Últimas notícias sobre o clitóris
Grande desconhecido. Ignorado. Inclusive mutilado. O único órgão humano destinado exclusivamente ao prazer simboliza a sexualidade das mulheres. Uma viagem de exploração ao centro do gozo erótico.
Escudada em sua boina e seu celular, Lorena, de 38 anos, atravessa um parque de Madri, na Espanha, entre as árvores que, salpicadas de branco e rosa, ensaiam a explosão da primavera. Ao lhe mostrar uma imagem —uma cabecinha rosada com quatro extremidades—, o que ela arrisca como resposta faz total sentido.
– Isso é uma flor, né? De amendoeira?
Duas atendentes telefônicas passam ao seu lado, a caminho do metrô. Uma delas também acredita ver uma flor. Carregam marmitas, cansaço, pressa e mais de 40 anos. “Somos mães. Agora começamos a outra jornada”, despedem-se ao descer as escadas. A suas costas, um rapaz loiro, câmera no pescoço, sentencia: “Sei lá, é tipo um cara esparramado, com tudo balançando!”. Seus três colegas de classe —estudam Comunicação Audiovisual— riem. Só Candela, de cabelo crespo e piercing no nariz, não hesita:
– É o clitóris.
A universitária de 19 anos o reconhece apesar de nunca ter visto essa espécie de forquilha dupla em nenhuma aula do colégio. “Pesquisei por aí”, diz, olhando para frente, talvez com pudor na frente da outra garota, que não tem nem ideia. Onde quer que você pergunte, os jovens na faixa dos 20 anos sempre respondem que no máximo lhes contaram como se faz um bebê (e como não fazê-lo). Sua escola sexual foi o pornô, os amigos e as redes sociais. Ponto.
Meu primeiro encontro com o clitóris ocorreu aos quatro anos. Com minha irmã, brincava de cavalinho sobre as portas dos armários da cozinha. Abrir, fechar. Cento e oitenta graus de movimento e de repente… uma sensação sublime. Talvez eu não devesse estar contando isto. De tanto cavalgar, o imenso móvel, repleto de vasilhas, louças e cristais, caiu em cima da gente. Quebrou tudo, menos nós. Minha mãe ameaçou nos levar para o hospício. E isso que não sabia do meu eureca lúbrico. Naturalmente, na minha casa —a casa de um urologista— esse órgão nunca foi mencionado.
Esse botãozinho que despertou com minha travessura infantil, a glande do clitóris, é como uma proa de navio protuberante onde o monte de Vênus desce para os lábios maiores. Alguns milímetros rosados e sensíveis que todos acreditam que acabam por ali. Inclusive os dicionários. Na verdade, esta cabeça possui um corpo e quatro ancoragens que se afundam na pélvis, invisíveis. Essa espécie de pirâmide se incha com a excitação e mede cerca de 10 centímetros.
As mulheres têm o privilégio de possuir o único órgão humano com a exclusiva função de proporcionar prazer. “O pênis serve também para a emissão de urina e a procriação. Mas o clitóris existe somente para o prazer, o que o torna muito interessante”, diz a ginecologista Reyes López. Interessante também porque oferece um gozo supremo: “Acho fascinante que suas terminações nervosas por milímetro quadrado sejam muitíssimo mais numerosas que as da glande do pênis”, diz López. Mais precisamente o dobro: 8.000. Um emaranhado elétrico extremamente denso, pronto para ser ligado até atingir o orgasmo.
Tão precioso recanto do corpo foi esquecido, repudiado, menosprezado e, ainda hoje, mutilado. Todo um símbolo da história feminina. Quem resume isso é a mulher que provavelmente mais se aprofundou na história e na anatomia do clitóris, a urologista australiana Helen O’Connell, que em 1998 o revelou sob a luz da ciência: “Negamos completamente seu significado como órgão, o extirpamos deliberadamente”, diz com veemência do seu consultório em Melbourne, por videoconferência. “A sexualidade feminina esteve encerrada na vergonha e na ignorância desde o começo dos tempos. Portanto, não é surpreendente que não se conheça sua anatomia. É nossa herança cultural”, insiste.
