Paulo Marinho, o rastilho de pólvora que incendeia inquérito contra Jair Bolsonaro
Empresário que rompeu com clã presidencial depõe por cinco horas à PF e diz que suas revelações vão “ao encontro” das de Moro. Delegados desmentem presidente
Foi como acender um rastilho de pólvora. A decisão do empresário e presidente do PSDB no Rio de Janeiro, Paulo Marinho, de romper de vez com Jair Bolsonaro e afirmar que soube que integrantes da Polícia Federal atuaram para beneficiá-lo na campanha presidencial de 2018 incendiou de vez a investigação sobre as supostas tentativas do mandatário de interferir politicamente no trabalho da PF. Por cinco horas na tarde desta quarta-feira, Marinho, que é suplente do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e foi seu aliado até meados de 2019, prestou depoimento à Polícia Federal dentro do inquérito que investiga se o presidente cometeu cinco crimes ao tentar interferir politicamente na corporação. A investigação, aberta após a demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça no final de abril, se baseou nos relatos feitos pelo ex-juiz da Lava Jato.
Ao sair do depoimento, Paulo Marinho não revelou aos jornalistas o teor do que disse, alegando que poderia atrapalhar as investigações. Limitou-se a dizer que suas palavras iam ao “encontro” das acusações de Moro. Foi a sequência esperada do capítulo que ele abriu no fim de semana, quando, em entrevista à Folha de S. Paulo, trouxe novos elementos e personagens para a trama que enrola a família Bolsonaro. O empresário diz ter provas do que revelou ao jornal. Segundo esse antigo aliado de Bolsonaro, Flavio lhe contou numa reunião em sua casa que fora avisado, antes do segundo turno da eleição de 2018, que dois assessores dos Bolsonaro estariam entre os alvos da Operação Furna da Onça, um desdobramento da Lava Jato que, no dia 8 de novembro daquele ano, resultou na prisão de dez deputados estaduais suspeitos de receberem uma mesada ilegal dos governos de Sergio Cabral e de Luiz Fernando Pezão. A informação antecipada teria vindo de um delegado simpatizante do então candidato Jair Bolsonaro. Um dos alvos da investigação era o ex-assessor de Flávio, Fabrício Queiroz, suspeito de administrar um esquema milionário de apropriação de parte dos salários dos servidores do gabinete – a rachadinha.
O episódio narrado por Marinho acabou implicando outros personagens que terão de prestar depoimento. Segundo ele, Flávio esteve em sua casa junto com o o advogado Victor Granado Alves em dezembro de 2018. Alves foi o interlocutor de Flávio no encontro com o delegado que antecipou a operação que atingiria a família Bolsonaro em outubro de 2018, duas semanas antes do segundo turno. A justificativa do delegado que, segundo o relato, vazou a informação era de proteger a campanha eleitoral de Bolsonaro, favorito a vencer a eleição. Alves confirmou ao jornal O Globo a reunião que teve com Flavio na casa de Marinho no final de 2018.
Assessor próximo de Flávio, o escritório de Granado Alves recebeu 500.000 reais provenientes do fundo partidário do PSL entre fevereiro de 2019 e março de 2020 por prestar serviço de assessoramento jurídico ao diretório estadual do Rio de Janeiro —a legenda diz que vai cobrar os valores do advogado de volta. Flávio era quem dirigia o partido no Estado. O valor é proveniente de recursos públicos, algo que toda a família Bolsonaro costuma dizer que não precisava usar em sua campanha eleitoral. O advogado, que também é investigado no esquema da rachadinha, já defendeu o senador em casos envolvendo a uma franquia de chocolates do parlamentar e possui duas lojas da mesma rede.
Sobre o meu depoimento na PF: por mais de cinco horas, trouxe detalhados elementos que vão auxiliar a investigação, indo ao encontro do que o @SF_Moro trouxe à tona. Por ordem da autoridade policial, não posso revelar o teor do meu testemunho.
— Paulo Marinho (@PauloMarinhoRio) May 21, 2020
Conforme dois policiais federais ouvidos pela reportagem, o entrelaçamento das apurações mostra uma prática comum entre a família Bolsonaro e reforça que o ponto mais fraco do presidente é a tentativa de proteger seus filhos de investigações, por isso a pretensão de interferir na Superintendência da PF do Rio de Janeiro.
Influência de Ramagem
Outras testemunhas que já haviam deposto no inquérito conduzido pelo ministro Celso de Mello aumentam a pressão sobre o presidente. Ao menos dois deles contradisseram Bolsonaro nesta semana. O mandatário alega que estaria descontente com Moro e com o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, porque eles não forneciam relatórios de inteligência para subsidiar suas decisões.
O delegado Cláudio Ferreira Gomes, que até 12 de maio passado era diretor de Inteligência da PF, afirmou que a Presidência nunca lhe cobrou esses relatórios. “Não houve nenhum pedido específico de relatório de inteligência, por parte da Presidência da República, dirigido à Diretoria de Inteligência Policial no período de sua gestão”, afirmou aos policiais na terça-feira.
Já o atual diretor-executivo da PF e ex-superintendente no Rio, Carlos Henrique Oliveira de Sousa, pediu para revisar o depoimento que concedeu na semana passada. Antes, ele dizia que, até assumir a superintendência do Rio, não havia sido procurado por nenhum representante do Palácio do Planalto. Na terça, contudo, mudou o que disse. Afirmou que, antes de assumir a superintendência no Rio, foi levado pelo delegado Alexandre Ramagem para uma conversa com Bolsonaro na sede da Presidência no segundo semestre do ano passado. O objetivo era para que o presidente conhecesse o futuro chefe a PF em seu Estado. Ramagem é o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que foi impedido pelo Supremo Tribunal Federal de assumir a direção-geral da PF por ser amigo dos filhos de Bolsonaro.
A reunião com o presidente, conforme investigadores, mostra a importância que o mandatário dá para a superintendência do Rio. Não é comum ocupantes de cargo de terceiro ou quarto escalões da polícia reúnam-se com o chefe do Executivo.
Nesta quarta-feira, a PF também interrogou os delegados Cairo Costa Duarte, superintendente da PF em Minas Gerais, e o delegado Rodrigo Morais que investigou o atentado sofrido por Bolsonaro durante a campanha presidencial de 2018. Ambos disseram que, ao contrário do que demonstra publicamente, o presidente nunca lhes transmitiu qualquer insatisfação sobre a conclusão do inquérito, de que Adélio Bispo agiu sozinho no esfaqueamento de Bolsonaro.
O chefe de gabinete de Flávio Bolsonaro, coronel Marcos Braga Grillo, também deverá ser interrogado nos próximos dias. O militar é o outro dos assessores de Flávio que teria se reunido com o delegado da PF que teria vazado a informação sigilosa aos Bolsonaro.
Em Brasília, é esperada a divulgação total ou parcial do vídeo de uma reunião ministerial, do dia 22 de abril, na qual o presidente teria pressionado Moro pela troca de comando na Polícia Federal. O relator do inquérito no STF, Celso de Mello, informou que tomará sua decisão sobre esse tema até sexta-feira. O inquérito é para investigar se Bolsonaro cometeu os crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça e corrupção passiva privilegiada.
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