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Fuja da síndrome FOMO, que ataca até no Carnaval

Excesso de possibilidades e exibição nas redes sociais formam coquetel que mina a satisfação

Foliãs em bloco no RIo.
Foliãs em bloco no RIo. REUTERS

Toni chega sistematicamente tarde a todos os encontros. E se há uma coisa que o caracteriza é a pressa. Sua tremenda impontualidade não vem do fato de ser lento, mas de levar a vida como uma concentração de atividades coladas umas nas outras. Por mais depressa que ande, nunca pode chegar a tempo. Uma frase resume sua essência: “Não quero desperdiçar a vida.” E aí está a raiz da sua conduta.

Na sociedade em que vivemos, se algo nos define é estarmos sempre acelerados, e não apenas no mundo do trabalho, mas também em nossos momentos de lazer, inclusive em festas como o Carnaval. Fugimos de um medo que temos escondido em todas as nossas células: que chegue o final de nossas vidas e que nos arrependamos de não tê-la vivido mais intensamente ou de tê-la desperdiçado.

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O sofrimento é algo muito íntimo. A sensação de solidão, de culpa, as dúvidas, a escuridão que se instala dentro de nós, tudo isso costuma parecer algo muito nosso. Propriedade privada. Costumamos escondê-lo. Os demais, que nos parecem mais felizes, não poderiam entender isso. Todos costumamos mostrar nossa cara mais sorridente. Assim, idealizamos as vidas uns dos outros. Pensamos que, por trás do sorriso dos demais, encontra-se uma existência mais fácil que a nossa.

As redes sociais multiplicam essa idealização. No Facebook ou no Instagram, por exemplo, muitas pessoas publicam fotos de suas vidas: suculentas comidas, festas com os amigos, viagens alucinantes, momentos românticos... Ninguém publica a discussão com o parceiro. Assim, quando numa tarde de domingo, sentados no sofá da sala, começamos a contemplar esses cliques fantásticos de nossos amigos, podemos nos sentir muito infelizes. FOMO (fear of missing out, medo de perder algo) é a nova designação que surgiu para esse sentimento. Estamos largados no sofá enquanto os outros estão curtindo a vida intensamente! Estamos perdendo algo! Segundo um estudo, três em cada 10 pessoas de 13 a 34 anos sofrem de FOMO.

O sentimento de que a vida passa e que talvez não a estejamos aproveitando como deveríamos também aumenta a quantidade de oportunidades que o mundo moderno nos oferece. Há apenas algumas décadas, a TV tinha um único canal; hoje o número é impressionante. Parece que na vida acontece a mesma coisa. As opções se multiplicam constantemente.

Dias atrás, fiquei sem xampu. Entrei no primeiro estabelecimento que vi, mas não encontrei a marca que costumo usar. Podia comprar qualquer outra, mas não foi tão fácil. Não contei os tipos de xampu que havia, mas não eram menos de 40. Meus neurônios demoraram um bom tempo para escolher um. Ridículo.

Segundo o psicólogo Barry Schwartz, o aumento de opções oferecidas pela sociedade de consumo nos distancia da felicidade em vez de nos aproximar dela. São Francisco de Assis dizia: “Preciso de poucas coisas, e dessas poucas eu preciso pouco.” Com certeza eu concordaria com ele. O aumento de possibilidades aumenta nossa frustração fundamentalmente por cinco motivos:

1. O tempo que necessitamos para escolher. Meus amigos estiveram durante muito tempo rindo do meu telefone celular. Por que você não troca? Eu gostava de quando me mostravam os aplicativos dos seus aparelhos, mas passar do meu simples telefoninho para um smartphone era toda uma aventura para mim. Não tinha ideia de como começar a escolher e pensava que, uma vez comprado, não teria tempo para aprender a usá-lo e aproveitá-lo ao máximo. Investi muitas horas pedindo conselho a qualquer pessoa que via com um celular nas mãos. Analisar produz paralisia. E assim estava eu, imobilizada. Até que um dia a minha irmã me empurrou para dentro de uma loja. Para que eu comprasse um smartphone de uma vez.