"NÓS O NEGAMOS COMO ÓRGÃO, O EXTIRPAMOS DELIBERADAMENTE”, DIZ A CIRURGIÃ QUE O DESCREVEU
A sexóloga Laura Morán, autora de Orgas(mitos), afirma que a maioria das mulheres, 70%, não a conhece realmente. “Só a pontinha”, diz, “e às vezes não têm certeza”. Quando sua colega Francisca Molero, também ginecologista, começou a exercer a medicina, quase 40 anos atrás, a maioria das pacientes no seu consultório não tinha orgasmos. “Gostavam, mas não se tocavam, e os outros não sabiam onde tocar.” A hoje presidenta da Federação Espanhola de Sociedades de Sexologia constata que o gozo feminino, em contraposição ao masculino, continua muito mais cercado de dúvidas. É evitado até como parte dos xingamentos, como destaca a professora britânica Kate Lister em Curious History of Sex. “Ignorar o prazer clitoridiano”, diz, “é algo entremeado à linguagem sexual genuína”.
Mergulhar na elusiva biografia sobre o clitóris pode prejudicar a libido. Quinhentos anos antes de Cristo, o poeta Hipônax de Éfeso o batizou com o nome do bago violáceo do mirto. É a primeira menção encontrada pela pesquisadora e engenheira francesa Odile Fillod, que criou em 2016 um modelo em 3D do clitóris que pode ser baixado e impresso a partir do seu site. Ela conta que Sorano de Éfeso, grande ginecologista da Antiguidade, assim o descreveu no século II: “Esta pequena formação carnosa se dissimula sob os lábios como as noivas se ocultam sob o véu”. Por isso, a chamou de “ninfa”. Seu contemporâneo Galeno julgava que sua função era ajudar a manter o útero aquecido. Sorano causa calafrios quando detalha como fazer uma ablação no caso de encontrar uma “ninfa masculinizada”, maior, à qual se atribuía quase até nossos dias ser causa de lesbianismo e de apetite sexual desmesurado. Medicamente, a hipertrofia do clitóris é uma doença rara, mas as abundantes alusões nos textos históricos denotam uma obsessão cultural. “Dado o fascínio por fatiar os ‘clitóris ofensivos’, talvez não seja estranho que o pobre órgão tenha tratado de se esconder ao longo da história”, escreve Lister. No século XVI, três anatomistas italianos, Eustachi, Colombo e Falópio, publicam as primeiras descrições de sua parte oculta. Georg Ludwig Kobelt o desenhou profusamente no século XIX, mas sem considerar todas as suas partes como um só órgão.
Sigmund Freud proclamou em 1905 que o prazer clitoridiano era próprio de uma sexualidade imatura, e que com a evolução psíquica das jovens se transformava em vaginal. Uma mensagem que se espalhou nas décadas posteriores entre os terapeutas psicanalíticos. O famoso biólogo Alfred Kinsey, na década de 1950, já assinala que a principal via de prazer feminino é a estimulação do clitóris, algo referendado posteriormente por Masters e Johnson, o casal que descreveu as fases da resposta sexual humana.
Quem veio ligar os pontos foi O’Connell, a primeira urologista mulher da Austrália, enervada com a ausência do órgão no livro com qual preparava seu exame de cirurgia. “Isso me deu uma pista de que poderia existir um problema maior, e comprovei que efetivamente havia”, conta de Melbourne, onde é chefa de Cirurgia e Urologia de um hospital público do Estado de Vitória. “Muitos tratados modernos tinham erros manifestos ou carências”. Portanto, os médicos cresceram vendo nos atlas de anatomia o clitóris ser reduzido à glande, junto a páginas e páginas com pênis dissecados em todas as camadas e ângulos possíveis. Alguns aspirantes nem o estudaram, porque não aparecia. Por exemplo, o legendário tratado Anatomia de Gray (cujo nome inspira o da conhecida série sobre médicos), com o qual estudantes de Medicina continuam sendo instruídos, o fez desaparecer em sua edição de 1947. O clitóris protagonizou a tese de doutorado de O’Connell e grande parte de sua carreira. No artigo publicado em 1998 no The Journal of Urology, inclui no órgão o tecido erétil que envolve a uretra e a vagina (os bulbos cavernosos), e descreve a riquíssima inervação e vascularização do órgão, fundamental para preservar sua integridade ao praticar cirurgias. O estudo sugere que o famoso e prazeroso ponto G é na verdade o tecido do clitóris, anexo à uretra e à vagina.
