Quase 70% dos municípios adotaram distanciamento social antes do primeiro caso de coronavírus
Estudo da Confederação Nacional dos Municípios e da Universidade Oxford mostra que falta de coordenação pode ter contribuído para aumentar velocidade de transmissão da covid-19
Sem uma coordenação nacional e diante de uma doença até então desconhecida, os municípios brasileiros deram uma resposta marcada pela falta de sincronia à necessidade de distanciamento social durante a pandemia de covid-19. Isso pode ter tido, como resultado, um transmissão mais rápida do vírus entre a população. Esta é uma das conclusões de uma pesquisa feita pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e analisada por membros do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford, no Reino Unido.
O levantamento, considerado o maior realizado com gestores municipais brasileiros durante a pandemia, constatou que 69,2% dos prefeitos que adotaram a política de distanciamento social, com o fechamento de serviços não essenciais, o fizeram antes mesmo do registro do primeiro caso de coronavírus em seus municípios. Desta maneira, o fechamento de atividades comerciais, diante da pressão do setor econômico, resultou em uma abertura antecipada da economia. Os dados preliminares da pesquisa foram divulgados nesta quarta-feira.
Ao se debruçar sobre questionários respondidos por 4.065 prefeituras das 5.568 cidades brasileiras, a antropóloga Andreza Aruska de Souza Santos, de Oxford, tentou sanar a seguinte dúvida: se tantos municípios se fecharam rapidamente, por qual razão o SARS-CoV-2 se espalhou tão velozmente em apenas um mês? O estudo mostra que o vírus passou de 296 cidades (7,5% das que responderam aos questionamentos), em 31 de março de 2020, para 4.196 (75%), em 31 de maio? Uma hipótese levantada por ela é exatamente a política sem sincronia de abertura e fechamento das cidades sem critérios sanitários. “Como essa flexibilização aconteceu, o que motivou a flexibilizar, a pressão econômica, é que tem de ser analisado. Uma pandemia descontrolada também tem várias consequências econômicas”, disse a pesquisadora Santos.
A pressão local é tamanha que 452 de 505 municípios (89,5%) que flexibilizaram as medidas de distanciamento social o fizeram antes de atingir o pico local. Nesse caldeirão de decisões imediatas tomadas por gestores municipais, ainda havia um outro ingrediente, as eleições para prefeito e vereadores que ocorrerão em novembro. “Os municípios foram levados nesta onda de proteção à sua comunidade, era mais uma cautela do que uma precipitação”, diz o economista Eduardo Stranz, consultor da CNM e coautor do estudo da entidade.
Para Stranz, havia um receio entre os prefeitos de verem uma escalada no número de casos de coronavírus e mortes em decorrência da doença sem que tomassem qualquer atitude. “Os municípios foram muito rápidos em agir. Mas depois virou um paradoxo. As pessoas se perguntavam: por que estamos fechados, se não há nada aqui? Quando se abre, começa a ocorrer a contaminação”, avaliou. No atual cenário, em que o país já registrou mais de 127.000 mortes e 4,1 milhões de infecções, ele estima que o abre e fecha do comércio e das indústrias ainda está distante de terminar.
Um outro fator que impacta nessa política dessincronizada é a perenidade das divisas municipais. “Sem coordenação nacional e sem relação com municípios vizinho fica uma pressão muito grande dos moradores para abrir a sua cidade. Por que você seguirá sendo o único fechado, se o seu vizinho está aberto?”, acrescenta a antropóloga Santos.
Para ilustrar esta constatação, a pesquisadora analisou as respostas dadas por todos os 853 municípios de Minas Gerais – um sexto das cidades brasileiras – e notou que mesmo que algumas áreas urbanas sejam praticamente unidas umas às outras os gestores municipais tiveram posturas diferentes quando ao distanciamento social. É mais um fator que pode ter interferido na disseminação da doença, já que o fluxo de indivíduos, que podem fazer compras ou trabalhar em outras cidades não sofre nenhuma limitação.
Os prefeitos acabaram sendo obrigados a agir diante da ausência de maiores esforços da presidência da República. Em abril, como uma resposta ao negacionismo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre a gravidade da crise, o Supremo Tribunal Federal decidiu que prefeitos e governadores eram autônomos em suas decisões relacionadas à pandemia. Bolsonaro é contrário à quarentena ou qualquer outra medida de distanciamento social horizontal.
Entre outras constatações do levantamento estão: 96,5% das cidades tiveram medidas restritivas para diminuição da circulação de pessoas; 94,2% dos municípios publicaram norma municipal para uso obrigatório de máscaras faciais; 75,7% estabeleceram distanciamento social com abertura apenas dos serviços essenciais; 54,4% reduziram oferta de transporte público e; 52,4% adotaram temporariamente barreiras sanitárias, com a instalação de postos de monitoramento de entrada e saída de pessoas.
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