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Você é mais feliz no Instagram, e sabe disso

As redes sociais permitem aos usuários mostrar uma imagem melhorada de si mesmos e uma vida cheia de ‘momentos especiais’

As fotografias, como escreveu Susan Sontag, se tornaram “um dos principais meios” para dar “uma aparência de participação”.
As fotografias, como escreveu Susan Sontag, se tornaram “um dos principais meios” para dar “uma aparência de participação”.GALLERY STOCK

Em algum momento de 2010 quase todo mundo começou a andar com um smartphone. Foi o início de uma era em que praticamente qualquer qualquer pessoa podia ser encontrada e interrompida a qualquer hora em qualquer lugar. Primeiro chegou o Facebook, com 2 bilhões de usuários ativos. Depois, o Twitter, com 328 milhões. No início, ninguém sabia muito bem para que servia, só que havia um limite de 140 caracteres – na semana passada anunciaram que será duplicado. No Instagram, que tem 1,2 bilhão de usuários, compartilhavam-se fotos e agora também é possível postar vídeos. Existem redes sociais para tudo. E quase todas são compatíveis porque vão se especializando. O Tuenti era para adolescentes, o MySpace para conhecer pessoas. Mas há muitas outras: Vine, Snapchat, Flickr, Tumblr, Pinterest, Strava e Tinder. Nenhum dos usuários dessas redes se importa muito com o ditado que funciona na Internet: se o produto é grátis, é porque você é o produto.

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Com a popularização do smartphone, a possibilidade de atualizar a qualquer momento se transformou em necessidade. De um modo bastante imprevisível, a resposta generalizada foi a exposição total: os aplicativos permitiam entrar na vida dos outros, mas também compartilhar a sua. Em Hooked – How to Build Habbit-Forming Products (Penguin, 2014), o professor Nir Eyal explica que os aplicativos de sucesso criam uma “rotina persistente”, um loop comportamental. Desencadeiam uma necessidade que elas mesmas satisfazem. Para Eyal, o fator desencadeante no Facebook é o medo de perder algo. No Instagram, o medo de deixar escapar um “momento especial”. A exposição da vida íntima em forma de pensamentos, comidas dispostas com esmero, o último livro que te emocionou, os primeiros passos de um bebê e, claro, vídeos de seu gato se tornou norma. As curtidas provocam uma descarga de dopamina no cérebro, mas também, diz Eyal, certa ansiedade à espera de mais.

Em Exposed – Desire and Disobedience in the Digital Age (Harvard University Press, 2015), o professor e ensaísta Bernard E. Harcourt diz que vivemos no que ele chama de sociedade exposta: através dos tuítes e das fotos do Instagram todos podem espiar os outros e, o que é mais surpreendente, com poucas exceções, todo mundo quer ser espiado. Como resume Mendelson, com a exposição total trazida pelas redes, “um novo tipo de fama, sentida como invejável e aterrorizante, chega àqueles cujo único talento é a autoexposição insistente”.

Ao nos expormos em tuítes, fotos ou status estamos construindo um relato menos espontâneo do que se pretende da nossa vida. O Instagram é a ferramenta mais eficaz. É a que oferece maior sensação de realidade e, ao mesmo tempo, a que melhor admite o retoque. É sentido como realidade porque “fotografias funcionam como provas. Algo que sabemos de ouvido, mas se duvidamos, parece comprovado quando nos mostram uma fotografia”, como escreveu Susan Sontag em Sobre Fotografia. É revelador que uma das hashtags mais valorizadas do aplicativo seja “sem filtro”. Embora o ensaio de Sontag seja muito anterior à aparição e popularização do Instagram, algumas coisas que ela diz no texto servem para entender o fenômeno. Ela escreve também: “A fotografia se tornou um dos principais meios de experimentar algo, de dar uma aparência de participação. […] possuir uma câmera transformou a pessoa em algo ativo, um voyeur”. Agora todo mundo anda com uma câmera. Mas o desejo de ver é quase tão grande como o desejo de ser visto, admirado, observado e invejado.

A exposição da vida íntima dá uma nova dimensão a um tema já conhecido: a vaidade, a aparência e o vazio existencial

Quanto há de construção naquelas fotos de bebedeiras em que ninguém sai com o rímel borrado? Quanto pesa a autoconsciência? É disso que fala, em parte, o segundo romance de Antonio J. Rodríguez, Vidas Perfectas (Literatura Random House, 2017). Um casal aparentemente feliz e invejável nas redes sociais, é assassinado durante uma viagem ao Japão. A filha adolescente, que encontrou os corpos, e um amigo do casal tentam entender o que aconteceu. No caminho, vão descobrindo as fissuras pelas quais penetra a infelicidade que ofusca a imagem idílica que o casal projeta nas redes: “Ver fotos de Vera e Gael é uma alegria e uma tristeza. É uma alegria porque você entende que o amor realmente existe e uma tristeza porque os dois têm um ponto bastante odioso, repugnante”. Para completar, o amigo mantém uma relação virtual com uma celebridade das redes sociais japonesas que se esconde por trás de um pseudônimo.

A exposição da vida íntima que esses aplicativos permitem dá uma nova dimensão a um tema já conhecido e quase tão antigo como o mundo: a vaidade, a aparência e o vazio existencial. O narcisismo costuma esconder a insegurança. Em outras palavras, diz-me do que te gabas e te direi o que te falta. O romance de Rodríguez é interessante também porque o próprio autor faz parte dessa geração que abraçou as redes sociais e as integrou com uma naturalidade espantosa a sua vida cotidiana.

Nossas redes sociais desenham um retrato melhorado de nós mesmos e para quem as usa –especialmente os adolescentes – são um elemento de construção da identidade tão importante como a música, a roupa e os livros. Apesar da imediatez e da espontaneidade pretendida, as vidas que se contam são mais um desejo de como gostaríamos de ser vistos do que o retrato nu de nosso dia a dia. São como o espelho mágico de Branca de Neve, mas adulterado para que sempre nos diga que somos os mais felizes, ou pelo menos os que mais parecemos felizes .

O Facebook se transformou em uma ferramenta de divulgação de notícias falsas e boatos. O Twitter se revelou um instrumento útil para os linchamentos, a demagogia e o uso do cinismo como substituto do pensamento elaborado. E o Instagram não é mais um aplicativo em que se mostram imagens mais ou menos inspiradoras, mas um espaço onde se colecionam experiências. Agora a prova de que você esteve em um show não é o ingresso, mas o vídeo ou a foto no Instagram. Registrar o momento é tão importante como estar ali. Segundo um estudo coordenado por Kristin Diehl, professora da Marshall School of Business, ao contrário do que se diz, tirar fotos aumenta o prazer do que se está experimentando. O que é preciso saber agora é se mostrá-las como momentos especiais torna esses momentos especiais de fato.

Aloma Rodríguez é autora de Los idiotas prefieren la montaña (Xordica), sem tradução em português.

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