“Não é surpreendente que não se conheça a anatomia do clitóris. É nossa herança cultural”
Entrevista (em espanhol) com a urologista australiana Helen O’Connell, que em 1998 descreveu a estrutura completa do órgão
A urologista australiana continua pesquisando. Também Pierre Foldes, cirurgião francês que inventou a técnica para devolver o prazer a quem o perdeu. Esses 200 milhões de mulheres de 30 países, a maioria africanos, que cresceram sem clitóris, inclusive com as genitálias costuradas. Mutiladas em sua infância, arrastando dor, incontinência, infecções. Às vezes, fadadas a morrer em nome da pureza.
São 19h numa loja erótica no centro de Madri. Quatro mulheres estamos sentadas ao redor de uma mesa. Há um prato com bolachas de gengibre cuidadosamente colocadas e uma jarra de chá gelado. Um jovem sexólogo dá as boas vindas à oficina de orgasmo. Pede-nos que nos apresentemos e que contemos por que estamos aqui. A participante à sua esquerda, de meia-idade, explica que pesquisa sobre sexo energético (tântrico) e que seu interesse é sobretudo profissional. Sobramos três.
Fala com certo acanhamento uma mulher magra. Óculos dourados sobre olhos grandes, que arregala muito ao falar. Miúda e com o cabelo ondulado, veste jeans largo e casaco escuro. Poderia ser professora? Parece beirar os 50 e tem ar jovial:
– Quando me masturbo chego ao orgasmo sempre. Mas com meu parceiro me custa. Não desconecto.
Algo vai mal quando praticamente todos os homens heterossexuais conseguem o clímax acompanhados (95%), e as mulheres com a mesma orientação não (65%), segundo um estudo com 52.000 norte-americanos publicado nos Archives of Sexual Behaviour em 2018. Por outro lado, o percentual sobe entre as lésbicas (86%). As heterossexuais mais propensas a chegarem ao orgasmo são as que recebem mais sexo oral, estão satisfeitas com seus relacionamentos e desfrutam de encontros mais longos. A disparidade orgásmica é mais uma entre todas as disparidades de gênero. “Se ela existe até nos sintomas do enfarte, imagine no prazer sexual feminino, que está mal visto, não existe e não faz falta”, exclama Nerea Pérez de las Heras, autora de Feminismo para Torpes (“feminismo para atrapalhados”). “Há muitas jovens e jovens adultas que me consultam porque chegam ao orgasmo perfeitamente quando se tocam, quando se estimulam sozinhas, e com o parceiro lhes custa muito”, diz Molero. “Então começam a encanar com isso. Vivem isso como um problema, por isso é preciso tratá-las”.
Voltemos, pois, ao clitóris. A sexóloga Laura Morán afirma que o coito não é a melhor técnica para conseguir o clímax. “É como se você tiver uma coceira no braço e se coçar por cima do pulôver ou do casaco. É mais gostoso se você tocar a pele”. E isso é sabido, diz, desde o Relatório Hite. Esse best-seller publicado nos anos setenta pela sexóloga feminista norte-americana Shere Hite, com base em questionários com 3.000 mulheres, consagrava o orgasmo por estimulação do clitóris. Só 1,6% das mulheres chegavam ao clímax exclusivamente através da penetração. “Durante séculos, o prazer feminino não existiu”, continua Morán, “depois foi incluído na equação, sempre através do coito e sempre com o mesmo homem, que tem que ser o homem a quem se ama”. E essa sexualidade que segue a lógica de inserir uma chave na fechadura “implica não praticar um sexo que nos agrade”.
