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MICHEL TEMER | EX-PRESIDENTE DO BRASIL

“O que me ocorreu não foi prisão, foi um sequestro”

Em visita à Espanha, ex-presidente afirma que brasileiros estão cansados da radicalização, diz não ver risco à democracia no Governo Bolsonaro e defende o centro como pacificador

O ex-presidente do Brasil Michel Temer.
O ex-presidente do Brasil Michel Temer.Julián Rojas
Thiago Ferrer Morini

Quando passou a faixa presidencial para Jair Bolsonaro, em janeiro deste ano, Michel Temer (Tietê, 1940) tinha todas as razões do mundo para se retirar da vista pública. Não só abandonava com forte impopularidade o cargo que obteve com o impeachment de Dilma Rousseff (em junho de 2018, 82% dos entrevistados pelo Datafolha consideravam o seu governo "ruim" ou "péssimo", um recorde histórico), como também era ameaçado por várias investigações de corrupção, que o perseguem até hoje. Temer conversou com o EL PAÍS na última quarta, quando visitava a Espanha —desde a sua soltura, em maio, ele tem viajado para conceder entrevistas.

Pergunta. O senhor foi preso duas vezes neste ano e é réu em vários casos de corrupção. Não está preocupado em não ter mais chances de fazer viagens como esta? Não atrapalha a sua imagem pública?

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Resposta. Eu não chamo de prisão, chamo de sequestro. Prisão é quando ocorre um processo regular. Os autos desse caso baixaram do Supremo Tribunal Federal, onde estavam por eu ter foro especial, sem haver absolutamente nada, exceto uma representaçãozinha do Ministério Público. E o juiz imediatamente decretou a prisão, que depois foi derrubada unanimemente pelo Superior Tribunal de Justiça. Foi um equívoco, uma arbitrariedade. Depois da minha saída da presidência da República eu, naturalmente, tomei a decisão de ser discreto. Mas depois dessa arbitrariedade, eu decidi sair para o embate público. E é por isso que estou hoje na Espanha.

P. A sua prisão deu mais força a um debate que continua sobre o uso da condução coercitiva e da prisão temporária como ferramentas de pressão da Justiça. Agora no Congresso está em debate a aprovação de uma proposta que confirma a possibilidade de prisão em segunda instância, cuja revogação pelo STF permitiu a soltura do ex-presidente Lula. Qual é a sua posição?

R. O que houve aqui foi uma modificação jurisprudencial pelo STF. A letra da Constituição é muito forte, e diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. E o trânsito em julgado não acaba até serem examinados todos os recursos. Essa é a interpretação que o Supremo fez, entendo eu, corretamente. A pergunta aqui é se basta com a modificação do Código de Processo Penal, ou deve ser modificada a Constituição. E se for o segundo caso, vai ter uma oposição doutrinária: porque são direitos individuais e, portanto, cláusulas pétreas, imodificáveis.

P. O principal derrotado na eleição de 2018 foi o centro político. O resultado do MDB foi o pior da sua história. Conservou a maior bancada no Senado, mas com 14 senadores. Qual é o motivo dessa deterioração?

R. O resultado negativo foi para quase todos os partidos, menos o PT e o partido do Bolsonaro. Mas o MDB continua tendo uma certa atuação. O líder do Governo no Senado [Fernando Bezerra Coelho] é do MDB. O ministro da Cidadania [Osmar Terra, do MDB] foi ministro meu. Porque o MDB é chamado pela sua larga experiência política e pela influência que ele tem no Congresso Nacional. E mesmo que agora eu esteja fora e, quando procurado, só dê conselho, nada mais, acho que ele vai continuar ocupando essa posição. Agora ele vota segundo as questões de interesse do país, como aconteceu com a reforma previdenciária.

P. Mas o senhor não acha que o centro político, o peso político desse centro, foi deteriorado nessa eleição?

R. Foi. Perdeu e perdeu muito.

P. Por que isso aconteceu?

R. O motivo é que chega um momento em que o povo quer mudar tudo. É o caso do Bolsonaro, mas não foi o único momento que aconteceu isso no país. Em 2002 tinha um sistema que ruiu. E foi eleito Lula, e o seu sistema esteve 13 anos no poder. Pode ser que, dentro de alguns anos, o povo queira mudar tudo outra vez.