2. O espaço ocupado pelas opções. Quando escolhemos uma entre várias possibilidades e descartamos as demais, em alguns casos as descartadas continuam disponíveis, invadindo espaço em nossa mente. Suponhamos que vamos passear no fim de semana e decidimos nos desconectar. E assim fazemos. No entanto, a possibilidade de conectar o telefone continua ali constantemente. Talvez pensemos nela em vários momentos. E, embora superemos essas fugazes tentações, precisamos de uma mínima energia para conseguir isso. As opções ocupam espaço mental, mesmo que você as descarte.

3. Nossas expectativas aumentam. Numa de suas conferências, Barry Schwartz explicou que sempre usa jeans. Antes era fácil comprá-los: você só tinha que informar seu tamanho ao vendedor. Esse psicólogo confessou sua vertigem atual quando o vendedor lhe pergunta como gostaria que sejam as calças. Cintura alta ou baixa? Desbotadas? Rasgadas, costuradas...? “O curioso é que agora, quando posso escolher entre tantas possibilidades, estou menos satisfeito com minha compra. Tanto assim que tive que escrever um livro para entender por quê”, brinca. Ele se refere ao livro O Paradoxo da Escolha (Girafa). Segundo ele, quando nos oferecem tantas variedades de um produto, nossas expectativas aumentam. No caso dos jeans, você pensa que vão ficar muito melhor. E quanto mais altas são as expectativas, mais difícil será para que a realidade se aproxime delas. A insatisfação está servida.

Quando esperávamos menos, podíamos ter surpresas positivas. Hoje essa alegria inesperada é cada vez menos comum.

4. Cresce o arrependimento. Alguns meses atrás, a mulher de um amigo me convidou à festa surpresa de 50 anos dele. A comemoração consistiu em um dia no campo com muitos amigos e muitas atividades para escolher. Você devia se decidir entre várias opções: excursão de bicicleta, caminhada, rafting, relaxamento no lago... Todas atrativas. Minha parte sedentária escolheu o lago, e a verdade é que tenho uma lembrança muito bonita dessa tarde. Eu a compartilhei com uma amiga que fazia tempo que não via, e a conversa foi muito suculenta. Mas... será que teria aproveitado mais se tivesse ido à excursão? No fim do dia, quando todos estávamos juntos de novo, a pergunta que circulava era: como teria sido se tivéssemos estado no passeio de bicicleta, no rafting...? Acho que, no fundo dessa questão, havia a necessidade de saber se cada um tinha escolhido bem a atividade. Não sei se alguém se arrependeu da opção escolhida. O certo é que, quando crescem as possibilidades de escolha, as de arrependimento crescem também.

5. O sentimento de culpa aumenta. Cada dia que passa, existem mais tipos de tratamento para um mesmo diagnóstico dentro da medicina alopática. E também podemos optar por sair dela e percorrer os caminhos menos “oficiais” das alternativas. A decisão é toda nossa. Em mais de uma ocasião, ouvi comentários do tipo: “Fulano morreu de câncer, mas é porque não quis a quimioterapia e foi fazer tratamentos naturais” ou “Morreu porque não tentou outras terapias menos invasivas e mais naturais”. Em qualquer caso, parece que a culpa é do morto. Horrível.

Temos medo de desperdiçar a vida, de perder algo, mas... perder o quê? Essa festa no bloquinho que vemos no stories do Instagram, o carro que o seu vizinho tem, a superviagem feita por seu primo...? Realmente desperdiçamos quando ocupamos nossas sinapses em: escolher “o melhor” relógio, idealizar a vida dos demais, nos sentirmos frustrados por não vivermos tão intensamente como supostamente os outros vivem... Imersos em nossas montagens mentais, de fato perdemos algo: apreciar o essencial. Bonnie Ware acompanhou muitos doentes nos últimos dias de suas vidas. Nenhum deles se arrependeu de não ter comprado tal carro ou de não ter viajado de férias a tal lugar. Essas pessoas, ao olharem para trás, confessavam que, se vivessem de novo, curtiriam mais seus amigos, não se deixariam encurralar pelas preocupações excessivas, expressariam com mais sinceridade seus sentimentos... Conclusões lúcidas proporcionadas pela proximidade da morte, mas às quais felizmente podemos chegar sem tê-la por perto.

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