Brasil salvaria cerca de 90.000 vidas em 2021 se vacinasse toda a população em fevereiro, aponta estudo

Pesquisa coordenada por professor da USP e da FGV mostra, a partir de um modelo matemático, o impacto da imunização no número de mortes pela covid-19. Se toda a população fosse vacinada em fevereiro, um cenário impossível, ainda assim o país teria 41.000 novas mortes até o fim do ano

Novas covas são abertas no cemitério público de Manaus na quarta-feira, 27 de janeiro, para enterrar novas vítimas da covid-19.RAPHAEL ALVES (EFE)

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O que já se intuía agora tem base científica: o atraso em realizar uma campanha de vacinação em massa contra o coronavírus gera a cada mês milhares de novas mortes que poderiam ser evitadas. É o que mostra um estudo coordenado pelo médico e físico Eduardo Massad, professor emérito de Informática Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e professor titular de Matemática Aplicada da Fundação Getúlio Vargas (FGV), além de pesquisador associado do Instituto Butantan. O cientista utilizou um modelo matemático que faz projeções a partir de dois cenários extremos. O de uma população totalmente vacinada de um lado e o de uma ausência completa de imunização, do outro.

Apesar de serem cenários distintos da atual realidade brasileira, onde a campanha de imunização começou em janeiro, ainda que a passos lentos, os dados permitem analisar, com números concretos, o impacto que a vacinação tem na redução do número de mortes no Brasil. Mostra, segundo Massad, a “importância de se vacinar logo”. O estudo aponta que caso o Brasil não vacinasse sua população neste ano, no mínimo 130.000 pessoas morreriam e o país fecharia 2021 com ao menos 350.000 óbitos. Mas, se caso o país vacinasse toda a sua população já em fevereiro —algo impossível de acontecer devido a atual escassez de doses—, o vírus continuaria circulando por um tempo e ao menos 41.000 novas mortes por covid-19 seriam registradas até o fim de 2021. Em comparação com o cenário anterior, cerca de 89.000 vidas seriam salvas.

O número de novas mortes aumenta conforme a campanha de vacinação se prolonga. Se a imunização em massa acontecesse em março, então seriam no mínimo 73.000 novos óbitos até o fim do ano. Se a imunização de todos os brasileiros e brasileiras só ocorresse em abril, o país ainda contabilizaria 97.000 novas mortes. Se é jogada para maio, o país acumularia 111.000 óbitos a mais, ou seja, 70.000 mortes a mais do que no cenário de uma imunização total em fevereiro. “Nossa limitação é em número de doses, não em capacidade de vacinar. O Brasil já imunizou 10 milhões de pessoas por dia em outras campanhas e poderia imunizar toda a população em um só mês”, destaca Massad. Seja como for, ele destaca que mesmo no melhor cenário o Brasil ainda estará contabilizando novos casos e mortes em janeiro de 2022.

Os números apresentados pelo estudo são “conservadores”, admite Massad, já que somente no ano passado morreram quase 200.000 pessoas. Além disso, o estudo não leva em conta as novas cepas do coronavírus que foram descobertas em Manaus, no Reino Unido e na África do Sul. Elas ainda precisam ser mais bem estudadas, mas já há indícios de que são mais contagiosas e mortais. “Ainda não sabemos o que vai acontecer com essas novas mutações. Por isso estamos trabalhando com as variantes antigas, o que significa que esses resultados são conservadores”, explica o cientista.

A vacinação no Brasil começou em 17 de janeiro, logo depois que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso emergencial da Coronavac, desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, e da vacina da AstraZeneca/Oxford, que será produzida no Brasil pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Mas caminha passos lentos. Em janeiro foram vacinados profissionais da saúde, indígenas, pessoas com mais de 60 anos ou com deficiência que vivem em instituições de longa permanência e, no caso de São Paulo, quilombolas. Em fevereiro, promete avançar entre a população idosa, a mais vitimada pela covid-19. Até o momento, pouco mais de 3,6 milhões de pessoas foram vacinadas. Está previsto que o Brasil só conseguirá finalizar a imunização de toda a sua população no fim do ano.