P. Há espaço para o centro político no Brasil? O que deve fazer para recuperar a força que tinha antes?

R. Pregar o diálogo e a pacificação nacional. Há uma boa parte do povo que está cansada dessa radicalização. E acho que estão esperando candidatos que digam: “Olha aqui, minha gente, vamos fazer com que seja brasileiros com brasileiros e brasileiros contra brasileiros. Eu ouvi muita gente dizer que já não se podia se reunir no Natal com a família por causa da divergência política interna. Isso não pode acontecer no Brasil! O país sempre foi de muita solidariedade, paz e harmonia. Quem pregar isso, acredito, vai ganhar muito espaço, mas ainda falta muito para as eleições.

P. Se atribui a Ulysses Guimarães ter dito que político é que nem cozinheiro: quem faz o melhor prato nem sempre o come. MDB e PSDB foram os principais impulsores do impeachment de Dilma Rousseff e foram castigados nas urnas. Valeu a pena?

R. Não foram o MDB e o PSDB que impulsaram o impeachment. Foram as ruas. Aquele foi um movimento que foi crescendo e crescendo e foram milhões, em São Paulo e em outras cidades. Os partidos, não só MDB e PSDB, mas outros 10, 12 partidos, só acompanharam esse movimento.

P. Os protestos que acontecem no Chile hoje surgiram como reação a um aumento da tarifa no transporte, justamente o estopim dos protestos populares no Brasil há seis anos. Quais são, na sua opinião, as semelhanças e as diferenças?

R. No Chile, que eu saiba, ninguém está falando ainda do impedimento do presidente.

P. A crise na Venezuela parece ter empacado. O que pode fazer a América Latina para desbloquear a situação?

R. Vou dar o exemplo do Mercosul. Quando eu presidi o Mercosul, nós não permitimos a presença da Venezuela no bloco. Essa é uma gestão diplomática. O que o Brasil e a América Latina podem fazer são gestões diplomáticas para influenciar o retorno do país à democracia.

P. Para quem vê de fora, parece que o Brasil sempre teve duas agendas: a do presidente e a do Congresso. É assim hoje?

R. Não é. No presidencialismo, não é só o Executivo quem governa; governa com o Congresso. Hoje não há mais essa separação.

P. Porque até agora, sempre que o presidente e o Congresso têm entrado em conflito, raramente o Planalto levou a melhor; geralmente houve um compromisso.

R. É claro. Se não tiver diálogo com o Congresso, o presidente não tem possibilidade de aprovar a suas medidas.

R. Mas o presidente Bolsonaro e seu entorno têm acenado com medidas excepcionais. O senhor está preocupado com a possibilidade de uma quebra da ordem institucional pelo presidente?

R. Não. Primeiro, porque fala-se muito de que o Bolsonaro não frequenta o Congresso. E ele frequenta, sim: muitas vezes ele sai a pé do Planalto, atravessa a avenida, fala com [Rodrigo] Maia, com o [Davi] Alcolumbre. Depois, as instituições brasileiras estão muito solidificadas. E terceiro, a cultura política nacional hoje inadmite qualquer gesto de autoritarismo, de centralização, porque acostumou-se com democracia a partir de 1988. Não tenho nenhuma dúvida.

P. Se o novo partido do presidente, a Aliança Pelo Brasil, for aceito pelo TSE, a Câmara dos Deputados vai ter 26 partidos diferentes. Somada a essa confusão, há diferentes bancadas e lobbies, cada uma com seus interesses particulares. Como é possível passar reformas através desse filtro?

R. Primeiro, não acho útil que haja 36 partidos registrados. Eu na minha base tinha uns 15 a 16. E falava com todos. Não há esse negócio de coordenação política: quem faz a coordenação política é o presidente, e é o presidente quem deve fazer pessoalmente.

P. Acha que é precisa uma reforma política que permita simplificar essa coordenação?

R. Acredito que se houver uma reforma política que conduza a certa forma de semiparlamentarismo, o número de partidos políticos pode diminuir.

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