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Bolsonaro busca patrocinadores para 63 milhões de hectares da Amazônia

Governo quer que empresas e pessoas físicas do Brasil e do exterior doem dinheiro para preservar reservas naturais. Ambientalistas consideram a iniciativa como meramente propagandística

Vista aérea da região amazônica em junho de 2020.
Vista aérea da região amazônica em junho de 2020.Andressa Anholete (GETTY IMAGES)
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FILE in this Wednesday, Nov. 28, 2018 file photo Clouds of smoke over Europe's largest lignite power plant in Belchatow, central Poland. The U.N.?s climate chief Patricia Espinosa says deadlines set by some of the world's top polluters to end greenhouse gas emissions, along with president-elect Joe Biden's pledge to take the United States back into the Paris accord, have boosted hopes of meeting the pact's ambitious goals. (AP Photo/Czarek Sokolowski)
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O Governo brasileiro quer que empresas, fundos de investimento e pessoas físicas, tanto do Brasil como dos outros países, contribuam com dinheiro para preservar a Amazônia. Para isso, lançou na terça-feira uma iniciativa em busca de patrocinadores para as 120 reservas naturais criadas nas últimas décadas, abrangendo 15% da superfície da maior floresta tropical do mundo em território brasileiro. São 63 milhões de hectares. O programa Adote um Parque ―nome que subestima a exuberância, a extensão e o valor ecológico dessas áreas, que somadas têm o tamanho da França— foi apresentado pelo presidente Jair Bolsonaro em Brasília. Os ambientalistas o consideram uma iniciativa meramente propagandística.

O Brasil sente cada vez mais a pressão política e comercial pela política de seu Governo para a Amazônia, pressão à qual os EUA de Joe Biden devem somar-se agora. A iniciativa está aberta a patrocinadores estrangeiros, embora, para Bolsonaro e boa parte dos brasileiros, o interesse externo no território amazônico esconda ameaças à sua soberania. O preço difere. Os brasileiros podem adotar uma reserva ecológica por 50 reais (8 euros, 9 dólares) por hectare; os estrangeiros, por 10 euros (65 reais).

Por enquanto, a primeira, e única empresa que aceitou participar é a rede francesa de supermercados Carrefour. O presidente francês, Emmanuel Macron, é precisamente o mandatário que criticou mais duramente nos últimos dois anos o Governo de Bolsonaro por seu desinteresse em preservar a Amazônia, pelo crescimento do desmatamento a níveis recordes e pelo aumento das queimadas. O ultradireitista, que em campanha criminalizou as ONGs e prometeu priorizar o desenvolvimento econômico da Amazônia sobre sua preservação, referiu-se à coincidência: “O que podemos falar para aqueles que nos criticam é o seguinte: ‘Olha, não temos condições, por questões econômicas, de atender nessa área. Venham nos ajudar. E uma empresa francesa foi a primeira que apareceu”.

Deforestación de la Amazonia
Área da Floresta Amazônica desmatada para plantar soja perto de Porto Velho (Rondônia) em 2019. VICTOR MORIYAMA / New York Times / ContactoPhoto (NYT)

O Carrefour precisa melhorar sua reputação no Brasil depois que, em novembro, dois de seus seguranças, brancos, espancaram até a morte um cliente negro às portas de um de seus supermercados. A multinacional planeja, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, formalizar a adoção da reserva de Lago do Cuniã, de 75.000 hectares, localizada em Rondônia, na fronteira com a Bolívia. Esse território, do tamanho de Caracas, tem um estatuto legal que permite a extração controlada de madeira ou a agricultura de subsistência. Outras cinco empresas negociam patrocínios, disse o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, à agência Bloomberg.

A gestão das reservas ―denominadas unidades de conservação― continuará nas mãos de organismos ambientais governamentais, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e o Instituto Chico Mendes (ICMBio, concentrado em preservar a biodiversidade). As ONGs e os ativistas ambientais sustentam que seria muito mais eficaz parar de erodir sistematicamente a capacidade dessas instituições. Em um comunicado, o Greenpeace acusou o Governo Bolsonaro de promover “uma nova ação midiática para limpar sua imagem” enquanto “continua destruindo os instrumentos que protegem as unidades de conservação, desmantelando o ICMBio, militarizando suas estruturas e impondo significativos cortes orçamentários”.

Ao Carrefour e a outras empresas que possam estar interessadas, a gestora florestal e ativista Cristiane Mazzeti pediu em um tuíte que parem de usar o meio ambiente para limpar sua reputação e “se apressem em cumprir suas promessas de desmatamento zero”.

As tensões internas no Gabinete de Bolsonaro ficaram expostas também na apresentação do Adote um Parque. O principal interlocutor de diplomatas e fundos de investimento preocupados com a política ambiental do Governo é, desde a crise das queimadas de 2019, o vice-presidente Hamilton Mourão, que não participou da cerimônia, à qual compareceu o ministro Salles. O titular do Meio Ambiente disse abertamente em uma reunião de ministros que iria aproveitar que a pandemia estava atraindo toda a atenção da mídia para aprovar leis que enfraquecessem a fiscalização ambiental e trouxessem facilidades para o agronegócio.

O Governo Bolsonaro verbalizou pela primeira vez a ideia de buscar patrocinadores para a preservação da Amazônia em plena discussão pública com o ator americano Leonardo DiCaprio em 2019, quando as queimadas devoraram milhares de hectares na Amazônia.

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