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Após 41 dias, crise no Chile não dá trégua e Piñera diz que é momento de dizer “basta” à violência

Presidente chileno, com 12% de popularidade e sem uma base política sólida, tenta contra o relógio selar um acordo parlamentar sobre segurança pública

Rocío Montes
Santiago do Chile -
Fogo em barricada durante protesto na cidade chilena de Concepción, na terça-feira passada.
Fogo em barricada durante protesto na cidade chilena de Concepción, na terça-feira passada.José Luis Saavedra (Reuters)
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A violência no Chile atinge níveis inéditos, e o mundo político não alcança consensos que levem a uma saída após 41 dias de crise. Depois da convocação de greve geral feita pela Unidade Social – que coordena 200 organizações sindicais, populares, estudantis e de profissionais da saúde –, vários grupos violentos tomaram diversas cidades do país na noite de terça-feira. Houve pelo menos 99 focos de graves incidentes e pelo menos 915 pessoas foram detidas, segundo dados do Ministério do Interior, numa das jornadas mais violentas desde a eclosão dos protestos em 18 de outubro.

O presidente Sebastián Piñera, com 12% de popularidade e sem uma base política sólida, tenta contra o relógio selar um acordo parlamentar sobre segurança pública, endurecendo as penas para crimes como o saque e permitindo que as Forças Armadas protejam infraestruturas vitais, como a energética ou serviços de saúde, liberando assim “centenas de carabineiros para que possam cumprir seu trabalho de proteger a ordem e a segurança pública”.

“Chegou o momento de dizer basta!”, afirmou Piñera na noite desta quarta-feira no Palácio de la Moneda. “Chegou o momento de que todos nos unamos de forma categórica em nossos compromissos e vontade de combater a violência”, acrescentou o presidente. Mas as soluções que a classe política ofereceu até agora, como medidas sociais e uma nova Constituição, não parecem suficientes para deter a violência. Sem contar as pessoas que foram detidas durante o toque de recolher, entre o início da crise e esta segunda-feira havia 18.552 detidos (dos quais pelo menos 1.156 sob prisão preventiva).

O Ministério Público investiga a morte de 26 manifestantes, sendo cinco com envolvimento de agentes do Estado. O Instituto Nacional de Direitos Humanos, um organismo independente e público, contabilizou 2.808 cidadãos feridos que precisaram ser hospitalizados. Piñera informou que 2.210 carabineiros e policiais ficaram feridos – incluindo 57 a bala e 45 queimados por coquetéis molotov –, e que 188 delegacias e 971 veículos policiais foram atacados.

Enquanto parte do mundo político busca algum grau de entendimento, arcando com a falta de representatividade, a população vive jornadas difíceis, sobretudo em municípios periféricos e populares, açoitados por uma destruição ainda incalculável. “Parece que caiu uma bomba ou que tudo foi arrasado por um furacão”, conta um chileno de 60 anos que, como muitos cidadãos, tira fotos com seu celular no epicentro dos protestos, a praça Baquedano, em Santiago. A poucas quadras, na avenida Vicuña Mackenna, um homem organiza o trânsito em troca de algumas moedas, na falta de semáforos ou policiais. O pavimento está destroçado, centenas de estabelecimentos comerciais fechados, e a entrada da estação de metrô Baquedano, entroncamento crucial na rede, está irreconhecível inclusive para os chilenos que nasceram na cidade.

Pedido de líderes políticos

R,M.

Cinco presidentes de partidos de centro-esquerda assinaram nesta quarta-feira uma declaração em que afirmavam ser "necessário frear a espiral de violações dos direitos humanos e a violência irracional".

"Chamamos o Governo a cumprir com sua responsabilidade de manter a ordem pública. Para este propósito será necessário reformar profundamente as polícias, melhorar a inteligência e o trabalho preventivo e que os Carabineiros deixem de atuar com dureza diante de manifestações pacíficas, e com brandura diante dos delinquentes que saqueiam e incendeiam", disseram os líderes do Partido Socialista, Partido pela Democracia (PPD), Partido Radical, Democracia Cristã e Partido Liberal.

As imagens se repetem em diferentes cidades de norte a sul do país. No porto do San Antonio, manifestantes queimaram na noite de terça-feira a sede do Líder, um jornal local, que na manhã desta quarta saiu com a manchete: “Terrível jornada!”. Em Antofagasta, a capital da mineração, no norte chileno, o descontrole permitiu que os delinquentes montassem churrasqueiras para assar carne com as chamas das barricadas, no meio da via pública. No centro de La Serena, a terra natal da poeta Gabriela Mistral, um hotel com turistas foi saqueado e em seguida incendiado.

Em Santiago, várias autopistas foram interrompidas nesta quarta-feira, enquanto protestos em ruas e avenidas obrigaram ao fechamento das estações de metrô, uma rede que até antes da crise transportava 2,8 milhões de passageiros por dia. A complexidade da situação chilena tem um ingrediente central: as denúncias de violações dos direitos humanos por parte dos agentes do Estado, que motivaram 500 ações judiciais por parte do Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH). Na semana passada, a Anistia Internacional apontou “ataques generalizados contra a população”, num relatório que foi alvo de críticas do Governo e das Forças Armadas. “Não é verdade que durante o período que vigorou o Estado de exceção as Forças Armadas tenham agido com a intenção de lesionar quem se manifestava para desincentivar os protestos”, disseram os militares. A organização humanitária Human Rights Watch (HRW), por sua vez, denunciou que membros da polícia uniformizada chilena, os Carabineiros, cometeram “graves violações dos direitos humanos”.

Os carabineiros foram proibidos de usar armamento antimotim enquanto não ficar definitivamente esclarecida a composição dos projéteis – já que um estudo da Universidade do Chile negou que se trate de borracha, como declarou a polícia durante semanas. “Estamos sendo superados. Adversários com barricadas, lançamento de pedras, de tudo. Resistindo só com o corpo e os escudos. Retiramo-nos. Tenho carabineiros lesionados, os veículos apedrejados, coquetéis molotov, não tenho gás, não posso disparar escopetas, que se dane. Não estamos obrigados ao impossível”, dizia um chefe policial enquanto ocorria um saque no centro comercial de Quilpué, a 120 quilômetros do Santiago, segundo um áudio divulgado pela rádio Cooperativa.

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