Covas dribla câncer e estende reinado tucano em São Paulo em meio à pressão pela covid-19

Candidato tucano conseguiu superar desgaste provocado por seu vice, Ricardo Nunes (MDB), e se descolou do governador para se firmar como uma das novas lideranças do PSDB

O prefeito reeleito, Bruno Covas (PSDB), cumprimenta o governador e padrinho político, João Doria.
O prefeito reeleito, Bruno Covas (PSDB), cumprimenta o governador e padrinho político, João Doria.Sebastiao Moreira (EFE)
Gil Alessi

O prefeito Bruno Covas (PSDB) foi reeleito neste domingo. Com 99% das urnas apuradas, o tucano obteve 59,3% dos votos válidos (excluídos brancos e nulos), derrotando Guilherme Boulos, do PSOL, que teve 40,6%. Com o resultado, previsto pelas pesquisas divulgadas nos últimos dias, os tucanos emplacam um segundo mandato seguido na capital. O anterior foi encabeçado pelo hoje governador João Doria, que deixou a prefeitura em abril de 2018 para disputar o Executivo estadual. Ao longo da campanha, Covas conseguiu se firmar como um político de centro ao se desvincular da polarização que cercou Doria e o presidente Jair Bolsonaro, antagonistas e possíveis rivais na eleição de 2020.

Covas chegou à sede do diretório estadual do PSDB, no bairro do Jardim Paulista, zona oeste de São Paulo, por volta das 19h40, de mãos dadas com o governador para fazer o discurso da vitória. Sua fala teve o tom moderado que marcou a campanha. Ele também fez acenos aos eleitores de Boulos: “Nós vamos governar para todos. A partir de amanhã não existe distrito azul e distrito vermelho, existe a cidade de São Paulo”, disse o tucano. “São Paulo não quer divisões”, afirmou. Ele agradeceu ao rival por terem travado “o bom combate”: “Meu avô dizia que é possível conciliar política e ética, política e honra, política e mudança. E agora acrescento: é possível fazer política sem ódio. É possível fazer política falando a verdade”.

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Um dos primeiros desafios do prefeito reeleito será lidar com uma eventual segunda onda da covid-19 na capital. Até o momento, apesar do aumento de internações provocadas pelo novo coronavírus na rede privada e pública, Covas afirma não haver um novo surto da doença na cidade. Reportagem do jornal Folha de S.Paulo, no entanto, aponta que São Paulo pode regredir de fase no plano de combate à doença à partir de segunda-feira, o que pode levar a novas restrições. Críticos, dentre eles Boulos, afirmam que a medida foi adiada para não impactar a popularidade do candidato. A gestão da pandemia pelo Executivo municipal —que apostou em isolamento social, fechamento de negócios não essenciais e implementação de hospitais de campanha durante a fase crítica da crise— foi elogiada pela comunidade médica.

Falando sobre a pandemia, Covas cometeu um deslize neste domingo ao afirmar que “agora começa o grande desafio de enfrentar essa crise que São Paulo, o Brasil e o mundo precisam encarar”. A frase contrasta com as afirmações anteriores de que não há segunda onda na cidade, recordista em número de mortos e casos confirmados. “Aqui não somos negacionistas”, disse o prefeito, numa crítica indireta ao presidente Bolsonaro. Antes dele, Doria afirmou que “as eleições terminaram, não há foco em nova eleição, há foco em vacinação e saúde”.

O prefeito reeleito é um dos novos quadros tucanos após o partido ficar marcado por sucessivas eleições dominadas pela velha guarda —sendo Geraldo Alckmin e José Serra os grandes expoentes desta vertente. Covas se diferencia até mesmo de Doria. Enquanto o governador sempre fez questão de se afirmar como um gestor e não um político (após ter surfado na onda da antipolítica à moda de Bolsonaro), o prefeito, que já foi deputado estadual e federal, declarou ter orgulho da carreira e da vocação para a política.

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Apesar do perfil moderado, à moda do avô Mário Covas, que foi prefeito da capital e governador do Estado, Bruno escolheu como vice o conservador Ricardo Nunes (MDB). Vereador com um discurso alinhado à retórica bolsonarista, contrário ao aborto e defensor do projeto Escola sem Partido, o emedebista também tem contra si um boletim de ocorrência por violência doméstica registrado por sua esposa anos atrás (ela diz não se recordar do episódio). Além disso, o parlamentar viu seu nome citado em um inquérito que investiga irregularidades em repasses para creches privadas da capital. Para evitar o desgaste, Covas, que já havia escondido Doria em sua campanha no primeiro turno devido à alta rejeição do governador, fez o mesmo com seu vice no segundo. Nos bastidores a escolha de Nunes para a chapa é creditada a Doria, que estaria articulando um apoio do MDB a uma possível candidatura sua à presidência da República em 2022.

Mesmo não expondo o vice, Covas fez questão de defendê-lo ao longo da campanha, e afirmou que não há nada “que desabone” a escolha de Nunes. Durante sabatina do programa Roda Viva, da TV Cultura, o tucano afirmou que gostaria de ter escolhido uma mulher como companheira de chapa, mas que precisou tomar uma decisão “que representasse a frente que nós montamos no primeiro turno”. O prefeito conseguiu construir um grande arco de alianças no primeiro turno, com dez partido, a maioria deles do bloco conhecido como centrão. No discurso de vitória, Covas dedicou um agradecimento “especial” ao vice que “sofreu muitos ataques na campanha”.

