Apoio a Russomanno murcha entre evangélicos, que aderem ao slogan de “fé” de Covas
Prefeito de São Paulo colhe frutos de parceria com políticos fortes no segmento religioso. Dos 11 vereadores evangélicos da Câmara Municipal, oito fazem parte da bancada de apoio ao tucano.
“Você pensa bem sobre em quem vai votar nesse domingo, e escolha um governo que defenda os valores da família, da igreja”, afirma o bispo Renato Cardoso, genro de Edir Macedo e uma das principais lideranças da Igreja Universal do Reino de Deus, durante um culto no Templo de Salomão em São Paulo nesta semana, na reta final da campanha política no primeiro turno das eleições municipais deste ano. E ele continua: “'ah bispo, eu não gosto de política, não quero saber disso, é coisa do demônio', podem pensar. A política não quer nem saber e invade sua vida, como temos visto cada vez mais. Então, se não votar em um representante alinhado com seus valores não adianta reclamar depois que fecham seu templo, que tiram sua liberdade, te impedem de fazer as coisas”, afirma, em uma crítica velada ao prefeito Bruno Covas, o candidato do PSDB à reeleição que manteve as igrejas e templos fechados capital do final de março ao início de julho por causa da pandemia de covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. Hoje, os cultos estão liberados, desde que com capacidade reduzida e medidas de proteção como a obrigatoriedade do uso de máscaras.
“Vocês sabem quem é quem. Para bom entendedor, o recado está dado”, completou Cardoso, antes de prosseguir com a pregação. O tom de admoestação, logo no início do culto, talvez não fosse necessário dois anos atrás. Hoje, no entanto, demonstra a cisão que existe na opção de voto do eleitor evangélico e a disputa pelo eleitorado desse segmento.
A esquina da Avenida Celso Garcia com a Rua José Monteiro, no Brás, espelha essa disputa. Ali, onde o Templo de Salomão da Universal compete por fiéis com a Assembleia de Deus Ministério Madureira Brás, que fica de frente e também é uma das maiores igrejas evangélicas da cidade, a campanha rola solta. Cabos eleitorais agitam bandeiras de Russomanno e candidatos a vereador apoiados por ele e ligados à Universal, enquanto outro grupo distribui panfletos de Covas e aliados poucos metros abaixo, sobre santinhos de Márcio França largados no chão por transeuntes e militantes, instantes antes.
Em 2018, nas eleições presidenciais, os evangélicos em São Paulo votaram em peso no presidente Jair Bolsonaro. Neste ano, este segmento está dividido majoritariamente entre Celso Russomanno, do Republicanos, e o prefeito Bruno Covas, do PSDB. Covas tem tirado a maior parte destes eleitores do adversário, conforme mostra a evolução das pesquisas de intenção de voto. De acordo com dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), os evangélicos são cerca de 30% dos eleitores na cidade de São Paulo. No final de setembro, quando começou a campanha eleitoral oficialmente, Russomanno contava com 37% da preferência dos eleitores evangélicos e Covas, 19%, de acordo com o Datafolha. De lá para cá, o tucano não parou de tirar votos evangélicos do adversário, e na última projeção contava com a preferência de 32% destes eleitores, contra 14% de Russomanno.
O fenômeno pode ajudar a explicar por que Russomanno caiu da liderança no início da corrida eleitoral com cerca de 30% de intenção de votos e hoje, a três dias das eleições, amarga um terceiro lugar nas projeções com 14% atrás de Guilherme Boulos, do PSOL, que tem 16% segundo o último Datafolha. Enquanto isso, Covas pulou de 20% para 32% no mesmo Datafolha e assumiu a liderança com folga. Enquanto um tem chances de levar a corrida no primeiro turno, o outro corre o risco de não passar para o segundo.
Migração do voto
Questionado pelo EL PAÍS sobre o fenômeno, Russomanno não concorda com a tendência de migração do eleitorado. “Quem fechou as igrejas? Foi ele que fechou as igrejas e elas sentem isso”, afirma o candidato. Para ele, na hora do voto, isso vai pesar a seu favor, que posiciona-se contra a medida.