A vacinação também encontrou como obstáculo o próprio Governo Bolsonaro, que abriu mão de encomendar ao menos 70 milhões de doses do imunizante da Pfizer, não abriu negociações com a Johnson & Johnson, excluiu a vacina russa Sputnik V da medida provisória que acelera o aval pela Anvisa, e estimulou o descrédito da Coronavac ao longo de vários meses. Somente nesta quarta-feira, 3 de fevereiro, o Executivo federal anunciou as negociações para a importação de ao menos 10 milhões de doses da Sputnik V (que também poderá ser produzida no Brasil) e 20 milhões da indiana Covaxin. A decisão de avançar nas negociações se deu após a Anvisa flexibilizar o protocolo de autorização de uso emergencial de imunizantes.

Quando iniciou sua campanha, o Brasil contava com apenas seis milhões de doses do imunizante testado pelo Butantan —insuficientes para proteger ao menos os grupos prioritários— e passou por dificuldades para importar da Índia 2 milhões de doses da vacina da AstraZeneca e trazer os insumos da China. Ainda assim, Massad acredita que a vacinação vai acelerar a partir de fevereiro, quando “teremos mais 40 milhões de doses”. Ele também cita o começo da produção por parte da Fiocruz e do Instituto Butantan, que prometem entregar milhões de doses diariamente. De acordo com Dimas Covas, presidente do Butantan, a partir de 23 de fevereiro a instituição passará a entregar 600.000 doses por dia.

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Segunda e terceira onda

A pesquisa também faz projeções da atual segunda onda da pandemia de coronavírus, que começou em novembro no Brasil e se acelerou no fim do ano passado. Sem levar em conta as novas variantes do vírus, Massad projeta que o país —que atualmente chega a acumular mais de 60.000 casos por dia— atingirá o pico dessa segunda onda em fevereiro. A partir de então o número contágios deve começar a cair até maio, chegando a 20.000 novos casos diários. Nesse cenário, a segunda onda se estenderia ao longo deste ano.

“Mas isso só vamos saber quando essas novas variantes forem mais conhecidas”, insiste Massad. “Se elas têm uma capacidade de transmitir maior, e tudo indica que é esse o caso, isso significa que a curva de contágios voltará a crescer antes e vamos ter uma terceira onda começando já neste semestre”. Tudo depende da velocidade de transmissão das novas variantes do coronavírus. “O que é importante é vacinar o maior número de pessoas possível e evitar essa terceira onda”.

Projeções para São Paulo

As projeções de Massad também vem sendo enviadas ao Centro de Contingência Covid-19, grupo de 20 especialistas que assessoram o Governo de São Paulo. De acordo com a pesquisa —e sem considerar as novas variantes—, o pico de novos casos e mortes no Estado seria entre abril e maio, a partir de quando a pandemia se estabilizaria até que em julho os números finalmente começariam a cair. Mas essa projeção levava em conta as medidas de endurecimento da quarentena que o Governo estadual determinou há duas semanas, mas logo voltou atrás.

Tanto Massad como os especialistas do Centro de Contingência Covid-19 vem defendendo medidas mais rígidas há semanas. Se apenas critérios técnicos fossem levados em conta, todo o Estado deveria estar hoje na fase vermelha do Plano São Paulo, nível de restrição que só permite o funcionamento dos serviços considerados essenciais. Caso o governador João Doria tivesse optado por esse caminho, o pico da curva de contágios se daria em julho ou agosto, o que ajudaria a diminuir a pressão sobre o sistema de saúde. “Ao invés de termos 2.000 casos por dia, teríamos 1.000 e pouco”, afirma Massad. Ele admite, entretanto, que essa opção seria pouco factível. As pressões políticas e econômicas sobre o governador são fortes. “E as pessoas já não respeitam as medidas. Então, se você não impõe um lockdown como é feito na Europa, essas medidas de contenção vão ter um impacto mínimo”.

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