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São Paulo se aproxima de colapso de hospitais, mas planeja megaferiado para tentar evitar ‘lockdown’

Doria e Covas querem adiantar dias festivos para aumentar as taxas de isolamento, enquanto se veem presos ao xadrez político colocado pelo isolamento total. Para especialistas, medida é paliativo

Pessoas circulam pelo centro de São Paulo, cidade que, desde 24 de março, está em quarentena
Pessoas circulam pelo centro de São Paulo, cidade que, desde 24 de março, está em quarentenaFernando Bizerra Jr. (EFE)


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A cidade de São Paulo poderá ter, a partir desta quarta-feira, um feriado que se estenderá por quase uma semana, na tentativa de aumentar o isolamento social e assim reduzir a contaminação pelo novo coronavírus, que já provoca uma ocupação de 91% das UTis reservadas para os pacientes da pandemia. O prefeito da capital, Bruno Covas (PSDB), e o governador do Estado, João Doria (PSDB), anunciaram a intenção de adiantar feriados municipais e estaduais já para os próximos dias. Doria quer adiantar o feriado estadual de 9 de julho —dia da Revolução Constitucionalista— para a próxima segunda, enquanto Covas quer que já nesta quarta e quinta-feira a cidade pare em decorrência do Corpus Christi (que seria em 11 de junho) e do Dia da Consciência Negra (20 de novembro), deixando a sexta-feira como ponto facultativo. O plano não convence especialistas ouvidos pelo EL PAÍS que acompanham a evolução da covid-19. Eles argumentam que, se implementados, os dias livres a mais podem apenas ser um paliativo quando regiões do Estado já deveriam estar em isolamento total e estar realizando muito mais testes.

A medida que desloca os feriados foi aprovada na Câmara dos Vereadores no final da tarde desta segunda e aguarda decreto da prefeitura, com suas respectivas normas, para valer. Já o adiantamento do feriado estadual ainda precisa passar pela Assembleia Legislativa do Estado. Se a intenção do governador e do prefeito virar decreto de fato, a capital pararia nesta quarta-feira e só voltaria na próxima terça.

E algo parecido pode ocorrer em outros municípios paulistas, já que Doria disse que pedirá aos prefeitos para que façam o mesmo. De acordo com ele, essa é uma tentativa de atingir “bons índices” de isolamento social, que são maiores aos finais de semana e feriados. Na última semana, esse índice oscilou entre 47% a 54% no Estado, enquanto, por outro lado, as taxas de ocupação dos leitos de UTI vão aumentando, batendo os 90% na capital e os 70% no Estado nesta segunda-feira.

Arestas políticas e Polícia Militar

As medidas, caso sejam de fato decretadas, farão com que tanto Covas quanto Doria ganhem tempo em um momento em que os casos e mortes notificadas por coronavírus só aumentam, tanto na capital, quanto no Estado: nesta segunda, foram registrados 4.823 óbitos notificados e 63.006 casos confirmados de coronavírus em todo o Estado. Diante dessa crescente, Domingos Alves, professor de medicina social da USP de Ribeirão Preto, explica que a medida dos feriados, se ocorrer, é paliativa. “Pode ser que funcione, porque retira a prerrogativa das empresas de forçar o funcionário a trabalhar”, diz. Mas isso não fará com que o vírus suma daqui a uma semana. “O cenário para as próximas duas semanas vai ser uma calamidade. Passou da hora de decretar lockdown”, diz. “E passou faz tempo”.

Enquanto Doria suaviza o discurso e fala em “bons índices” de isolamento, Covas admitiu, neste domingo, pela primeira vez, que “estamos mais próximos do que gostaríamos do lockdown”. O prefeito também foi categórico ao citar as taxas de ocupação crescentes de UTIs e enfermarias na cidade: “A cidade está chegando ao seu limite de opções”. O prefeito, no entanto, deixou claro que, sozinho, não conseguiria decretar o isolamento total na cidade, e indiretamente jogou para o governador essa decisão. “É preciso dizer que a prefeitura sozinha não tem todos os principais instrumentos para fechar totalmente a cidade”, afirmou. “Nossa competência institucional em segurança é muito limitada”.

De fato, Covas se encontra em um xadrez em que precisará de ajuda para mover as peças, já que necessita de reforços especialmente na área da segurança pública para a fiscalização. “O prefeito está em uma situação muito complicada”, diz Domingos Alves. Nos bastidores, se reconhece que o próprio governador Doria está preso a uma camisa de força, já que a Polícia Militar, cuja maioria é bolsonarista, pode se transformar em um entrave político ao invés de prestar o apoio necessário para fiscalizar quem furar o isolamento.

Ainda assim, o governador já afirmou ter um plano pronto para realizar esse decreto se for preciso. Mas não diz com clareza o que espera acontecer para fazê-lo. Alves lembra que será preciso um plano integrado com a comunidade e agentes financeiros dos municípios, além das forças de segurança. “Na Brasilândia, por exemplo [bairro periférico de São Paulo, onde concentra-se a maior parte dos casos e óbitos até o momento], casas de um cômodo abrigam cinco, seis pessoas. Então é preciso um plano para realocar essas pessoas em outros lugares, escolas, estádios, por exemplo”.

“Mais eficaz é testar em massa”

Decretar ou não o isolamento total, embora seja uma medida que cada vez faz mais parte da história da pandemia no Brasil - cidades do Maranhão, Pará e Rio de Janeiro já o fizeram - pode não ser, necessariamente, a chave para o controle total da doença. O matemático da Unicamp Stefano de Leo, professor e pesquisador das projeções desta pandemia, afirma que para controlar o vírus, há uma outra medida até mais importante que o isolamento total. “Mais eficaz é testar em massa”, diz. “O que o Brasil já deveria ter feito era adotar uma estratégia de testes, como fez a Alemanha”, afirma. “Só assim é possível identificar as regiões ou bairros com o maior número de infectados e aí sim tomar medidas para controlar e isolar esses lugares e essas pessoas”. Ele explica que a Alemanha, país que adotou a estratégia bem-sucedida de controle do vírus e testagem em massa, a cada 150 exames feitos, uma pessoa era confirmada com a doença. Na Áustria, eram 300 testes a cada confirmado. “No Brasil, a cada três testes feitos, uma pessoa confirma a doença, é muito pouco”, diz ele.

Trazendo para São Paulo, o epicentro da pandemia no país, esses números são ainda menores. De acordo com Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan e coordenador do Comitê de Contingência do Coronavírus em São Paulo, foram realizados até o momento no Estado 73.000 testes. Desses, 63.066 confirmaram a doença, uma proporção de 1,1 teste a cada confirmação, o que mostra que a estratégia de somente testar os casos mais graves ainda está sendo utilizada. “Por isso", diz de Leo, "enquanto o número de testes não aumentar, o lockdown vai ajudar um pouco ou em nada na solução do problema”.

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