O candidato do Republicanos, a exemplo do que já aconteceu nas últimas três eleições municipais, é apoiado pelo bispo Macedo e a Universal, apesar de forma menos explícita do que aconteceu com Bolsonaro em 2018 e com ele mesmo em anos anteriores — em 2012, comitês de campanha do candidato funcionavam dentro da Universal. Dessa vez, o apoio é mais discreto. “Em seu papel cristão e social, a cada eleição, a Universal apenas conscientiza os cristãos de nosso país que é preciso escolher os melhores candidatos, que defendam valores Bíblicos como a honestidade, a moral e a família”, diz a nota da assessoria de imprensa da igreja, em resposta à reportagem sobre o apoio a candidatos nestas eleições.
Apesar do apoio da Universal, reservadamente líderes religiosos têm resistência ao nome de Russomanno por ele ser católico e por não se apresentar como alguém 100% afinado com a pauta de costumes.
“Força, foco e fé”
Covas, por sua vez, conta com uma ampla aliança com políticos e lideranças de igrejas importantes na Câmara Municipal, e conseguiu atrair uma parcela ampla deste eleitorado. Seu slogan de campanha, “Força, foco e fé” é a cristalização dessa parceria que data desde o início do mandato, quando assumiu no lugar do governador João Doria, em abril de 2018.
Dos 11 evangélicos que são vereadores na Câmara Municipal, 8 fazem parte da bancada de apoio ao atual prefeito. São 55 vereadores ao todo. A conta não inclui o vereador e candidato a vice, Ricardo Nunes (MDB), também religioso, mas católico. O principal aliado do prefeito, o correligionário Eduardo Tuma, é evangélico, frequenta a igreja Bola de Neve e tem um trabalho de base muito forte junto a este eleitorado. “O Bruno Covas tem a maior base de vereadores evangélicos que algum prefeito já teve. Com a maior base propondo projetos e ele sancionando isso mostra que ele tem um diálogo muito próximo com o público evangélico”, afirmou o vereador ao jornal “Folha de S. Paulo” no final de setembro.
No PSDB, são ao menos cinco vereadores evangélicos. Há desde neopentecostais, como João Jorge e Rute Costa, de ramificações da Assembleia de Deus, a denominações mais antigas, como a Metodista, da vereadora Patrícia Bezerra.
Falta de atenção?
Um dos integrantes da campanha de Russomanno, em conversa reservada com a reportagem, admite que não foi feito um esforço concentrado para atrair o voto evangélico, já que o candidato sempre foi muito bem no segmento, e que isso pode ter sido um erro, já que ele vem perdendo espaço com este eleitor para o prefeito de uma forma não antecipada por eles.
Russomanno praticamente não fez campanha em templos neste ano. Quando fez, visitou congregações pequenas. Em outubro, chegou a cancelar a participação em um culto da Assembleia de Deus Ministério Belém, após ficar sabendo que Covas também estaria lá. A filha do líder da igreja, pastor José Wellington, Ruth Costa, é candidata a vereadora em São Paulo pelo PSDB, partido do prefeito. Outra filha dele, a deputada Marta Costa, é do PSD e vice na chapa de Andrea Matarazzo, que também disputa a prefeitura.
Em contraste ao candidato do Republicanos, Covas intensificou suas agendas em cultos evangélicos. Em um sábado no final do mês passado, o prefeito chegou a participar de três no mesmo dia.
Correndo por fora, os outros candidatos também fazem acenos ao eleitorado evangélico e disputam esse voto com Covas e Russomanno. Marcio França (PSB), que aparece embolado com Russomanno e Boulos na margem de erro do último Datafolha por uma vaga no segundo turno com 12% das intenções de voto, aposta na capilaridade política de seu partido e aliados para avançar nesse segmento. Ele saiu de 9% para 15% entre esse eleitorado no Datafolha.
No início de outubro, Boulos fez um encontro com mais de 50 lideranças religiosas. No final do mesmo mês, o petista Jilmar Tatto recebeu uma carta de apoio de 32 lideranças evangélicas menos expressivas. Todos esses movimentos políticos mostram que a disputa pelo voto evangélico veio para ficar, independentemente da corrente política do candidato.
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