Em uma rara aparição, uma vez que ele se negou a participar de um debate de vices e não concedeu entrevistas, Nunes falou por cerca de dois minutos no evento realizado na noite deste domingo. O emedebista disse que “Bruno Covas tem um vice do lado dele que é um fiel escudeiro, e um vereador que é lá da periferia”. Ele fez ainda um trocadilho com a palavra vereador, ao dizer que sua atuação na Câmara sempre foi focada no sentido de “ver a dor [dos mais pobres], vereador”.

Em um contexto no qual o PSDB ainda se recuperava dos resultados negativos na eleição de 2018, quando seu candidato à presidência Geraldo Alckmin sequer foi ao segundo turno, a vitória em São Paulo, capital do Estado que é o bastião tucano, é considerada vital para os planos futuros da legenda. “Partidos se desgastam, é do jogo. O importante é que vamos ganhar aqui. É o que vale”, afirmou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso após votar.

Agora, Covas passa a ser protagonista destes planos do PSDB para as próximas eleições majoritárias. O prefeito, no entanto, fez questão de frisar que não abandonaria o cargo caso reeleito para disputar o Governo, contrariando o histórico recente dos tucanos na capital: além de Doria, José Serra também deixou a prefeitura em 2006 para concorrer ao Governo do Estado. O abandono dos prefeitos da legenda criou uma má fama para o partido, e foi explorada pelo rival Boulos ao longo da campanha.

Covas também atraiu a simpatia do eleitor ao travar uma batalha contra um agressivo câncer no trato intestinal com metástases em outros órgãos, diagnosticado em outubro de 2019. Após sessões de quimioterapia, atualmente o prefeito faz um tratamento de imunoterapia, menos agressivo, e que deve durar mais alguns meses. Este método busca estimular o sistema imunológico a produzir anticorpos que combatem as células cancerígenas. O tucano também contraiu a covid-19, mas não teve sintomas graves.

O resultado das urnas neste domingo foi um balde de água fria para a esquerda, que conseguiu se organizar em uma frente para apoiar Boulos no segundo turno —que contou com Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede), Lula (PT) e Flávio Dino (PC do B) em seu horário eleitoral. Os números das urnas também dão ao candidato derrotado do PSOL o papel de protagonista neste campo, em uma eleição na qual o PT teve um dos piores resultados de sua história recente.

Campanha limpa e vice escondido

No segundo turno os dois candidatos mantiveram um tom cordial nos debates e agendas públicas, fugindo em grande medida do discurso de ódio e da disseminação de notícias falsas que marcaram a campanha no primeiro turno, e focando em suas propostas —o que chamou a atenção de muitos paulistanos, assustados com o vale-tudo eleitoral dos últimos pleitos. Um exemplo do clima de respeito entre ambos ocorreu no dia 17, quando o ex-deputado federal Ricardo Tripoli (PSDB), aliado de Covas, disse durante um evento público ao lado do prefeito que Boulos “mata a mãe para ir ao baile de órfãos para poder entrar”. O candidato tucano telefonou para seu rival no pleito e se desculpou pela fala do correligionário.

Apesar da cordialidade, houve troca de acusações, com o tucano tentando colar em Boulos o rótulo de “radical” por suas ações à frente do MTST. Após o crescimento do rival nas pesquisas, Covas tentou associá-lo aos regimes de Cuba e Venezuela. Já o candidato do PSOL centrou sua artilharia na ausência de Doria da campanha e no vice da chapa tucana, Ricado Nunes.

A campanha de Covas também se viu envolvida em um episódio controverso. Vários vídeos que circularam na Internet na quinta-feira às vésperas do pleito mostravam pessoas pegando cestas básicas em um carro com adesivo da campanha tucana e que toca o jingle do candidato, na região de Morro Grande, Brasilândia, zona norte da cidade. O PSDB alegou se tratar de fake news.

Com uma campanha curta, o PSOL agiu rapidamente para costurar apoios para o segundo turno. O primeiro foi o do PT, confirmado pelo candidato derrotado da legenda, Jilmar Tatto, terminada a apuração do primeiro turno: “Acabei de ligar para Guilherme Boulos, a quem tenho como um irmão mais novo. Desejei sorte e disse que ele pode contar comigo e com a nossa valente militância para virar o jogo em São Paulo”, escreveu no Twitter. PDT, PC do B, PSB (ainda que Márcio França tenha optado por neutralidade) e Rede também declararam endosso à chapa psolista, em uma “frente democrática por São Paulo”, nas palavras de Boulos. Já Covas teve sua campanha reforçada pelos partidos do bloco conhecido como centrão: PSD, Solidariedade, Republicanos e PTB.

Desde o início da pandemia do novo coronavírus, Covas marcou posição frente ao presidente Jair Bolsonaro, defendendo medidas de isolamento social e uso de máscaras. A pandemia foi controlada na cidade, com a expansão de leitos de UTI com hospitais de campanha e a redução de internações ao longo dos meses. Mas a cidade não fugiu de cenas tristes como o cemitério de Vila Formosa, na Zona Leste, cheio de covas abertas. O ajuste da pandemia acabou fazendo a população paulistana relaxar com o vírus e os casos voltaram a subir nas últimas semanas. Um assunto que ganha urgência novamente para o prefeito reeleito a partir de agora.

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