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É verdade que as redes sociais nos tornam mais infelizes?

Há estudos científicos que concluem que quanto mais você as usa, mais insatisfeito pode se sentir

KAREN BLEIER (AFP)

Há pouco mais de um mês, o presidente do México, Enrique Peña Nieto, declarou que “o ânimo está caído e há um mau humor social” no seu país. Semanas depois, em entrevista ao jornal La Jornada, o mandatário atribuiu essa situação às redes sociais: “Não é um tema exclusivo do México. As redes sociais sem dúvida tiveram um impacto no humor, porque obviamente há expressões de todo tipo. Livres. No México não há censura de nenhum tipo. As redes vêm imprimindo, sem dúvida, uma mudança no sentir social, no humor social, nas formas de expressão”.

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O presidente mexicano considera que “em boa medida as redes se transformaram na praça pública, onde são ouvidas diferentes vozes e expressões. Elas têm um impacto sobre diversos segmentos da população. Podem ser opiniões bem fundamentadas ou não”. Isso é mesmo verdade? Passar muito tempo diante de uma tela vendo as atualizações dos seus conhecidos pode alterar o seu humor? É bom para a sua autoestima saber o que outra pessoa está fazendo, e onde? Essa informação pode chegar a deprimi-lo? Nos últimos anos, foram feitos vários estudos que procuram corroborar essas hipóteses.

A popularidade adquirida pelas redes sociais se deve ao fato de permitirem compartilhar conteúdos e estabelecer relações interpessoais. Eduardo Quijano Tenrreiro, professor e pesquisador do Instituto Tecnológico e de Estudos Superiores do Ocidente (ITESO), do México, compartilha dessa visão. “A simples possibilidade de trocar informações de maneira livre, ou seja, a democratização do uso da informação, é por si só uma vantagem social. Esse fato tem muitos ângulos positivos, e isso é preciso reconhecer como ponto de partida”, observa ao EL PAÍS em entrevista telefônica.

Facebook: quanto mais você usa, pior

Até aí, tudo parece lindo. Entretanto, estudos feitos por diferentes instituições demonstraram que o uso das redes sociais tem um impacto sobre a conduta dos seres humanos. Por exemplo, um trabalho de 2013 da Universidade de Michigan, intitulado Uso do Facebook prevê declínio no bem-estar subjetivo de jovens adultos, mostrou que, na aparência, o Facebook proporciona um recurso inestimável para satisfazer a necessidade humana básica de conexão social, mas, ao invés de melhorar o bem-estar, o solapa.

Os cientistas usaram um sistema de amostragem para monitorar os pensamentos e sentimentos dos participantes. A avaliação do bem-estar se realizava por meio do envio de cinco mensagens de texto aleatórias, durante duas semanas: “Como você se sente?”; “Até que ponto você está preocupado agora?”; “Quanto você usou o Facebook desde a última vez que lhe perguntamos?”; “Quanto interagiu diretamente (encontros frente a frente) com outras pessoas?”; “Quão sozinho você se sente?”.

A pesquisa detectou que os níveis de satisfação pessoal dos participantes se reduziram ao longo do estudo, acompanhando o uso constante do Facebook. Também se notou que as interações diretas com outros indivíduos fizeram os participantes se sentirem melhor. O estudo adverte, em suas conclusões, que não é possível atribuir uma mudança de humor a apenas um fator, como o uso do Facebook, mas que este poderia ter uma influência significativa e constante nessas mudanças.

A inveja e o isolamento

Por outro lado, numa pesquisa feita conjuntamente pelas universidades alemãs Humboldt e Técnica de Darmstadt, também em 2013, concluiu-se que uma em cada três pessoas se sentia mal e mais insatisfeita depois de visitar o Facebook. O estudo, intitulado Inveja no Facebook: uma ameaça oculta para a satisfação do usuário, identificou como motivo disso o sentimento de inveja, do qual decorrem a frustração, a amargura e a solidão.

Para Quijano, esses estudos não comprovam uma relação direta entre o uso das redes e a felicidade, mas denotam mudanças de conduta. Segundo ele, para entendê-las é necessário saber para que as redes sociais são usadas. “Para interação social, busca por informação, entretenimento, relaxamento. Servem para se informar e falar de coisas que estão no ambiente e, claro, saber dos outros, mas o usuário não procura só isso, procura também uma interação prazerosa. É preciso entender que o mundo lá representado é inexistente, embora faça referência à realidade. A depressão sobrevém quando você percebe que há algo que não pode alcançar”, explica.

Segundo o estudo de 2013, as interações do Facebook que mais afetam as emoções dos usuários são a publicação de fotos, a possibilidade de curtir essas imagens e a opção de comentá-las. Essas funções, juntas, representam a razão de ser do Instagram, por exemplo.