Na oficina de orgasmo, a outra mulher começa dando mais detalhes. É jovem, tem lindas feições emolduradas por uma cabeleira lisa. Veste camiseta listrada justa e jeans:
– Bom, eu com meu marido estamos nessa de troca de casais, e também saio com vários garotos. Não tenho problemas em gozar, mas com meu marido sim. E por isso estou aqui, ele quer que eu venha.
O sexólogo pergunta detalhes sobre como nos masturbamos. Onde, com quê, por quanto tempo, e se seguimos sempre o mesmo ritual.
E a suposta professora:
– Eu toco o meu clitóris com a mão, geralmente. E, bom, faz pouco tempo tenho um vibrador. E aí então…—arregala mais os olhos— é que não demoro nada.
No autoerotismo, as mulheres também estão ligeiramente atrás. Duas pesquisa recentes, ambas com participação espanhola, revelam que quase todos os homens se masturbam (cerca de 95%), mas 1 em cada 10 mulheres não o faz. Isso sim, cerca de metade de nós usa brinquedos, muito mais do que eles.
No parque, entre as amendoeiras, Daniela é como uma aparição: uma longa cabeleira roxa que termina em rosa, enormes olhos azuis maquiados e traje gótico. Um garoto enlutado e uma fotógrafa de cabelo vermelho a acompanham. Vão posar para fotos. Cada um tem um grupo de heavy metal. Daniela, de 22 anos, estuda design gráfico. Reconhece imediatamente o clitóris na foto. O garoto, que é o seu namorado e se chama David, grita: “Isso é algo lá embaixo!”. A jovem guitarrista diz que sempre desfrutou do sexo com naturalidade. “Mas no colégio me olhavam como se eu fosse uma safada. Sempre me senti muito sozinha”. Curiosamente, ela se diverte com o Satisfyer, esse brinquedo sexual que, por ser tão acessível (pode ser encontrado na Espanha por a partir de 32 euros, cerca de 160 reais), popularizou nos últimos meses os chamados sugadores de clitóris —na verdade, disparadores de ondas de ar ou sônicas. Cresceu feito cogumelo nas caixas de presentes no Natal, e voa na forma de memes pelos grupos de WhatsApp. E como os rapazes encaram isso? David responde: “Se você tiver complexos, gera complexos. Se não, não”.
Do outro lado do telefone está uma enfermeira de 56 anos, que chamaremos de Verônica e fala de seu novo companheiro íntimo. “Sabíamos que o clitóris dava tanto prazer? Eu não! Não há masturbação nem cunnilingus que faça isso”. Celia tem 23 anos e estuda para um concurso da Polícia Nacional espanhola: “Tem semanas em que o guardo. Vicia”. Mayte, de 31, publicou um stories no Instagram quando recebeu seu presente de aniversário: “Estamos menos coibidas com isto, para falar a verdade”. Embora ela mesma nunca tenha estado. As mesmas amigas já tinham lhe dado um vibrador de presente aos 18 anos. Avaliação: “É rápido e intenso, mas eu gosto mais para brincar a dois”. Ana, de 40 anos, tem um grupo do WhatsApp com as amigas que se chama assim: Satisfyer. “Bom, a verdade é que não descobri orgasmos que nunca tivesse tido. É uma forma a mais”. María, técnica de cinema de 65 anos, o usa sozinha ou acompanhada: “É divertido, dá muito tesão”, conta, igualmente divertida. E proclama: “Serviu para dar visibilidade à sexualidade feminina”.
