Em cadeia de TV, Bolsonaro minimiza coronavírus para insuflar base radical
Presidente faz se lança contra a ciência e o próprio Ministério da Saúde ao criticar fechamento de escolas e desencorajar quarentena. Presidente do Senado diz que nação espera “seriedade” de seu líder
Jair Bolsonaro apelou à mentira e à tergiversação em um novo pronunciamento, em cadeia obrigatória de rádio e TV, sobre a pandemia do coronavírus. Com um discurso feito sob medida para mobilizar seus seguidores mais radicais, o mandatário voltou a minimizar nesta terça-feira os riscos da doença, que já matou mais de 17.000 pessoas pelo mundo e 46 no Brasil, a se lançar contra a mídia, prefeitos e governadores. E contra as próprias evidências científicas.
“O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós, e brevemente passará”, garantiu o mandatário de extrema direita, contra todas as previsões dos especialistas e do Ministério da Saúde que comanda. Depois, afirmou que “a vida deve continuar”, que “os empregos devem ser mantidos”, assim como os sustentos das famílias. “Devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento do comércio e o confinamento em massa”, insistiu ele, indo em direção contrária ao que dizem as recomendações da Organização Mundial da Saúde e a todas as medidas de emergência adotadas em outros países. Com a ênfase na economia, Bolsonaro emula seu aliado Donald Trump, que propõe também afrouxar as restrições nos EUA ―e, mesmo assim, só depois da Páscoa.
A primeira reação ao pronunciamento foi do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM)―que foi contagiado pela Covid-19. Em nota, ele afirmou que o país espera uma liderança “séria, responsável e comprometida com a saúde e a vida da população”. Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), se limitou a dizer no Twitter que “o pronunciamento do presidente foi equivocado ao atacar a imprensa, os governadores e especialistas em saúde pública”. Também afirmou que “o momento exige que o governo federal reconheça o esforço de todos ―governadores, prefeitos e profissionais de saúde― e adote medidas objetivas de apoio emergencial para conter o vírus e aos empresários e empregados prejudicados pelo isolamento social”.
Alguns governadores também se posicionaram pelo Twitter, como o petista Rui Costa, que comanda o Estado da Bahia: “Não é gripezinha. Vou continuar trabalhando em defesa da vida. Olhar nos olhos das pessoas e dizer: estamos numa guerra. ACORDA. Temos que vencê-la. Chega de discurso vazio e delírios”. No Twitter, as hashtag #ForaBolsonaro e #BolsonaroGenocida apareciam na noite desta terça como os dois assuntos mais comentados da rede social em todo o mundo.
Bolsonaro insistiu na estratégia de forjar inimigos e oscilar de maneira errática, confundindo interlocutores. Na mesma semana em que diz ter mantido reuniões produtivas com governadores, aos quais passou a atender parte das demandas por liberação de recursos e suspensão de pagamentos de dívida, ele voltou ao ataque. O presidente voltou a insistir que o vírus ameaça principalmente aqueles com mais de 60 anos e outros problemas de saúde ―apesar de que há casos graves entre os mais jovens e saudáveis, além do poder de contagiar a população rapidamente e colapsar os sistemas de saúde. “Então, por que fechar escolas?", questionou, para em seguida tentar mais uma vez espantar os rumores de que foi infectado.
Ele também aproveitou a ocasião para fazer uma provocação ao médico Drauzio Varella. “No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria, ou seria quando muito acometido por uma gripezinha. Ou um resfriadinho, como diz aquele famoso médico.” Perfis no Twitter e no WhatsApp ligados ao bolsonarismo usaram a estratégia de distribuir um vídeo de Varella —de janeiro― para afirmar que o médico desencoraja as precauções.
O Brasil registrou até o momento 2.201 casos e 46 mortes pelo coronavírus, alguns deles com menos de 40 anos. Como só os pacientes com sintomas graves vem passando pelo teste, o próprio Ministério da Saúde afirmou nesta terça que para cada 100 pacientes infectados, apenas 14 são identificados. Além disso, os médicos afirmam que medidas que promovam o distanciamento social é a solução mais eficaz a curto prazo para conter a velocidade de contágio da pandemia para não colapsar os sistemas de saúde. A limitação da circulação de pessoas vem sendo adotada não apenas pela China, mas também pela Itália, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos, Argentina e mais recentemente até na Índia, entre outros países. Bolsonaro, contudo, diz confiar em um possível tratamento com a hidroxicloroquina que cientistas dos Estados Unidos e do hospital Albert Einstein vêm promovendo. Os estudos não são conclusivos, mas a mera possibilidade desatou uma busca desenfreada pelo medicamento —usado no tratamento da artrite, lúpus eritematoso, doenças fotossensíveis e malária. A própria ANVISA desencoraja seu uso para combater o coronavírus. “A automedicação pode representar um grave risco à sua saúde”, alertou a agência do Governo Federal em nota.
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