Forçado por coronavírus, Bolsonaro acena com trégua a governadores e anuncia ajuda de 88,2 bilhões
Errático, presidente muda, de novo, o tom. Recua em pacote, destina recursos a Estados e Prefeituras e reconhece fila do Bolsa Família, prometendo incluir mais de um milhão de famílias no programa
Forçado cada vez mais a enfrentar a gravidade do problema da pandemia de coronavírus, em menos de 24 horas o presidente Jair Bolsonaro demonstrou abertura ao diálogo com governadores – a quem tinha chamado no fim de semana de “exterminadores de empregos” –, alterou uma medida provisória que prejudicava empregados e pediu apoio para outros políticos aprovarem medidas legislativas que servirão para ajudar no enfrentamento da doença. Apesar do comportamento errático do presidente, que ora fala ao público em gera, ora radicaliza o discurso visando sua base, a sinalização de bandeira branca, em um primeiro momento, foi aceita até por governadores da oposição, que o parabenizaram pelos encontros que o presidente coordenou na tarde desta segunda-feira com 16 chefes de Executivos. Na terça-feira, ocorrerão reuniões com mais 11 governadores. Todos para anunciar um pacote de 88,2 bilhões de reais que beneficiarão Governos estaduais e municipais.
Todos os movimentos do presidente foram antecedidos por graúdas derrotas nos campos político, institucional e econômico. A manhã de segunda-feira começou com uma pesquisa Datafolha, feita por telefone por causa da pandemia, mostrando que o ministro Luiz Henrique Mandetta (55%) e os 27 governadores (54%) são mais bem avaliados que o presidente (35%) na gestão da crise.
Ao longo do dia, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, acatou um pedido dos Estados do Nordeste e proibiu a União de retirar 158.452 famílias do programa Bolsa Família, conforme havia sido anunciado na semana passada. Mais tarde, o Governo reforçaria o anúncio feito na semana passada, de que não só não vai cortar como vai incluir mais de um milhão de novas famílias no programa —ou seja, na prática, reconheceu a real demanda reprimida para obter o benefício, um número que sua gestão se recusa a fornecer.
Por fim, à tarde, depois de ser pressionado por lideranças do Congresso Nacional, associações de magistrados do trabalho e o Ministério Público, decidiu modificar uma medida provisória que permitia que empregados fossem afastados de seus trabalhos por até quatro meses sem receber qualquer remuneração.
O resultado para acalmar os ânimos foi anunciar um pacote de medidas econômicas e sanitárias atendendo os anseios de Estados e municípios. O plano econômico consiste na destinação a curto e médio prazo de 88,2 bilhões de reais a Estados e municípios. O valor fica dividido desta maneira: 8 bilhões de reais sairão do Fundo Nacional de Saúde para Prefeituras e Governos; 16 bilhões de reais saem do Tesouro para recompor os Fundos de Participação de Estados e Municípios, que devem ver a arrecadação cair com a paralisação de vários serviços; 2 bilhões de reais são para assistência social atender idosos; 12,6 bilhões de reais se referem à suspensão temporária do pagamento de dívidas com a União (ou seja, não são dinheiro na mão, mas alívio de caixa para os gestores); 9,6 bilhões de reais tratam da renegociação dos débitos com bancos públicos; e 40 bilhões de reais são destinados a operações de crédito que ainda dependem, em sua maioria, da aprovação do Congresso.
Acostumado a ser enfático em suas manifestações e, algumas vezes grosseiro, Bolsonaro usou um tom mais brando para anunciar as medidas para a imprensa. “O que mais imperou entre nós foram as palavras cooperação e entendimento. Sabemos que temos um inimigo em comum, o vírus”, disse o presidente.
Abatido, ele sintetizou as ações logo após as duas reuniões da tarde e se retirou, sem responder aos questionamentos dos jornalistas. Deixou que ministros e secretários-executivos as detalhassem. Como a coletiva havia sido convocada para ouvir o presidente, perguntas direcionadas a ele acabaram sem resposta. Entre elas uma sobre se ele sabia do conteúdo da MP que se viu obrigado a revogar em partes e outra sobre se ele achava possível contar com o apoio dos governadores após ser o responsável por tantos atritos com eles nas últimas semanas.
O presidente tem se mostrado contrariado com medidas de Estados que determinaram quarentenas, restrição no trânsito em rodoviárias e aeroportos, bem como possíveis bloqueios nas estradas. Diz ainda que frequentemente é criticado pelos mandatários estaduais. “Você não me vê atacando nenhum governador, eles é que me atacam constantemente, fogem de sua responsabilidade e atacam governo federal. Brevemente, o povo saberá que foram enganados por esses governadores e por grande parte da mídia nesta questão do coronavírus”, disse o presidente em entrevista à Record TV na noite de domingo.
Quando indagado sobre o que o Governo federal fazia contra o desabastecimento de alimentos e produtos nas cidades, afirmou que os governadores fantasiavam a crise. “Estamos fazendo contato direto com os prefeitos, porque é lá que o povo vive e não na fantasia de alguns governadores. Já temos um problema. Os governadores são verdadeiros exterminadores de emprego. Essa é uma crise muito pior do que o próprio coronavírus vem causando no Brasil”.
Apesar do discurso para sua plateia, na prática, Bolsonaro atendeu a maior parte do que foi pedido pelos governadores e prefeitos resumidos em sete documentos com demandas enviados a ele na semana passada. Os elogios vieram de onde menos poderia se esperar, de opositores. “Ficamos muito otimistas com essas decisões do governo federal em relação às proposições feitas pelos governadores e prefeitos”, disse o governador cearense Camilo Santana (PT). “Esse não é o momento de pensar em política ou em partido político. Esse é o momento de pensar em gente, de cuidar das pessoas. Por isso temos de agradecer a oportunidade de iniciar o diálogo com o governo federal”, afirmou o governador da Bahia, Rui Costa (PT). O preço da fatura é o apoio de prefeitos e governadores para que negociem com as bancadas locais apoio às medidas relacionadas ao coronavírus que chegarem no Legislativo.
A oscilação do presidente tem ocorrido também por causa de sinais emitidos pelo Congresso. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que costuma apoiar as medidas econômicas do governo, disse que a medida provisória que fragilizava as regras trabalhistas é capenga. A resposta veio do secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Bianco, que disse que o texto foi mal interpretado e prometeu enviar novas medidas sobre o tema ao longo dos próximos dias.
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