à fábrica sede na Índia para conhecer as condições de fabricação. Só em 4 de junho a Anvisa aprovou o uso da Covaxin no Brasil, ainda assim, com ressalvas. “A preocupação do ministério com o assunto Covaxin é zero”, disse Queiroga nesta quinta, quando perguntado por repórteres a respeito do assunto. “Esta questão está no setor jurídico do Ministério da Saúde. Não foi pago um centavo, não foi pago um centavo e nem vai ser”, seguiu. De fato, não houve pagamento do lote de 20 milhões de doses previstas, que custariam 1,6 bilhão de reais ao Governo, pois ele estava condicionado à aprovação da Anvisa e à compra efetiva. A verba, no entanto, foi empenhada (reservada para uso, no jargão do orçamento federal).

A justificativa poderia calibrar a defesa do Governo não fosse o fato de o servidor do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, ter colocado a boca no trombone. Em depoimento ao MPF, divulgado pela Folha de S. Paulo na última sexta-feira, Miranda afirmou que recebeu uma pressão “atípica” para agilizar a liberação da vacina indiana, que estava sendo adquirida por intermédio da empresa Precisa Medicamentos. Ele também afirmou que seus superiores pediram para que ele obtivesse a “exceção da exceção” junto à Anvisa para a liberação do imunizante. À CNN o irmão do servidor, deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) afirmou que Bolsonaro foi alertado ainda no final de março sobre o que estava acontecendo e recebeu documentos que apontavam para suspeitas na compra da Covaxin.

Nesta quinta, senadores governistas estiveram com o presidente Jair Bolsonaro pela manhã e contaram que o mandatário teria falado com o então ministro Pazuello quando foi alertado pelo deputado Miranda. “Como não tinha nada errado, a coisa continuou”, disse o senador Jorginho Mello (PL-SC), relata a Folha de S. Paulo.

A leitura do MPF, porém, não é a mesma. As investigações apontam que a Precisa Medicamentos é uma das sócias da Global Saúde, que tem uma dívida milionária com o Ministério da Saúde depois que venceu uma licitação em 2017 e não entregou os medicamentos. A empresa também é alvo de investigação do Tribunal de Contas do Distrito Federal no contrato de compra de 150.000 testes de covid-19. “É mais ou menos intuitivo que alguém foi favorecido”, afirmou Luciana Loureiro à Rádio Gaúcha. “É possível que a empresa tenha sido favorecida e que alguém do outro lado também pode ter tido algum benefício.” Procurada, a Procuradoria da República do Distrito Federal afirmou, que Loureiro não concederia entrevista.

O despacho da procuradora também questiona a velocidade com que o Governo brasileiro negociou com a Precisa Medicamentos, que fica ainda mais latente se comparada à escandalosa morosidade para iniciar as negociações com a Pfizer, por exemplo.

O dono da Precisa, Francisco Maximiano, deve ir à CPI da Pandemia na próxima semana e já declarou aos senadores que a compra das vacinas não teve nenhuma ilegalidade e que não tem nada a depor. Ele também rejeita proteção pessoal oferecida pela comissão. É a primeira manifestação do empresário desde que sua empresa viraram alvo da comissão parlamentar de inquérito no Senado.

A reportagem entrou em contato com a Precisa Medicamentos, mas não recebeu resposta. A Secretaria de Comunicação do Governo federal também foi questionada. mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.

Seja como for, o depoimento de Miranda cai como uma bomba que sacude a CPI da Pandemia no Senado. O presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que esta talvez seja a denúncia mais grave até o momento. Nesta sexta-feira, todos os holofotes estarão voltados para os irmãos Miranda, que prestarão depoimento à CPI. O deputado inclusive prometeu entregar “provas mais contundentes e incriminatórias”. “Temos como comprovar, categoricamente que a intenção era maléfica. Ela tinha indícios claros de corrupção”, afirmou Luis Miranda.

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