Como seria um Brasil governado sem necessidade de mitos e messias?
Fala-se em reformar as desgastadas instituições do Brasil, mas todos os poderes ficam mudos quando a proposta é mudar a fundo
As grandes empresas do mundo, as mais prósperas, não procuram mitos ou celebridades para serem seus presidentes, e sim pessoas capazes das fazê-las prosperarem. Normalmente esses chefes nem são conhecidos pelas pessoas comuns.
Por que o Brasil não poderia ser governado por políticos capazes de entender o país e fazê-lo prosperar sem necessidade de ir em busca de ídolos ou messias?
E, entretanto, o Brasil não terá o lugar que lhe cabe no mundo enquanto não for capaz de ser governado por líderes conscientes de que a maior parte do país está excluída do banquete do qual se apropriam de 10% de suas riquezas. A imagem da pirâmide do Brasil formada por suas diferentes classes sociais hoje é lamentável.
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Só no dia em que a base da sua pirâmide formada por todos os excluídos for reformulada para reduzir o escândalo atual, o Brasil poderá ser capaz de ocupar o lugar que lhe cabe no mundo e de influenciá-lo. E isso por suas dimensões geográficas, sendo o quinto maior país do mundo, por sua potência agrícola e ambiental e por sua dimensão de população, maior que vários países europeus juntos.
O Brasil precisa de líderes que entendam este potencial do Brasil em vez de se enredarem na mesquinha política de compra de votos e acumulação de privilégios, enquanto desmoralizam as instituições do Estado com suas relações pouco ortodoxas que chegam às vezes ao grotesco e recordam o realismo mágico de García Márquez.
O trem descarrilado política e socialmente que é o Brasil só poderá voltar a se movimentar quando tiver líderes capazes de observar o mundo e fazer reformas fundamentais.
Como pode funcionar um país com mais de 30 partidos no Congresso que mais parecem clubes esportivos do que faróis com luz própria?
Por que o Brasil não pode ser governado por quatro ou cinco partidos com ideias próprias, como nas outras democracias importantes do mundo?
Os eleitores brasileiros necessitam de um Congresso que realmente represente a todos e que dedique seus esforços a dialogar com as pessoas. Em países de democracias mais maduras, como a Suíça, grande parte das decisões é tomada por plebiscito.
O mundo vive um momento de mudanças globais que exigem cada vez mais líderes capazes de governar olhando para o mundo globalmente em vez de se paralisarem olhando o próprio umbigo.
Fala-se no Brasil hoje em reformar suas desgastadas instituições, mas todos os poderes ficam mudos quando se fala de reformar a fundo as instituições de Governo.
Continuar acreditando no novo mundo em que estamos entrando —no qual, sem acesso à cultura, a grande massa de pobres fica mais fácil de ser manipulada —ofende a inteligência.
Por que não criar a oportunidade, como já acontece em alguns países sérios, de poder destituir governantes que após vencerem as eleições ignoram solenemente as promessas feitas em campanha?
É possível que um político ao chegar ao poder não seja capaz de fazer tudo o que prometeu, mas trair os eleitores a ponto de fazer uma política oposta à oferecida, como está fazendo o presidente Bolsonaro, é iníquo.
Pois onde estão as bandeiras com as quais o líder de extrema direita se elegeu, como acabar com a velha política e apoiar as forças que combatem a corrupção? Talvez por isso o presidente apareça hoje no exterior como um dos políticos mais rançosos, que depois de dois anos no poder nem sequer saiu para dialogar com as grandes democracias do mundo.
Onde está sua fúria iconoclasta contra a corrupção quando acaba de afirmar que pretende acabar com a Lava Jato?
Como, depois de ter ameaçado destruir as instituições e flertar com um golpe de Estado, hoje aparece abraçado de forma descarada aos velhos políticos e aos magistrados?
A política do Brasil aparece hoje perante o mundo como a de uma republiqueta incapaz de estar à altura do que lhe corresponde.
Às vezes os detalhes na política são os mais significativos. Por que os políticos brasileiros, seus líderes, precisam, para dialogar entre si, fazê-lo sempre em cafés da manhã, almoços e jantares, às vezes até com música, em vez de nas suas horas de trabalho e sempre com caráter institucional? Será que esses líderes não têm seus gabinetes para se encontrarem?
Essa familiaridade dos líderes políticos em torno de um banquete dá a impressão de líderes que criam laços mais fraternais do que os exigidos por um diálogo aberto e respeitoso entre as instituições.
Não parece coisa de uma república séria que o presidente, tendo em curso uma investigação no Supremo, apareça em jantares na casa de um dos magistrados enquanto se abraçam amigavelmente, quando esse mesmo magistrado deverá decidir sobre os supostos processos dele e de sua família.
Não era ele quem há poucos meses ameaçava sequestrar o Supremo com o Exército e dar um golpe de Estado? Há quem prefira explicar tudo isso pela repentina conversão de Bolsonaro à democracia, mas, e se isso retratar mais um lobo com pele de cordeiro, que o que pretende é poder se reeleger dentro de dois anos à custa de aparecer como um Paulo convertido no caminho de Damasco?
Um Bolsonaro convertido repentinamente de todo um passado autoritário, nostálgico das ditaduras, pode ser mais perigoso amanhã do que já é hoje.
Não, não é com governantes mitos de direita ou de esquerda que o Brasil poderá contar mundialmente com a força que lhe cabe. Os mitos acabam desgastados, os problemas reais das pessoas ficam estacionados, os pobres continuam crescendo, e a dor, multiplicando-se.
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