Para Catalina Toma, pesquisadora da Universidade de Wisconsin-Madison, as fotos, curtidas e comentários são os aspectos da experiência do Facebook que mais prejudicam a autoestima. Ela esmiúça isso no artigo Selfie-Loathing (trocadilho da palavra selfie com a expressão self-loathing, odiar a si mesmo), no site Slate. Segundo Hanna Krasnova, coautora do estudo alemão, uma foto pode provocar uma comparação social imediata e desencadear sentimentos de inferioridade. “As pessoas recebem mais sinais explícitos e implícitos de pessoas felizes, ricas e bem-sucedidas com uma foto do que com uma atualização de status”, observa.

Existe outro sentimento que pode surgir e se espalhar nas redes sociais: a irritação. Um estudo da Universidade de Beihang, na China, analisou milhões de publicações e interações no Weibo (uma espécie de Twitter chinês) e concluiu que, nelas, a irritação era muito mais comum do que qualquer outra emoção, especialmente a alegria. Seus autores também observaram que os usuários com um maior número de amigos ou seguidores têm mais influência emocional sobre os demais.

AFP

Compartilhamentos trazem bem-estar

Não se pode satanizar nem louvar o uso das redes sociais por si só. Elas são ferramentas de comunicação rápidas e efetivas, mas é evidente que têm efeitos sobre a conduta do ser humano. Podem alterar seu humor, isolar e até certo ponto deprimir. Se isso é sabido, então por que são cada vez mais usadas? A resposta é simples: “O ser humano é um ser social e precisa satisfazer uma necessidade de pertencimento”, diz Néstor Fernández Sánchez, doutor em psicologia pela Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).

“As redes sociais, dentro e fora da Internet, permitem ao ser humano manifestar seu estado de espírito. Assim como um indivíduo precisa ter um equilíbrio biológico, o mesmo acontece com o equilíbrio emocional”, adiciona Fernández. “Precisamos ter uma referência sobre o que acontece em nosso entorno para ter um parâmetro para dizer se estou emocionalmente bem ou mal. Também nos sentimos bem quando manifestamos nossos sentimentos e alguém os compartilha. Isto faz com que pensemos que não somos os únicos. Nas redes sociais pela Internet, o ponto nevrálgico é o tempo de resposta, pois é quase imediato.”

Esse imediatismo, segundo Fernández, também permite que o humor social se manifeste: “Antes, você podia estar descontente e não passava disso. Agora, as pessoas compartilham, se põe de acordo, e isso se reproduz. As redes afetam, sim, o humor social, mas teríamos que analisar que antes de mais nada elas facilitam a manifestação do humor. Quando este se torna coletivo, vira parte da psicologia social, os demais se envolvem nesse estado de espírito, e se torna parte do humor social”, afirma.

Para Fernández, grande parte do México está insatisfeita com a situação no seu Estado e no Governo federal, e as redes ajudam a expressar isso, mas também há pessoas que são felizes. “Tudo depende do indivíduo e da sua maneira de ver as coisas. É verdade que as redes sociais e a Internet podem gerar ansiedade, mas nos estudos mais adiantados se detectou que não é a Internet, é o sujeito”, acrescenta.

Como ser feliz sem largar as redes sociais

Quijano e Fernández concordam que, para fazer um bom uso das redes sociais e reduzir os efeitos negativos sobre a conduta, é preciso saber para que usamos a rede e qual delas devemos empregar para alcançar nosso objetivo. Eis alguns conselhos dos pesquisadores:

— Deixe de lado as esperanças e falsas ilusões. Os mundos que o Facebook pinta não existem.

— Use recursos múltiplos para ter dois níveis de informação: meios de comunicação (que lhe digam o que está acontecendo) e redes sociais (que lhe digam o que os outros pensam).

— Faça crescer o conteúdo nas suas redes para ter acesso a um olhar mais amplo. Sua Filter Bubble (bolha de filtro) é, segundo Eli Paliser, autor do livro homônimo, o universo pessoal de informação que você constrói on-line a partir dos filtros personalizados da Internet e do seu círculo mais próximo de contatos. Compõe-se, em poucas palavras, dos artigos, publicações e links que você mais clica. Entretanto, é preciso considerar o que Paliser propõe em seu livro: "As coisas que mais clicamos (sexo, fofocas e aspectos que são relevantes em nível pessoal) não são necessariamente as coisas que precisamos saber".

— Não deixe em segundo lugar as interações ao vivo. O contato humano fortalece condutas positivas.

— Informe-se e compartilhe, mas com ética.

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