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“Sinto muito, mamãe. Não tive sucesso na viagem. Estou morrendo porque não consigo respirar”

Na noite de terça-feira uma vietnamita de 26 anos enviou uma mensagem de despedida à família, que acredita que ela estava no caminhão em que 39 corpos foram encontrados no Reino Unido

Nguyen Dinh Luong (à esquerda) e Pham Thi Tra My, cujos parentes temem que estejam entre as vítimas.
Nguyen Dinh Luong (à esquerda) e Pham Thi Tra My, cujos parentes temem que estejam entre as vítimas.
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A situação começou a se esclarecer nas últimas horas e está ficando claro que as primeiras conclusões sobre o crime que chocou os britânicos foram precipitadas. Informações fornecidas por muitos moradores da região central do Vietnã sugerem que a maioria dos 39 corpos encontrados dentro de um caminhão na madrugada de quarta-feira era dessa nacionalidade, e não chinesa, como se disse. Neste sábado, o Governo do Vietnã deu instruções a sua embaixada em Londres para que apoie a polícia britânica na identificação das vítimas, como afirmou o Ministério das Relações Exteriores em um comunicado. A polícia de Essex (Reino Unido) já anunciou que seria uma das investigações mais complexas e demoradas que o departamento já enfrentou.

O alerta foi dado quando foi divulgada a mensagem de texto que uma mulher de 26 anos, Pham Thi Tra My, enviou à mãe por meio do celular na terça-feira à noite, pouco antes de o caminhão chegar ao polígono industrial em que foi encontrado depois da meia-noite. Sua família explicou que ela pagou 35.000 euros (cerca de 155.000 reais) para viajar para o Reino Unido através da China. Começaram a suspeitar que pudesse ser um dos corpos encontrados no caminhão em Grays, no condado de Essex, quando leram a mensagem. “Sinto muito, mamãe. Não tive sucesso na minha viagem. Te amo muito. Estou morrendo porque não consigo respirar”, escreveu a mulher. Não houve mais mensagens dela desde então.

Ao menos seis outras famílias na mesma região forneceram informações e expressaram preocupação com o paradeiro de seus parentes. Os familiares de Nguyen Dinh Luong, de 20 anos, compartilharam no Facebook uma mensagem em que temem que o jovem tenha morrido nesse caminhão. A família de Bui Thi Nhung, de 19 anos, originária da província de Nghe An, uma das mais pobres do Vietnã, também aguarda angustiada notícias sobre o paradeiro da filha. Em sua página no Facebook, ela tinha respondido na segunda-feira ao comentário de uma amiga sobre uma de suas fotos que quase tinha terminado a viagem. Em 18 de outubro havia postado algumas imagens dela em Bruxelas.

O padre católico Anthony Dang Huu Nam, da aldeia de Yen Thahn, em Nghe An, disse à agência de notícias Reuters que várias famílias entraram em contato com ele para informá-lo do desaparecimento de seus entes queridos. Alguns vêm dessa província, ao sul de Hanói; outros, da vizinha Ha Tin.

A polícia de Essex, que continua com o controle de toda a investigação, recebeu duras críticas por ter anunciado precipitadamente que os 39 mortos eram de nacionalidade chinesa e, assim, suscitar falsas esperanças nas famílias vietnamitas afetadas.

As investigações determinaram que Mo Robinson, um norte-irlandês de 25 anos, dirigiu o cavalo-mecânico de sua residência, na localidade de Portadown, até Dublin. Da capital irlandesa, pegou uma balsa até o porto galês de Holyhead, aonde chegou no sábado. Depois dirigiu até o pequeno porto de Purfleet, no rio Tâmisa. Lá, depois da meia-noite de terça-feira, pegou um contêiner, recém-chegado do porto belga de Zeebrugge, e o rebocou até Grays, a sete quilômetros de distância. Logo depois os serviços de emergência de Essex alertaram a polícia de que haviam encontrado 39 corpos e Robinson foi preso. As autoridades não esclareceram quem deu o aviso.

Uma amostra da complexidade do caso é que a número dois do departamento, a comissária Pippa Mils, implorou pela ajuda de todos aqueles que tenham informações úteis e prometeu que não haverá represálias para aqueles que ajudarem. “Falem conosco sem medo. Garanto-lhes que trataremos suas informações com a mais estrita confidencialidade e que não serão acusados formalmente de nenhum crime”, afirmou.

Mais três pessoas foram presas na sexta-feira (dois homens e uma mulher, todos norte-irlandeses), e uma quarta (um homem de 23 anos) no sábado, no porto de Dublin. O motorista do caminhão, Mo Robinson, continua sob prisão preventiva e foi acusado neste sábado de homicídio culposo, tráfico de pessoas, colaboração com a imigração ilegal e lavagem de dinheiro. Os esforços dos investigadores se concentram em encontrar a máfia do tráfico de imigrantes que está por trás de tudo o que aconteceu.

Nos últimos anos foi detectada a atividade de quadrilhas criminosas que traficaram milhares de imigrantes vietnamitas irregulares. O Vietnã, com 97 milhões de habitantes, registrou um espetacular crescimento econômico nos últimos 30 anos, desde que lançou uma série de reformas para abrir seu mercado. Em 2018, seu crescimento foi de 7,1%. Entre 2002 e aquele ano, segundo o Banco Mundial, o nível de pobreza caiu de 70% da população para 6%. No entanto, esse crescimento foi muito desigual e nas áreas rurais, especialmente nas mais remotas, ainda existem zonas de extrema pobreza. Muitos jovens e crianças, especialmente mulheres, acabam sendo vítimas do tráfico de pessoas para a China — as mulheres jovens são obrigadas a se casar ou acabam em bordéis, na maioria dos casos — ou à Europa. O Reino Unido é um dos destinos preferidos.

“Muitas vítimas vietnamitas do tráfico em trânsito por países europeus experimentam viagens longas e penosas. As mulheres são abusadas e exploradas mediante trabalho forçado ou exploração sexual, muitas vezes nas mãos de redes mafiosas e traficantes europeus. Em muitos casos, as vítimas atraem a atenção das autoridades dos países europeus, mas estas não as identificam como vítimas do tráfico; elas as vêm como imigrantes ilegais ou criminosos”, denuncia um relatório conjunto das ONGs Anti-Slavery International, Every Child Protected Against Trafficking UK e Pacific Links Foundation.

“O horror do tráfico de pessoas nos atingiu novamente com a trágica morte dessas 39 pessoas. E sabemos que a realidade é infelizmente pior do que tudo isto”, resumiu Tom Tugendhat, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Comuns do Reino Unido.

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