Sergio Moro diz que Bolsonaro pressionou para controlar PF do Rio: "Quero apenas uma superintendência”
Depoimento de ex-juiz da Lava Jato foi dado no sábado. Celso de Mello, do STF, abre sigilo do inquérito que apura acusações. Motivo para interferência “devem ser indagados ao presidente”, provoca ex-ministro
O ex-ministro da Justiça Sergio Moro reforçou à Polícia Federal que o presidente Jair Bolsonaro queria que ele trocasse o superintendente da PF do Rio de Janeiro, base eleitoral e política do mandatário. Segundo o depoimento de Moro, obtido pela emissora CNN Brasil, o presidente enviou, em março, a seguinte mensagem para ele pelo WhatsApp: “Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”. Os motivos desse interesse especial pela unidade fluminense “devem ser indagados ao presidente”, provocou ex-juiz da Lava Jato algumas vezes. Após a revelação do depoimento, Bolsonaro se esquivou de responder porque queria o controle da PF no Rio —“é o meu Estado”, limitou-se a afirmar nesta terça—, e ainda acusou Moro de vazar à TV Globo informes confidenciais.
Como disse em seu discurso de demissão, Moro reafirmou que era contrário à troca de cargos-chave na PF, como a superintendência do Rio e, principalmente, a diretoria-geral do órgão, até então comandada por Maurício Valeixo. De acordo com as declarações do ex-ministro, desde o ano passado Bolsonaro tenta interferir nessa superintendência. Já havia trocado o antigo superintendente Ricardo Saadi por Carlos Henrique Oliveira. Mas o presidente não queria Oliveira na função, seu indicado era Alexandre Saraiva, então responsável pela superintendência do Amazonas. Agora, Oliveira foi indicado para ser o diretor-executivo da PF, deixando a superintendência do Rio sem comando, por enquanto.
Nenhum dos filhos de Bolsonaro é alvo de inquérito da PF do Rio, mas o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) é investigado pela Polícia Civil do Estado por um suposto esquema de apropriação indevida de salário de antigos assessores, a rachadinha. Além disso, a Polícia Federal chegou a investigar aspectos específicos do assassinato da vereadora Marielle Franco, um caso explosivo não só porque o nome do presidente já apareceu nas apurações, mas também pelas potenciais relações do crime com milicianos, alguns deles ligado à família Bolsonaro. No ano passado, reportagem do Valor Econômico também citou uma investigação de lavagem de dinheiro envolvendo milicianos e doleiros que estaria no radar do Planalto.
No depoimento dado no sábado, parte de um inquérito autorizado pelo Supremo Tribunal Federal que apura as acusações contra o presidente, o ex-juiz da Lava Jato ressaltou que desde agosto do ano passado o presidente pedia a demissão de Valeixo. E ele resistia por entender que não havia nenhuma razão técnica que justificasse a troca. Quando o presidente comunicou que exoneraria Valeixo, no dia 23 de abril, e o substituiria por Alexandre Ramagem, Moro disse que se isso ocorresse, ele deixaria o cargo. Ramagem, que é amigo dos filhos do presidente e atual diretor da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), teve a nomeação barrada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, por entender que sua nomeação feria regras constitucionais, como os princípios da impessoalidade e da moralidade da gestão pública. Na segunda-feira, Bolsonaro nomeou o então número dois da ABIN, Rolando de Souza, para a diretoria-geral da PF.
O ex-ministro Moro ainda relatou em seu depoimento aos delegados da PF que, no último dia 23, ele se reuniu com outros três colegas de Esplanada, que tentaram demovê-lo da ideia de entregar o cargo: os generais Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Luiz Eduardo Ramos (Governo) e Walter Braga Netto (Casa Civil). Moro afirmou que Ramos chegou a sugerir uma solução intermediária, indicando Disney Rossetti ou Fabrício Bordignon para o cargo de Valeixo. O ex-ministro consultou Valeixo, avisou ao general Ramos que concordavam com a troca por Rossetti. Ele esperou um retorno de Ramos com o aval do presidente, o que não ocorreu. No dia seguinte Moro fez um pronunciamento para anunciar sua demissão do Governo.
Provas e próximos passos
Após o depoimento, Moro disponibilizou seu telefone celular aos policiais e autorizou que fossem extraídas cópias de seus diálogos com o presidente Bolsonaro e com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), sua afilhada de casamento que tentou convencê-lo a ficar no cargo em troca de uma futura indicação dele a uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal. As outras conversas ele disse que não disponibilizaria por entender que elas tinham caráter pessoal e até tinham interesse de segurança nacional, devido ao cargo que ocupava.
