Com eleições sem incidentes, Barroso refuta ilação de Bolsonaro sobre eficiência: “Não controlo imaginário”
Enquanto sugere fraude no sistema, presidente busca partido para iniciar sua campanha pela reeleição. Ministro do TSE diz que há pessoas que acreditam até que a Terra é plana
Após o susto no primeiro turno, com ataque hacker e atraso de quase três horas nas apurações, as eleições deste domingo voltaram ao eixo. Pouco mais de quatro horas após a conclusão da votação na maior parte do país, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) concluiu a apuração da totalidade dos votos das 57 cidades onde ocorreram segundos turnos para prefeituras. Oficialmente, a apuração terminou às 21h11, de acordo com o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso. Mesmo assim, não faltou espaço para que o presidente da República, Jair Bolsonaro, voltasse a imitar a estratégia frustrada do presidente Donald Trump sobre potenciais fraudes no pleito. “Espero que possamos em 22 ter um sistema de votação seguro ao eleitor de que, em quem ele votou, o voto efetivamente foi para aquela pessoa. A questão do voto impresso é uma necessidade. Está na boca do povo”, disse Jair Bolsonaro sem base na realidade.
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Barroso não deixou por menos: “Não tenho controle sobre o imaginário das pessoas. Tem gente que acha que a Terra é plana, tem gente que acha que o homem não chegou à Lua e tem gente que acha que o Trump venceu [a eleição] nos EUA”, disse ele em clara insinuação ao próprio Bolsonaro, que repete sem embasamento a mesma tese do candidato republicano derrotado nas eleições americanas.
No primeiro turno, uma investigação iniciada pela ONG Safernet e revelada pelo EL PAÍS apontou que hackers tentaram macular a imagem do TSE invadindo o site do órgão para criar teorias conspiratórias de que as urnas eletrônicas não seriam seguras. Poucos minutos após a tentativa de invasão, que falhou, dezenas de militantes bolsonaristas usaram suas redes sociais para difundir desinformação. Todos os dados foram entregues à PF e à Procuradoria Geral da República. No sábado, um hacker foi preso em Portugal como um dos líderes do ataque. A investigação foi conduzida pela Polícia Federal em parceria com a polícia portuguesa.
No mesmo dia, uma falha no supercomputador do TSE que compilava os votos resultou no atraso da apuração em quase três horas. O fato resultou em outra onda de boatos sobre a falta de segurança do sistema. Nenhum ataque ou alteração de votos foi comprovado, contudo. “As reclamações são demais. Não tem como alguém bater no peito e dizer que é seguro. Não tem como comprovar”, bradou Bolsonaro a jornalistas após votar no derrotado Marcelo Crivella (Republicanos) no Rio de Janeiro.
Mas no direito há uma máxima: a prova cabe a quem acusa. E nem mesmo sua base abraçou essa tese. Nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp de bolsonaristas não houve a difusão com a mesma intensidade da que ocorreu na primeira etapa eleitoral. A fala do presidente foi mais uma clara tentativa de Bolsonaro de desviar o foco de sua derrota eleitoral. Nas capitais brasileiras, apenas um dos quatro candidatos que se identificavam com o bolsonarismo foi eleito, o delegado Lorenzo Pazolini (Republicanos), que derrotou o ex-prefeito João Coser (PT).
Indagado sobre a fala do presidente, Barroso respondeu que ele respeita a opinião de todos os cidadãos, mas não entraria neste debate. “A retórica política faz parte de um jogo que não me cabe jogar”. O ministro reafirmou também que, caso o presidente traga alguma prova de fraude, o Tribunal determinará a abertura de uma investigação. Barroso celebrou que o segundo turno ocorreu sem imprevistos e que, apesar dos discursos contrários, pode tentar explicar a segurança das urnas para quem não entendeu o sistema, mas não para quem não quer entender. “Quem não quer entender não tem remédio na farmacologia jurídica para resolver”, afirmou em tom de ironia.
Sobre a ideia de voto impresso, há rejeição clara na cúpula do TSE. “Objetivamente não existe no Brasil a possibilidade de voto impresso, porque há uma decisão unânime do Supremo Tribunal Federal em sentido contrário”, afirmou o presidente da Corte eleitoral, o ministro Luís Roberto Barroso. Hoje, no Congresso Nacional, tramitam 12 projetos de lei e duas propostas de emendas constitucionais que tratam do regresso do voto impresso.
Desafio partidário
Mesmo empenhado em semear dúvidas, Bolsonaro tem pela frente desafios muito maiores antes de 2022. O primeiro deles é saber a qual partido ele se filiará. Desligado do PSL desde o ano passado, ele está com sérias dificuldades em criar sua sigla, a Aliança pelo Brasil. Internamente, deu até março do ano que vem para que seus articuladores obtenham o registro. Caso não ocorra, ele pretende se filiar a um partido que já exista.
Em Brasília, lideranças políticas veem três ou quatro possibilidades para o presidente. A que mais lhe agrada é assumir um partido que possa comandar, como o Patriota, legenda que já paquerou em 2018, antes de se filiar ao PSL. Outros dois partidos sinalizaram interesse em tê-lo em suas hostes, o Progressistas e o Republicanos. Os presidentes dessas legendas, respectivamente Ciro Nogueira e Marcos Pereira, são próximos de Bolsonaro e aderiram ao Governo quando o centrão passou a ser beneficiado com cargos nos diversos escalões da máquina pública. Nenhum deles, porém, lhe cederiam o comando partidário.
Há ainda um grupo que tenta convencê-lo a ingressar no PSD, mas essa hipótese é mais frágil, já que ele enfrentaria resistência de lideranças regionais que refutam um extremista como Bolsonaro. O resultado das eleições deste domingo deve ser levado em conta na decisão do presidente definir o seu partido. Dependendo de quem ele escolher, aumenta ou diminui o número de potenciais cabos eleitorais com a máquina pública municipal nas mãos daqui a dois anos.