‘Nanofama’, a era dos instagrammers e youtubers: os famosos das redes sociais
A fama não é mais um acidente associado ao sucesso, mas algo buscado conscientemente
Em 1990, George Michael decidiu parar de promover seus discos. Nada de entrevistas. Nada de vídeos. “Acho que não vou aguentar mais 10 ou 15 anos de exposição midiática”, declarava o músico que morreu recentemente. “Acredito que essa é a maior tragédia da fama”. O Los Angeles Times noticiou a decisão, Frank Sinatra leu o artigo e decidiu escrever uma carta ao jornal que começava assim: “Ora, George. Relaxe. Flua. Tire a poeira de suas asas, voe até a lua e sinta-se agradecido por levar essa carga com que todos tivemos de lidar nas noites de show em que dormíamos num ônibus e ajudávamos o motorista a desmontar os instrumentos”.
Sinatra fazia piada com Michael porque concordava com ele que a fama é um acidente, mas também tinha consciência de um dado fundamental para entender esse acidente: quem o sofre jamais se recupera. Como sempre aconteceu e continuaria acontecendo décadas depois, a velha geração de celebridades tratava a nova com desprezo e paternalismo.
No final da década passada, a revista científica Cyberpsychology publicou um estudo sobre as aspirações das crianças norte-americanas entre 1997 e 2007. No início do trabalho, na resposta sobre os valores em que acreditavam as crianças de 11 anos, prevalecia o sentimento de comunidade, seguido da benevolência. No final, já em pleno século XXI, o primeiro era a fama. O desejo de sentir-se parte de algo tinha caído para o 11º lugar. A benevolência aparecia em 15º.
Era 2007 e a fama não era mais um acidente associado ao sucesso, mas algo buscado conscientemente. Inclusive depois do fracasso. De um modo ou de outro era preciso encontrar uma forma de fazer a maioria das pessoas se sentir famosa. O Big Brother foi regular, mas o Instagram está sendo um verdadeiro sucesso. No ano passado, a fama era algo desejado por 54% dos adolescentes britânicos. E nem todos cabem na televisão.
“A celebridade é algo que se foi reduzindo a círculos cada vez menores à medida que se democratizaram as ferramentas através das quais se fabrica essa fama. Essas ferramentas já não estão nas mãos de grandes conglomerados midiáticos, mas podem ser manejadas por qualquer um”, observa James Bennett, da Universidade de Londres e editor do Celebrity Studies Journal, publicação que trata da realidade da fama. Apesar de entenderem a fama de formas diferentes, Frank Sinatra e George Michael eram dois lados da mesma moeda. Artistas reconhecidos e celebrados por seu talento e cuja existência era familiar para avós, pais e filhos.
A televisão era o meio a que todos assistiam. Existiam quatro ou cinco canais. Era muito provável que mais da metade do tempo que alguém passava na frente do televisor era gasto vendo coisas sobre as quais não se tinha nenhum interesse. “A primeira mudança aconteceu quando o esquema das grandes redes de televisão deu lugar à era dos 500 canais a cabo. Depois, aconteceu algo parecido na internet. Do Myspace ou Facebook, que exerciam o mesmo papel das velhas emissoras de televisão, passou-se a uma plataforma para cada perfil de interesses e abriu-se a prospecção da fama. Com cada movimento desse tipo criaram-se não só novos perfis de celebridades, como também novos clientes para cada perfil. Por exemplo, o Vine tem mais de 200 estrelas próprias, cada uma com mais de um milhão de seguidores. Fora desse milhão, quase ninguém sabe quem são”, diz Brad Kim, editor do Know Your Meme, uma base de dados de conteúdo viral.
“Ser jornalista de celebridades hoje significa escrever sobre o que aconteceu nas redes sociais 12 horas depois de que isso tivesse lugar” Dean Piper, ex-colunista do ‘Sunday Mirror'
Não confunda esses famosos com os fenômenos virais de alguns anos atrás. Entre esses casos podia ser incluído, por exemplo, o de Cory Kennedy, celebrado sucesso de crítica e público online em 2006, quando foi coroada a It Girl da internet. Meses depois acabou internada por seus pais em uma clínica psiquiátrica e hoje é uma vaga lembrança geracional. Ela faz parte do que tem sido chamado de microfama, que é aquela impulsionada pelas redes com grande potência durante um curto espaço de tempo e que logo desaparece quase sem fazer ruído.
O que estamos vendo hoje com estrelas internacionais do Instagram, como Cameron Dallas, do Youtube (Alex Mandel), e do Snapchat (Shaun McBride), chama-se nanofama: gente muito conhecida por seu talento para criar empatia com os usuários de uma determinada plataforma, mas praticamente desconhecida além dos limites dessa mesma plataforma. No Brasil, bons exemplos seriam a instagrammer Gabriela Pugliesi e a youtuber Julia Petit. “Ser jornalista de espetáculos, hoje em dia, significa escrever sobre o que aconteceu nas redes sociais nas últimas 12 horas”, observa Dean Piper, ex-colunista de celebridades do Sunday Mirror.
No final de fevereiro último, a L’Oréal lançou uma nova campanha publicitária. Dizia-se que era protagonizada por 13 celebridades, mas o jornal britânico Daily Mail manifestou sérias dúvidas a respeito: “Quantas destas superestrelas você reconhece? Cheryl Cole e Helen Mirren se destacam, mas quem são os outros?”
Depois passavam a apresentar os demais protagonistas dessa campanha solidária. Sobre Chez Trust destacavam que tem 240.000 seguidores e só come frango. Sobre Marcus Butler, que tem cinco milhões de seguidores e gosta de gravar a si mesmo cantando depois de inalar hélio. “A lacuna geracional que se abriu é enorme”, informa Álvaro García Bermejo, diretor da revista Cuore. “Ainda não sabemos muito bem no que isso vai dar. Muitos ainda nos espantamos quando nossos filhos nos mostram youtubers que têm milhões de seguidores e cujo nome jamais ouvimos. A diferença entre esta geração de famosos e a anterior, a dos reality shows, é que sobre esta ainda sabemos pouco”.
No dia em que falamos com Álvaro, a capa de sua revista era Dulceida, madrinha dos instagrammers espanhóis (1,6 milhão de seguidores). Não receia que seus leitores se perguntem se ela é famosa? “Na foto ela aparece com um seio para fora que saiu do lugar de forma espontânea. Um seio é um seio. Isso foi, é e sempre será de interesse”. Vivemos na era da fama nada acidental e muito fragmentada, mas quando aparece um seio, voltamos de cabeça ao lugar de onde tudo isso procede: a curiosidade universal de saber o que fazem os outros.
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