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STF decide que Sergio Moro foi parcial ao julgar Lula, com voto decisivo de Cármen Lúcia na Segunda Turma

Ministro Nunes Marques, que havia solicitado vista, deixou o placar desfavorável ao pedido da defesa do ex-presidente, mas ministra mudou seu voto e formou maioria pela suspeição do ex-juiz da Lava Jato

STF volta a julgar suspeição de Sergio Moro em caso de Lula, acompanhe ao vivo.
Gil Alessi
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Sergio Moro foi parcial ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à prisão. Foi o que decidiu o Supremo Tribunal Federal, por 3 votos a 2, em julgamento na Segunda Turma da corte nesta terça-feira, acatando um pedido da defesa do petista feito desde 2018. A decisão histórica, que reescreve a trajetória da Lava Jato e de seus impactos políticos, contou com o voto decisivo de Cármen Lúcia, por anos uma defensora da operação. Reiniciada em 9 de março, a análise do habeas corpus do ex-presidente havia sido novamente paralisada por um pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques, que nesta terça deu seguimento ao caso. O ministro novato no tribunal votou contra o pedido de suspeição. Com isso, a corte formou maioria a favor de Moro. Mas a ministra Cármen Lúcia, que havia inicialmente votado a favor de Moro, leu um novo voto, desequilibrando o placar e selando o destino do ex-juiz.

“Provamos que Moro jamais atuou como juiz, mas sim como um adversário pessoal e político do ex-presidente Lula, tal como foi reconhecido majoritariamente pelos eminentes ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal”, comemorou a defesa do petista em nota. Não era para menos. A declaração da suspeição de Moro foi uma vitória estratégica e moral para Lula, que no começo deste mês teve um inesperado ganho no STF. Em 8 de março, o ministro Edson Fachin determinou que o então magistrado Moro era incompetente para julgar o ex-presidente, ou seja, o caso do petista não deveria estar em Curitiba porque não estavam estritamente vinculados à Petrobras, motivadora inicial da Lava Jato. Em uma decisão que não julgava a conduta de Moro, Fachin tornou nula a sentença do ex-juiz no chamado caso do triplex do Guarujá e, de quebra, anulou a sentença do caso sítio de Atibaia, dada por sua substituta, Gabriela Hardt, ambas com condenações em segunda instância a Lula. Fachin enviou esses dois casos contra o petista, incluindo as provas já colhidas, para nova avaliação da Justiça do Distrito Federal. Redirecionou ainda dois casos ainda sem sentença, que envolvem o terreno e doações para o Instituto Lula.

A decisão de ministro devolveu ao ex-presidente os seus direitos políticos e o colocou de volta no tabuleiro para 2022, mas, nesta terça, o STF foi além. O que pode ter impactos diretos tanto para o prosseguimento da Operação Lava Jato, que tem colecionado derrotas nos últimos meses, como para as pretensões eleitorais de Lula. Agora, as provas colhidas pelo Ministério Público Federal do Paraná sob a supervisão de Moro e enviadas por Fachin para a Justiça de Brasília também estão anuladas, conforme afirmaram juristas ouvidos pelo EL PAÍS. “Nada do que o Moro fez poderá ser aproveitado pela Justiça do Distrito Federal”, afirma o advogado e professor da Universidade de São Paulo, Mauricio Dieter.

Ou seja, além de poder de exibir no discurso público uma condenação de Moro pelo STF, Lula terá também um ganho prático. Havia receio por parte de alguns petistas de que a decisão de Fachin visava apenas uma redução de danos à Lava Jato e Moro, uma vez que o ex-presidente poderia ser julgado —e condenado— novamente no DF, se a Justiça desse celeridade ao processo do caso do triplex e ele fosse condenado em duas instâncias até a data do pleito. Caso isso ocorresse, Lula poderia ficar de fora das eleições de 2022. Agora, ao menos este caso, mas potencialmente outros cujas provas sejam consideradas contaminadas por Moro, terão que ser retomado literalmente da estaca zero, o que aumenta as chances do nome do petista estar nas urnas em 2022.