A Espanha foi em 2019 o país europeu onde foram vendidos mais sugadores Sona, da Lelo, outra marca mais exclusiva. “Centenas de milhares. Quase 300% a mais que no ano anterior”, conta a responsável por desenvolvimento de negócios da empresa, Ana Gutiérrez. “E praticamente dobra em cifras o país seguinte, a França”. A apresentação do novo modelo, em setembro passado, coincidiu com sorteios de seu concorrente no Instagram e depoimentos de atrizes no programa de televisão La Resistencia. Como Natalia de Molina, que após uma brincadeira do apresentador Mario Casas —“Isso está na moda agora…, por isso tenho menos relações”— respondeu: “A culpa não é dos sugadores, a culpa é de vocês, porque sempre estão pensando só em vocês mesmos”. Os benefícios do brinquedo também foram relatados por Carolina Yuste, Goya de melhor atriz coadjuvante por Carmen y Lola. “Falemos da menstruação. Falemos da masturbação, que são coisas que acontecem conosco”, diz, taxativa. “Não entra na minha cabeça quando penso que isso precisa ser limitado ou escondido. Não faz sentido.”
Crescemos vendo pichações de pênis eretos nos muros. Picas que se derramam. Os jovens contam que se tocavam em turma. As moças, que se calavam. Yuste recorda: “Eu tinha uns colegas de classe que se juntavam para se masturbar, e nós não falávamos disso. Agora se começa a falar. Acho maravilhoso”.
As médicas constatam essa maciça saída do armário masturbatório. Todas as mulheres consultadas, também. “A revolução é que, num jantar com 20 pessoas, você esteja falando sobre gozar”, diz Isabel, de 63 anos, justamente em um jantar com 20 pessoas. Mas simbolizada por um brinquedo. “Passamos de que o sexo não existe a que o tenhamos glamourizado e exibido com algo ortopédico”, critica Pérez de las Heras. “Isto tampouco é novo, sempre existiu, desde o Tuppersex e do coelhinho vibrador de Sex in the City, com algo comercial para que você possa se identificar. Normaliza-se através de modelos capitalistas.”
“Que tipo de sexo nós, mulheres, estamos tendo para que tenha que vir um produto nos dizer quantos orgasmos temos que ter?”, pergunta-se a socióloga e feminista Cristina Hernández. Um sexo, diz, emoldurado numa sociedade patriarcal, em que as mulheres são educadas “para o cuidado e a prostituição”, em relações de dominação-submissão com os homens, fingindo orgasmos —6 em cada 10 fingimos— para não abalar a virilidade do nosso parceiro. “Pense na Manada, ou nos jogadores do Arandina [dois casos recentes de estupros coletivos que chocaram a Espanha]. Um sujeito que não sabe se estupra ou não é porque não sabe o que é o prazer de uma mulher.”
A busca do gozo feminino, desenhado pela pornografia, transcorre também em meio à violência que atinge justamente o centro do prazer (quatro denúncias de estupro por dia) e numa época em que se anda às voltas com o consentimento.
A filósofa e feminista Ana de Miguel, autora de Neoliberalismo Sexual – El Mito de la Libre Elección, faz o relato: “Nós, mulheres, nunca fomos parte da consciência da humanidade, só agora começamos a falar de tudo. E não temos que definir nossa sexualidade, a feminina, e sim a sexualidade, porque atualmente sexo é sinônimo de penetração, quer dizer, do orgasmo do homem”. De Miguel acredita que a mulheres mais jovens não estão contentes com o sexo que têm: “Eles querem a penetração. Elas estão desarmadas”.
A iconografia do pornô faz estragos. “Muitos dos problemas que temos no consultório derivam daí”, conta a ginecologista Francisca Molero. “Se você vê mulheres que parecem desfrutar de uma série de coisas, como vai achar que elas não gostam? E o problema é que elas às vezes são capazes de dizer isso, e às vezes não. E do que elas não costumam gostar? Por exemplo, de engolir o sêmen, ou as penetrações por diferentes lugares ao mesmo tempo.”
