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Crise EUA-Irã aprofunda distância entre Planalto e a cúpula militar

Vice Mourão, militares e Agricultura se opunham a alinhamento automático com Donald Trump. Próxima disputa será indicar novo embaixador em Teerã

Jair Bolsonaro ao lado do vice-presidente Hamilton Mourão no Palácio do Planalto, em julho de 2019.
Jair Bolsonaro ao lado do vice-presidente Hamilton Mourão no Palácio do Planalto, em julho de 2019.ADRIANO MACHADO (REUTERS)

A crise envolvendo o Irã e os Estados Unidos afastou ainda mais o presidente Jair Bolsonaro do seu vice-presidente, Hamilton Mourão, assim como do grupo militar que dá sustentação ao Governo. Além disso, deu maior força à ala radical que atua nas relações exteriores, principalmente ao assessor especial da Presidência na área internacional, Filipe Martins, e ao ministro Ernesto Araújo. Ambos foram defensores do alinhamento automático com a gestão de Donald Trump no embate com o país do Oriente Médio.

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Ao longo da última semana, a reportagem entrevistou seis fontes do Palácio do Planalto, do Itamaraty e do Ministério da Defesa que reforçaram essa visão. Todos falaram sob condição de não terem seus nomes divulgados. A disputa entre as duas alas da gestão Bolsonaro agora é para indicar quem será o substituto do embaixador do Brasil no Irã, Rodrigo Azeredo, que está em férias, e não deve retornar a Teerã por questões de saúde. Ao menos três nomes já foram sugeridos ao ministro Araújo, mas a decisão ainda não foi tomada. Como de praxe em casos de crises de segurança, o Ministério da Defesa está concluindo um plano de resgate dos diplomatas brasileiros que estão lotados no Irã. Ele só será posto em prática caso haja um recrudescimento do conflito, o que não parece que ocorrerá num primeiro momento.

Desde que o general iraniano Qasem Soleimani foi morto por um ataque de míssil norte americano no último dia 2, o Brasil emitiu sinais distintos. Primeiro, o presidente Bolsonaro informou que não se envolveria na celeuma no Oriente Médio. Depois ele próprio deu declarações favoráveis aos Estados Unidos. Por fim, o Itamaraty publicou uma nota na qual defendia a luta contra o “flagelo do terrorismo”. Dizia o documento: “Ao tomar conhecimento das ações conduzidas pelos EUA nos últimos dias no Iraque, o Governo brasileiro manifesta seu apoio à luta contra o flagelo do terrorismo e reitera que essa luta requer a cooperação de toda a comunidade internacional sem que se busque qualquer justificativa ou relativização para o terrorismo”.

Em um primeiro momento, a ala militar do Governo e representantes do Ministério da Agricultura tentaram convencer o presidente a não declarar tão rapidamente apoio aos americanos, temendo haver retaliações contra brasileiros no Irã ou perder negócios. A tese era defendida também por Mourão nos bastidores. Hoje, os iranianos são o 24º parceiro comercial do Brasil. No ano passado, o intercâmbio comercial entre os dois países atingiu a marca de 2,3 bilhões de dólares (9,2 bilhões de reais).

“O grande derrotado nessa história toda é o Mourão. Ele sempre agiu como um mediador de todos os conflitos. É uma pessoa do diálogo aberto, mas o presidente e o ministro Araújo preferem se aproximar cegamente dos Estados Unidos”, afirmou um militar com acesso ao Planalto. A irritação parece ter mais fundo político, pela falta de coordenação e divergência, do que aversão a um risco concreto: uma avaliação na mesa é de que o Irã já tem inimigos demais para se indispor mais seriamente com o Brasil, mesmo considerando as declarações de Bolsonaro. A semana que passou, a seguir tudo como está, deixaria poucas sequelas.

Seja como for, o episódio serviu para medir o atual momento das relações entre Planalto e vice-presidência. Desde que assumiu o cargo, Mourão sempre se colocou à disposição de diplomatas ou empresários estrangeiros para dialogar. No início do ano passado, a agenda de Mourão era marcada por reuniões com embaixadores e ele era visto como uma espécie de porto seguro diante das opiniões radicais emitidas por Bolsonaro e Araújo. Quando a dupla se queixava do relacionamento com a China ou com algum país do Oriente Médio, Mourão tratava de receber um representante de algum desses países para conversar e levantar uma bandeira branca (o vice foi a Pequim antes de Bolsonaro, por exemplo). O mesmo ocorreu quando Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fecharam as portas para receber o fundo Amazônia, que era mantido basicamente por doações de Alemanha e Noruega. Dias após, o vice recebeu diplomatas desses países.

De lá para cá, o desgaste de Mourão só aumentou. O da ala militar do Governo também. A queda do general Carlos Alberto dos Santos Cruz da secretaria de Governo e a saída de outros quatro oficiais que ocupavam cargos de segundo escalão ao longo do ano reforçam essa perda gradual de apoio. “Ainda não houve um rompimento, mas as relações estão abaladas sem a garantia de que haverá uma melhora por parte do presidente”, disse um dos militares ouvidos pela reportagem.

Outra questão delicada para os militares, muito mais crucial do que o Irã, é a movimentação do Brasil na crise da vizinha Venezuela e nela Bolsonaro fez uma deferência clara aos oficiais que o apoiam. Enviou Mourão como representante do Brasil nos debates do Grupo de Lima, conglomerado de países que se opõe ao regime venezuelano de Nicolás Maduro. Depois, Mourão também foi escalado para uma atuação diplomática em dezembro: representar o Brasil na posse do presidente argentino, Alberto Fernández, desafeto declarado de Bolsonaro. Fora isso, o vice-presidente tem falado muito menos com a imprensa do que nos primeiros meses do mandato e é presença mais frequente em eventos das três forças, com pouco mais que declarações superficiais.

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