Para Sergio Moro, foi um desfecho nefasto. De herói e grande símbolo da luta contra a corrupção no país, o ex-juiz e ex-ministro de Jair Bolsonaro agora conta com uma enorme mancha em seu currículo, conforme aponta Dieter. “Essa decisão do STF atesta que o Moro não é um bom juiz e que ele violou a dignidade da magistratura. É uma tremenda crítica do ponto de vista moral a um magistrado ser considerado parcial, até por isso é raro que o STF decida desta forma”, afirma. De acordo com ele, caso Moro não tivesse sido reconhecido como suspeito neste caso, “qualquer ideia de parcialidade teria que ser abandonada do processo penal brasileiro”. O professor não acredita que a decisão desta terça terá impacto dominó em outros processos da Lava Jato: “Seria preciso que houvessem paralelos muito claros entre os casos. Por exemplo, a defesa do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha teria que provar que seu escritório foi grampeado de forma irregular, e que ele foi alvo de condução coercitiva ilegal”, afirma Dieter, mencionando pontos elencados pelos advogados de Lula no pedido de suspeição de Moro feito ao STF.

Ajuste de posições no STF e lacuna sobre a Vaza Jato

A grande surpresa do julgamento desta terça foi a virada de placar e opinião protagonizados pela ministra Lúcia, simpatizante de primeira hora da Lava Jato. “Todo mundo tem o direito a um julgamento justo, com o devido processo legal e imparcialidade do julgador (...) aqui houve uma parcialidade no julgamento que impõe o que foi considerado como suspeição”, afirmou Lúcia. Segundo ela, novos fatos ―que não foram especificados― a levaram a mudar o voto. “A matéria estava posta, mas não com os contornos que se tem neste momento”, disse. “Estou tomando em conta o que foi comprovado pelo impetrante (...) mas isso não quer dizer que emito juízo de valor sobre o combate à corrupção, que é importante e não pode parar”, continuou.

Ela fez questão de frisar, no entanto, que o que foi decidido não vale para todos os alvos de Moro: “Não acho que este procedimento se estenda a quem quer que seja”. Fez também questão de frisar que não levava em conta as mensagens privadas trocadas entre Moro e os procuradores da Lava Jato reveladas tanto pela série de reportagens da Vaza Jato, lideradas pelo The Intercept, como pela Operação Spoofing, que prendeu os hackers responsável pelo vazamento das comunicações. O mesmo fez Gilmar Mendes, embora tenha feito longo uso das mensagens para solapar a credibilidade de Moro.

O único que quis trazer a questão das mensagens para o centro do voto foi Nunes Marques, que mencionou considerar ilegais as provas obtidas de forma irregular por hackers como um dos argumentos para livrar Moro da acusação de suspeição. O ministro disse que descartar as revelações era resguardar o “sistema garantista”, sem considerar que nada da Vaza Jato fazia formalmente parte do pedido da defesa de Lula.

Foi o suficiente para desatar uma grande diatribe de Mendes contra o novato da corte, num dos lances inusuais do julgamento: “Combinação de ação entre o Ministério Público e o juiz encontra guarida em algum texto da Constituição? Isto tem a ver com garantismo? Nem aqui, nem no Piauí, ministro Kassio”, lançou Gilmar Mendes. “Nada de conversa fiada de hacker e coisa do tipo! Estou falando do que está nos autos. As prerrogativas dos advogados foram vilipendiadas, ministro Kassio!” Nunes Marques responderia, depois, dizendo que o magistrado quis “menoscabar” seu Estado, o Piauí.

As mensagens da Vaza Jato seriam defendidas ainda pelo ministro Ricardo Lewandowski, que também pediu a palavra para deixar claro que, se seu voto contra Moro não considerava as mensagens entre o então juiz e procuradores, havia “clara” autenticidade do material. “Provas ilícitas, admitindo-se que sejam ilícitas, podem sim ser usadas a favor do acusado. Mas no caso deste habeas corpus não o foram”, concluiu. Vencido, Edson Fachin defendeu que a questão da legalidade das mensagens seja analisada pelo plenário do Supremo.

No julgamento em que o Supremo acertou as contas não só com Moro, mas consigo mesmo, Mendes mandou ainda uma mensagem aos colegas, ao afirmar que a corte estava “num julgamento histórico e cada um passará para a história com seu papel. E ela não admite covardia. Isso aqui não é jogo de esperteza. Os falsos espertos acabam sendo pegos e desmoralizados”. Primeiro foi Fachin que, mais de quatro anos e uma eleição presidencial afetada depois, finalmente deu razão à defesa do petista e anulou as sentenças do ex-presidente. Agora Mendes, que defendera e decidira a favor de Moro contra Lula no paassado, atuava para enterrar a reputação do nêmesis do petista.

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