Na oficina de orgasmo voltam as perguntas: “Como vocês gozam quando estão a dois? É sempre igual? Onde? Quando?”. O sexólogo nos estimula a compararmos nossa conduta a sós e acompanhadas. “Estão atentas a quanto tempo levam para chegar ao orgasmo?”
A professora e eu respondemos que sozinhas não nos preocupamos com o tempo. Acompanhadas, sim.
“O feminino é preciso descobri-lo, explorá-lo. Isso exige uma atenção e uma intenção”, diz a ginecologista Reyes López. “E muitos casais vão ao mais evidente. Você não sabe a quantidade de mulheres que dizem sentir incômodo no coito e, quando você vai investigar, a maioria simplesmente não está bem preparada, não está bem lubrificada, o cara vai metendo logo de cara; acontece com mulheres de todas as idades, é doloroso”.
E há a questão da vida sem espaços. “Existem problemas de baixo desejo, muitas vezes por esgotamento. Os casais mais jovens fazem muitíssimas coisas, além de terem um horário profissional bastante longo. Resta muito pouco tempo para compartilhar”, conta Molero. A doutora López, sua colega, concorda: “Muitas mulheres, sobretudo as que tem parceiro, são casadas, não têm libido. Porque estão agoniadas o tempo todo, daqui para lá com as crianças, correndo para o trabalho. À noite estão cansadíssimas. O marido quer meter e gozar. Pois isso não funciona”. As médicas consideram o orgasmo como um caminho. Molero repete uma palavra a suas pacientes: curiosidade. “Permita experimentar. Abrir-se. Se você vai com uma ideia fixa, está perdendo muitíssimas coisas”.
E neste cenário, o que acontece os homens? Alguns continuam fechados, e outros estão perdidos, conta o sexólogo Sergio Fosela. “Querem agradar a sua parceira e não sabem como. A resposta é a educação, em todos os níveis. Cursos, palestras. Conversar entre os parceiros. Eles aprendem e agradecem. Outro dia, numa oficina, um garoto me contou que topou com uma garota a que não suportava o coito, e com ela aprendeu a fazer outras coisas. Agora conseguem orgasmos estimulando-se e sem penetração”.
"NO SEXO, O PARCEIRO É UM BRINQUEDO A MAIS. USEO-O", DIZ UM SEXÓLOGO NUMA OFICINA SOBRE ORGASMO
Ao longo de duas horas, nosso sexólogo opinou que o problema da professora é que, além de se agoniar com a demora em chegar ao orgasmo, não comunica bem suas necessidades ao seu parceiro. O da outra garota é que quando o marido quer sexo, ela está em outras coisas. O meu é a impaciência. Ele nos fala de como a amígdala, o centro cerebral da ansiedade, bloqueia a resposta sexual. Que o orgasmo é nossa responsabilidade. Terminamos com uma frase redonda. Falando de sexo, claro: “O parceiro é um brinquedo a mais. Use-o”.
Horário de pico no refeitório da Faculdade de Medicina da Universidade Complutense de Madri. Vão e vêm as bandejas com bifes à milanesa e macarrão. Três aspirantes a enfermeiras não identificam a imagem do clitóris. Outros três futuros fisioterapeutas tampouco o estudaram. Na conversa esmiúçam, repetidamente, sua nula educação para o gozo erótico. Em pleno debate na Espanha sobre a possibilidade de um veto parental a certos conteúdos educacionais, Molero, a presidenta da associação de sexólogos, põe a boca no mundo: “O que é preciso é sermos sérios como sociedade e discutir a necessidade de uma educação sexual integral baseada no respeito, nos direitos humanos, nos direitos sexuais e no prazer”.
Três garotas e um rapaz comem na Faculdade antes de uma prova. Bingo. Soltam de cor e salteado os detalhes do órgão. Estão no terceiro ano de Medicina. A marca se repete com três estudantes de quinto. Uma delas, Elena, de 22 anos, termina um café: “Numa oficina de uma peça de teatro nos pediram para construir um clitóris com massinha. Todos faziam bolinhas. Menos outra colega e eu”. Há esperança.