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Interrupção da apuração multiplica tensão na Bolívia com possibilidade de segundo turno

Redução no apoio a Evo Morales indica uma rodada final de votação contra Carlos Mesa, segundo os resultados provisórios com quase 84% das cédulas apuradas

Francesco Manetto
Simpatizantes do presidente Evo Morales na noite deste domingo.
Simpatizantes do presidente Evo Morales na noite deste domingo.JORGE BERNAL (AFP)
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Bastou o anúncio dos resultados parciais das eleições para que a tensão eclodisse na Bolívia na noite deste domingo. Os dados provisórios, que refletem uma significativa perda de apoio a Evo Morales, apontam para um segundo turno contra seu principal adversário, o ex-presidente Carlos Mesa. Morales, que governa o país desde 2006, obteve 45,7% dos votos, contra 37,8%, segundo os resultados preliminares com quase 84% dos votos apurados. O Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) interrompeu a totalização a partir das 20h (21h em Brasília) alegando um conflito entre a transmissão de dados do órgão central e dos tribunais regionais.

Mesa, que recebeu como fato consumado a realização de um segundo turno em 15 de dezembro, denunciou os atrasos. “Mais uma vez o Tribunal Supremo Eleitoral descumpre sua palavra. Seu compromisso era de nos dar 100% dos resultados do cômputo total dos votos do país através do mecanismo chamado TREP [Transmissão de Resultados Eleitorais Preliminares]”, afirmou ele em um vídeo divulgado pelas redes sociais. “Não vamos permitir que se manipule um resultado que obviamente nos leva ao segundo turno”, acrescentou. A missão de observação eleitoral da Organização dos Estados Americanos também lamentou o ocorrido através do Twitter. Considerou “fundamental” que a autoridade eleitoral “explique por que se interrompeu a transmissão de resultados preliminares” e exigiu “que o processo de publicação dos dados do cômputo se desenvolva de maneira fluida”.

O líder do Movimento ao Socialismo (MAS), que segundo os primeiros dados perde 18 pontos percentuais em relação à votação de 2014, minimizou o revés e, em pronunciamento a seus seguidores, limitou-se a comemorar o resultado. “Talvez o povo boliviano tenha se imposto para continuar com o processo de mudança”, disse ele antes de acrescentar que confia numa vitória em primeiro turno. “Vamos esperar até o último escrutínio do voto nacional para prosseguir e continuar com nosso processo de mudança”, enfatizou. Morales se apresentou a esta eleição após perder um referendo sobre reeleição indefinida em 2016 e ser habilitado como candidato pelo TSE.

As denúncias do ex-presidente se somam às acusações lançadas durante a campanha eleitoral. Os adversários de Morales há dias vêm agitando o fantasma da fraude. O próprio Mesa, candidato da plataforma Comunidade Cidadã e dirigente da Frente Revolucionária de Esquerda – um movimento que manteve esse nome apesar de afastado de suas origens ideológicas – o reiterou ao longo do dia. O aspirante tinha afirmado ao EL PAÍS às vésperas das eleições que estava preparado “para todos os cenários eleitorais que podem se dar”, inclusive, segundo afirmou em resposta a um questionário por escrito, “ganhar em primeiro turno”.

Agora, se os resultados se confirmarem, será obrigado a procurar alianças com formações contrapostas. Óscar Ortiz, aspirante da região de Santa Cruz com um projeto de tintas neoliberais, foi o primeiro a confirmar seu apoio: “Os bolivianos decidiram que quem enfrentará Evo Morales no segundo turno será Carlos Mesa, e nós apoiaremos essa decisão sem reserva nem condições”. O ultraconservador Chi Hyung Chung, um pastor presbiteriano, também sugeriu que respaldará o segundo colocado. Mesa, que governou a Bolívia entre 2003 e 2005, enfrentaria o presidente no primeiro segundo turno em eleições presidenciais no país desde 2002, embora naquela época tenha sido o voto do Parlamento que inclinou a balança.

Mesa se viu forçado a renunciar à presidência justamente por causa de uma onda de protestos estimulada por seguidores de Morales. Passados 14 anos, porém, o primeiro mandatário indígena do país sofre o desapego de suas bases mais fiéis. Este jornal visitou no domingo o colégio Vicente Tejada em El Alto, o município da Bolívia com a maior concentração de eleitores indígenas. Em torno das 10h30 (hora local) a votação transcorria de forma quase festiva, entre quiosques de comida que vendiam guloseimas, leitão e frango assado. Mas também ali, num território onde prepondera a fidelidade ao MAS, havia votantes que não ocultavam sua insatisfação e optavam por Mesa.

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