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Última tentativa de acordo do Brexit se aproxima do colapso

Membros da equipe de Johnson afirmam que acordo deve dar errado após conversa infrutífera entre o primeiro-ministro e a chanceler alemã, Angela Merkel

Rafa de Miguel
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, de visita a um hospital em Watford, o 7 de outubro.
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, de visita a um hospital em Watford, o 7 de outubro.Peter Summers (AP)

A negociação entre Reino Unido e a União Europeia para conseguir chegar em um acordo para o Brexit está perto do colapso. Fontes do Governo de Boris Johnson afirmaram à imprensa britânica nesta terça-feira que as conversas com os Vinte e Sete (países que compõem a União Europeia) "estão a ponto de colapsar" após uma infrutífera conversa por telefone entre o primeiro-ministro e a chanceler alemã, Angela Merkel. 

Segundo fontes anônimas, a chanceler advertiu que com a atual proposta britânica o acordo é "basicamente impossível". O Governo alemão não confirmou a veracidade do relato e o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, acusou Londres de tentar jogar a responsabilidade para os membros da União Europeia.

"Boris Johnson, o que está em jogo não é ganhar um estúpido jogo de culpas. Em jogo estão o futuro da Europa e do Reino Unido, além da segurança e dos interesses de nossos povos. Não quer um pacto, não quer uma extensão, não quer revogar. Quo vadis?", cutucou Tusk em um tuíte. Os trabalhistas britânicos também reclamaram por Johnson tentar jogar a culpa nos europeus.

As declarações pessimistas sobre a possibilidade de acordo causaram uma queda da libra no mercado financeiro.

Em paralelo, a equipe do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, ameaçou com represálias os países da UE que apoiarem o pedido de outra prorrogação ao Brexit. “Deixaremos muito claro, em público e em privado, que os países que tomarem posição contrária a nova prorrogação serão os primeiros na fila para uma cooperação futura [com o Reino Unido], cooperação em assuntos fora e dentro da margem de competências da UE. Os que respaldarem a prorrogação serão os últimos da fila. Apoiar essa nova prorrogação será considerado por esse Governo como uma ingerência hostil em nossa política interna, e mais da metade do eleitorado concorda conosco”.

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Esse fragmento faz parte de uma elaborada resposta que a equipe de Boris Johnson enviou ao jornalista James Forsyth, editor político da revista The Spectator, após uma pergunta simples: Como estão as negociações? A revista é de leitura obrigatória aos políticos conservadores britânicos e o principal bastião na defesa do Brexit a qualquer custo. Forsyth decidiu publicar a resposta integral e revela uma estratégia encarniçada de Downing Street (rua em Londres onde fica a residência oficial do primeiro-ministro e seu escritório) para conquistar a vitória final em sua batalha contra a UE e o Parlamento.

O texto analisa pormenorizadamente as posições de todos os atores envolvidos no jogo e revela a estratégia de Johnson para atingir seu objetivo.

A posição da Irlanda

O que o primeiro-ministro da Irlanda, Leo Varakdar, decidir é fundamental para saber qual direção a UE vai tomar. A equipe de Johnson acha que o líder de Dublin fez seus cálculos e já não quer negociar com Londres. “Antes da aprovação da Lei Benn [ação parlamentar a Johnson para que peça uma nova prorrogação se não ocorrer acordo], Varakdar queria negociar porque sabia que as opções eram um Brexit com ou sem acordo. Desde a aprovação da lei, esfriou sua proposta e durante a semana passada os canais oficiais e extraoficiais entre Londres e Dublin se fecharam. (...) Está claro que quer apostar em um novo referendo e que encorajou Barnier a se manter firme no objetivo de que o Reino Unido não possa abandonar a UE sem deixar para trás a Irlanda do Norte”, diz o texto da resposta.

O futuro de um acordo

A equipe de Jonson deixa claro em sua resposta que, se a última proposta de Johnson à UE for por fim recusada, não haverá uma nova. O único modo de poder eliminar a ameaça do Partido do Brexit, do ultranacionalista Nigel Farage, será realizar novas eleições com o lema “Sem mais atrasos. Brexit imediatamente”, dizem. “Pensaram [em Bruxelas] que se Theresa May abandonasse o Governo, o Brexit seria mais suave. Dá a impressão de que não entenderam nada de seu erro”.

O mandato parlamentar

O Governo de Johnson sabe que terá de enviar a carta a Bruxelas com o pedido de uma nova prorrogação, porque uma ação aprovado por uma maioria de deputados em Westminster tem força de lei. Mas já planeja aumentar o tempo com um recurso aos tribunais. E, de qualquer forma, como se entende da carta, manobrarão para que a UE desconfie do pedido. “Estabeleceremos claramente que esse Governo não continuará negociando, de modo que qualquer prorrogação será inútil. Se pensam que se nos derem mais tempo continuaremos apresentando novas propostas. Não será assim. Ou saímos em 31 de outubro sem um acordo, ou ocorrerão novas eleições e sairemos definitivamente sem acordo”, escrevem.

Se Bruxelas quiser saber qual é o objetivo de um novo atraso, a equipe de Johnson alerta que deixarão claro que não é o que eles querem, é o que o Parlamento pede. “Lavaremos nossas mãos, não nos envolveremos em novas negociações, não teremos uma atitude de cooperação, e tudo o que for relacionado ao princípio de “dever de sincera cooperação” acabará na privada”, afirma o texto com crueza.

Forsyth alerta: o texto vem de uma das pessoas dentro da equipe de Johnson o —consenso é que tem a assinatura de Dominic Cummings, o estrategista político responsável pela campanha do Brexit em 2016 e principal assessor do primeiro-ministro atualmente. Muitos no Governo e no Partido Conservador começam a temer suas táticas agressivas, mas até agora demonstrou capacidade para impor seu critério nas decisões de Johnson.

Resta uma longa semana pela frente, e a crise do Brexit demonstrou sua capacidade de guinadas e mudanças insuspeitas. O documento levado à opinião pública pelo jornalista tem por isso um imenso valor, porque revela claramente o jogo de segundas intenções que se esconde por trás das declarações oficiais de boa vontade.

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