O ex-ministro firmou aos policiais que ele não tinha guardado todas as mensagens que trocou com Bolsonaro. “Que o declarante esclarece que tem só algumas mensagens trocadas com o presidente, e mesmo com outras pessoas, já que teve, em 2019, suas mensagens interceptadas ilegalmente por hackers, motivo pelo qual passou a apagá-las periodicamente”, diz trecho de seu depoimento publicado pela CNN Brasil. Ele se refere ao episódio que ficou conhecido como Vaza Jato, no qual o site The Intercept Brasil e parceiros, entre eles o EL PAÍS, revelaram por meio de trocas de mensagens feitas pelo aplicativo Telegram que o então juiz da Lava Jato influenciou as investigações feitas pelo Ministério Público, ferindo o princípio de imparcialidade judicial.
Em seu depoimento, Moro foi cuidadoso para não se incriminar, já que também é um dos investigados no inquérito conduzido pelo procurador-geral, Augusto Aras. Ele não falou, por exemplo, por qual razão o presidente queria tanto trocar o superintendente da PF. Também afirmou, em mais de uma ocasião, que jamais inferiu que Bolsonaro teria cometido qualquer crime e que isso quem precisaria dizer eram os investigadores e a Procuradoria Geral da República.
À polícia, o ex-ministro disse que repassava, sim, informações que considerava essenciais ao presidente. Citou três casos, segundo os quais, não foram enviados dados sigilosos: nas operações que envolveram o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, no chamado caso dos “laranjas” do PSL, o líder do Governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho, e na extradição de Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, um dos líderes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Em julho do ano passado, no entanto, Bolsonaro disse ter recebido informações do caso do PSL: “Ele [Moro] mandou a cópia do que foi investigado pela Polícia Federal pra mim. Mandei um assessor meu ler porque eu não tive tempo de ler”, reportou a Folha de S. Paulo.
Xingamentos e réplicas
No fim da tarde, depois que o teor da fala do ex-ministro da Justiça foi noticiado, o presidente Bolsonaro disse que não cometeu nenhum crime. “Ele [Moro] tinha peças de relatórios parciais de coisas que eu passava para ele”, afirmou Bolsonaro na entrada do Palácio do Alvorada. “E entregava para a Globo. Isso é crime federal, talvez incurso na Lei de Segurança Nacional”, completou o mandatário. Pela manhã, Bolsonaro já havia voltado a criticar a imprensa e mandou jornalistas calarem a boca, quando foi indagado se estaria interferindo politicamente na PF, como sugeriu seu ex-ministro e ex-juiz responsável pela operação Lava Jato. Tudo foi transmitido ao vivo pelo perfil do próprio presidente no Facebook
Agora, o presidente e Moro se preparam para os próximos passos. Além do depoimento do ex-ministro, o procurador-geral, Augusto Aras, já pediu e obteve a autorização do relator do processo no STF, o ministro Celso de Mello, que sejam ouvidos os três ministros-generais do Palácio Planalto, a deputada Zambelli, além de seis delegados da Polícia Federal, entre eles Ramagem e Valeixo.
Mello determinou que as oitivas ocorram nos próximos 20 dias e também suspendeu o sigilo de todos os atos do processo investigatório que não interfiram nas apurações. “Os estatutos do poder, em uma República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério nem legitimar o culto ao sigilo: consequente necessidade de este Inquérito transcorrer sob a égide do postulado da publicidade”, disse Mello na decisão.
Apesar de não haver a “bala de prata” que a militância bolsonarista nas redes sociais dizia esperar vir da fala de oito horas de Moro, o inquérito contra o presidente ainda tem muito a avançar. Os próximos passos serão dados após serem analisadas as trocas de mensagens entre ele e Bolsonaro, assim como após os depoimentos autorizados pelo ministro Mello. O que ainda estará nesse bojo é a divulgação do vídeo de uma reunião ministerial comandada por Bolsonaro no dia 22, na qual ele ameaçou Moro de demissão e que interferiria no Ministério da Justiça caso não houvesse a troca na superintendência do Rio do Janeiro.
O inquérito é uma fase prévia ao processo judicial. A PF também precisa fazer perícias nas provas que forem apresentadas e elaborar um relatório ao procurador Augusto Aras no qual confirma ou não a prática de crimes de Bolsonaro e/ou de Moro. Se o procurador entender que há delitos cometidos pelo presidente, ele precisaria pedir uma autorização da Câmara dos Deputados para fazer a sua denúncia, a acusação formal. O processo só andaria caso 342 dos 513 deputados se declarassem favoráveis a ele.
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